sexta-feira, 27 de maio de 2011

Toada de Portalegre




«Em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros
Morei numa casa velha,
Velha, grande, tosca e bela
À qual quis como se fora
Feita para eu morar nela...»
(...)





Na Quarta-Feira passada, dia 25 de Maio, fui visitar, na companhia de mais 13 amigos, o Museu José Régio em Portalegre.


José Régio nasceu e morreu em Vila do Conde (1901-1969), mas viveu grande parte da sua vida em Portalegre, onde foi professor, quase 40 anos (1928 a 1967). Deixou uma obra multifacetada. Foi, para além de escritor, desenhador, pintor, um grande coleccionador de arte sacra e e popular.

Nesta cidade do Alto Alentejo, ele escreveu a maior parte dos seus livros e, nos momentos de lazer, vagueava pelos campos a adquirir antiguidades, tendo uma verdadeira paixão pelos crucifixos.


A casa espanta-nos pelo número de crucifixos expostos (não os contei, mas são para cima de 400). Crucifixos de madeira, de metal, de barros, cristos toscos, elegantes, esquisitos, serenos, agonizantes, zangados por serem o Messias, descrentes na ressurreição. Há mesmo um de marfim branco com rubis a fazer as gotinhas de sangue. Em Régio, temos um cristianismo de lamento e não de alegria pela manhã da Páscoa da Ressurreição.

Cristo

Quando eu nasci, Senhor! já tu lá estavas,
Crucificado, lívido, esquecido.
Não respondeste, pois, ao meu gemido,
Que há muito tempo já que não falavas.

Redemoinhavam, longe, as turbas bravas,
Alevantando ao ar fumo e alarido.
E a tua benta Cruz de Deus vencido,
Quis eu erguê-la em minhas mãos escravas!

A turba veio então, seguiu-me os rastros;
E riu-se, e eu nem sequer fui açoitado,
E dos braços da Cruz fizeram mastros...

Senhor! eis-me vencido e tolerado:
Resta-me abrir os braços a teu lado,
E apodrecer contigo à luz dos astros!

Estamos perante um poeta angustiado na procura religiosa, numa insaciável busca de Deus. Olhemos para este poema, onde ele nos dá o conhecer o seu Cristo, crucificado, agonizante, esquecido, mas que ele quer abraçar.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

O poeta do Marão


No último fim de semana fui até Amarante, para ver o Tâmega e o Marão. Ficará para sempre gravada, na minha memória, a visão do Tâmega, naqueles dias de águas barrentas, serpenteando aquelas terras de Portugal. Visitei a Igreja e o Convento de São Gonçalo de Amarante – aquele que atirou o bordão ao rio e onde ele encalhasse seria erguida a sua ermida e a sua casa.


No último dia, já no regresso, peregrinei até à Casa de Teixeira de Pascoaes, o cantor do Marão e do Tâmega. Hoje, existe ali uma unidade de alojamento em Turismo de Habitação. No entanto, foi preservado um espaço dedicado ao poeta, conservando-se ainda a sua biblioteca, assim como os seus objectos pessoais, estando o espaço organizado de modo a recriar a ambiência de trabalho do poeta.

A visita foi possível graças à simpatia da Sra. D. Maria Amélia, com quem dois dias antes, através de telefonema realizado ainda em Lisboa, havia aprazado essa visita para as 10h30m do dia 22 de Maio. Tudo aconteceu como combinado. Tive assim a oportunidade de visitar a casa, bem como parte da quinta. Os herdeiros de Teixeira de Pascoaes, sobretudo a Sra. D. Maria Amélia (foi casada com João de Vasconcelos, sobrinho do poeta) lutam por manter viva esta memória e, até à presente data, conservam na sua posse todo o espólio literário do poeta. Será a melhor solução?

Tive na mão o livro, O MUNDO FECHADO, que a Agustina Bessa-Luís escreveu e enviou ao Teixeira de Pascoaes, em 1948, com uma dedicatória. Eu já ouvira a Agustina contar esta história. O Teixeira de Pacoaes era então uma respeitável figura das letras em Portugal e Agustina achou por bem pedir a sua “benção” para o primeiro livro. De referir que a casa de Pascoaes se situa na freguesia de São João de Gatão e a Agustina nasceu na freguesia de Vila Meã, ambas pertencentes ao concelho de Amarante. Teixeira de Pascoaes não terá respondido ou a sua resposta perdeu-se, tendo este episódio deixado sequelas para sempre, como pude comprovar agora. E, pelo que me foi dito, fiquei curioso de ler o SUSTO, que a Agustina veio a escrever dez anos mais tarde.

Foi muito gratificante ver um recanto da biblioteca, com lareira, onde o poeta Pascoaes recebia os amigos que o visitavam, no íntimo desta sua casa natal e solarenga. Por lá passaram inúmeros intelectuais, nacionais e estrangeiros, como, entre outros, Eugénio de Andrade, Mário Cesariny, Raul Brandão, Leonardo Coimbra, Jaime Cortesão.

Miguel Unamuno, poeta e filosofo espanhol, foi outro grande amigo de Pascoaes e visita frequente da casa de Gatão. Segundo conta Unamuno, em escrito de Fevereiro de 1908, depois de ter ter conhecido Pascoaes em Salamanca e o ter visitado depois no Porto, «de novo, já sem nos separarmos, tornei a conviver com Teixeira de Pascoaes, naquele recanto da sua Amarante, em meio do Portugal campestre e simples, pai do Portugal navegador e heróico».

Também eu, com Pascoaes e Unamuno, assomei àquela janela do miradouro, «para beber com os olhos a água do Tãmega, que vai

(...) compondo versos de neblina
Às arvores do monte, à dura fraga...
Elegias d´orvalho à luz divina,
Endeixas de remanso e cantos de água...»

Por fim, não posso deixar de recordar outro encontro de poetas nesta casa. Aconteceu em Setembro de 1951, quando Sebastião da Gama, o poeta da Arrábida, veio até Amarante, para visitar o poeta do Marão. Sebastião da Gama dizia que conhecemos os poetas no lugar que os fez. A propósito desse lugar que definitivamente dá feição aos poetas, disse então Teixeira de Pascoaes:  «A Arrábida é o altar do Mundo; eu pu-lo no Marão, porque sou daqui».

Regressei a Lisboa com a alma cheia de poesia, depois de visitar a casa do poeta que eu sempre vislumbrei de olhos fundos, de voz cansada, nevoento e pálido.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

A Minha Guerra

Já lá vão 37 anos, mas nunca é tarde. Eis um testemunho da minha participação na guerra colonial.

domingo, 15 de maio de 2011

Grandes Livros

Acabo de ler, ainda que tardiamente, Mau Tempo no Canal, de Vitorino Nemésio. É um romance publicado em 1949, sendo considerada uma das mais importantes narrativas da primeira metade do Século XX, em Portugal. A acção decorre nas ilhas do Faial, Terceira, Pico e na ilha de São Jorge entre 1917 e 1919 e retrata a sociedade açoriana, mais justamente, a sociedade estratificada da cidade da Horta, local onde decorre a intriga principal.

O livro começa com um namoro entre Margarida, filha de uma família aristocrática à beira da falência, e João Garcia, filho de Januário, pequenos burgueses com talento para o negócio mas escorraçados pelos primeiros, os Clark/Dulmo.

O pai de Margarida, Diogo, propõe-lhe que case com o tio Roberto, que virá de Londres e que, rico ainda, poderá salvar da desgraça os fidalgos arruinados seus parentes. Entretanto, Januário, pai de João, congemina vinganças contra os Clark Dulmo que tanto o despeitaram...

Mau Tempo no Canal conta, num ritmo lento, uma quantidade de histórias numa só, é uma trama que enreda uma série de sucedidos e cujo ponto de apoio mais evidente é a relação entre dois personagens (pouco apaixonante), entre duas famílias e entre dois estratos sociais.

Os afectos, as paixões e os amores surgem-nos inteiros, frescos, intensos. Entramos no coração de uma menina de boas famílias, dividida entre o amor original de um rapaz de família indesejada e o dever de alianças com famílias de bem. Neste livro, respira-se a maresia, sofremos a melancolia do mar, a sensação de lonjura, de liberdade e esperança: a sensação de ser ilhéu. Pode-se dizer, por isso, que estamos perante uma literatura regionalista.

No final, a Margarida acaba por fazer um casamento de acomodação, em face da fraqueza de João Garcia. O romance termina com Margarida, resignada, atirando o anel ao mar em sinal de renúncia.

domingo, 1 de maio de 2011

Cântico dos Cânticos

«Beije-me com os beijos da sua boca. Melhor as tuas carícias do que vinho. O aroma dos teus perfumes é melhor. Tua fama é odor que se derrama. Por isso as raparigas amam-te. Arrasta-me atrás de ti, corramos! Fez-me entrar o rei em sua penumbra. Folgaremos e alegrar-nos-emos contigo.»

Estes são os primeiros versículos do livro bíblico do Cântico dos Cânticos, que o actor e encenador Luís Miguel Cintra leu em Lisboa, na Capela do Rato, a 20 de Março.

A Igreja Católica, apenas um dia no ano, inclui na Liturgia da Palavra um excerto deste belo hino. É, pode dizer-se, uma leitura escondida,  reprimida.  Por isso, vale a pena ouvir: