segunda-feira, 25 de maio de 2015

Parabéns filha!

Hoje é dia do teu nascimento. É dia de festejar o teu trigésimo oitavo aniversário. Hoje é dia de festejar o dia dos teus anos. Do teu nascimento para a vida terrena. Aquela que viveste a correr, a quereres ser a pessoa mais perfeita à face da terra.

Parabéns filha!

quinta-feira, 21 de maio de 2015

Palavras cruzadas com história - Ricardo Reis

"Para ser grande, sê inteiro" é a citação que era pedida com a resolução do Passatempo do mês de Maio. Consta deste poema de Ricardo Reis/Fernando Pessoa:

Para ser grande, sê inteiro: nada
        Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
        No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
        Brilha, porque alta vive.

Ricardo Reis, in "Odes"

E a solução completa do passatempo é:


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Recebi respostas de: Aleme, Anjerod, António Amaro, Arnaldo Sarmento, Bábita Marçal, Baby, Caba, Corsário, El-Nunes, Elvira Silva, Filomena Alves, Horácio, Jani, João Alberto Bentes, João Carlos Rodrigues, João Rodrigues, Joaquim Pombo, José Bernardo, Mafirevi, Magno, Manuel Caleiro, Manuel Carrancha, Mister Miguel, Olidino, Osair Kiesling, Ricardo Campos, Russo, Salete Saraiva e Virgílio Atalaya.

A todos agradeço. Até breve!

terça-feira, 19 de maio de 2015

O relógio de parede na Casa de Camilo


Já aqui falei da excelência do orientador que nos guiou na visita à Casa de Camilo, em São Miguel de Seide. A casa recria o ambiente da casa onde o romancista viveu os seus últimos anos de vida. Podemos questionar se tudo o que lá encontramos é do tempo do escritor. José Saramago, em "Viagem a Portugal" levanta uma ponta desse véu. Mas, uma coisa é certa. Está lá, eu vi, um relógio de parede que o Camilo conhecia bem. Descreve-o na primeira página do romance "Eusébio Macário".   

«Havia na botica um relógio de parede, nacional, datado em 1781, feìto de grandes toros de carvalho e muita ferraria. Os pesos, quando subiam, rangiam o estridor de um picar de amarras das velhas naus. Dava-se-lhe corda como quem tira um balde da cisterna. Por debaixo da triplicada cornija do mostrador havia uma medalha com uma dama cor de laranja, vestida de vermelhão, decotada, com uma romeira e uma pescoceira crassa e grossa de vaca barrosã, penteada à Pompadour, com uma réstia de pedras brancas a enastrar-lhe as tranças. Cada olho era maior que a boca, de um vermelho de ginja. Ela tinha a mão esquerda escorrida no regaço, com os dedos engelhados e aduncos como um pé de perua morta; o braço direito estava no ar, hirto, com um ramalho de flores que parecia uma vassoura de hídrângeas […] ».

domingo, 17 de maio de 2015

Os "Contos" de Vergílio Ferreira


Em Portugal parece haver uma espécie de pudor em praticar a arte do conto. Há dias, ouvi a escritora Lídia Jorge dizer «bem, o conto é assim uma coisa que se faz no intervalo de escrever». Assim como para não perder a mão...

Alguns dos mais estimulantes escritores portugueses do século XX, como José Rodrigues Miguéis, José Cardoso Pites e Vergílio Ferreira, dedicaram uma atenção marginal ao conto. A excepção poderá ser mesmo Miguel Torga, com, sobretudo, "Bichos", "Contos da Montanha" e "Novos Contos da Montanha". 

Para Vergílio Ferreira, o conto é visto como uma obra menor, ou seja, quase como um romance falhado. Escreve ele na nota introdutória do seu livro “Contos”, em 14 de Junho de 1976: “Escrever contos foi-me sempre uma atividade marginal e eles relevam assim um pouco da desocupação e do ludismo. E se um conto (como uma cerâmica ou uma gravura), bem realizado, excede em importância um mal realizado romance (ou um quadro a óleo), será sempre um conto, ao que julgo, de uma dimensão menor que a de um romance.” 

E, todavia, ele não reparou que, por vezes, nessas breves páginas se concentra do melhor da sua escrita. Dos contos que estive agora a reler, destaco o que vem no final do livro, numa publicação da Editora "Arcádia". O conto chama-se "Carta". 

Posso estar completamente enganado, mas este conto foi o ponto de partida, a fonte inspiradora do seu romance "Para sempre", uma das melhores obras literárias da Língua Portuguesa. Basta ler o conto, que é curto, e comparar com as primeiras páginas do romance. Eis o conto:



CARTA

Eis que te procuro agora como nunca, te espero agora como nunca. Se tu visses… A casa fica no meio das oliveiras e de um quintal de verdura. O tempo não passa por ela distraído, e demora-se sempre um pouco. Quando é pela primavera, há flores nas macieiras e pintainhos novos pelo pátio. E quando é o Verão, há as manhãs solenes, e quando é o Outono, o ouro das colheitas. Lembro essas manhãs e o brilho fresco da água pelas noites sufocantes de Julho, e o frémito da terra na hora do recomeço. Meu pai, quando parti, disse-me:

— Volta.

Minha mãe olhava-me em silêncio, dorida, e todavia serena como se detivesse o fio do meu destino, ou soubesse, da sua carne, que tudo estava certo com a vida: o nascer, o partir, o morrer.

— Volta — repetiu ainda meu pai.

Eis que volto, enfim, nesta tarde de Inverno, e o ciclo se fechou. Abro as portas da casa deserta, abro as janelas e a varanda. No quintal as ervas crescem com as sombras, as oliveiras têm a cor escura do céu. Em baixo, no chão húmido ao pé da loja, há restos de ferragem enferrujada: um sacho sem cabo, um aro de pipa, um regador. Meu pai amava a terra. Lembro-me de o ajudar a podar o pequeno corrimão de videiras, de lhe ir encher o regador para o cebolo novo. Minha mãe olhava-nos da varanda e os três sabíamos uns dos outros no silêncio dos corações. Pensei, sofri, lutei. Mas de tudo o que aconteceu é como se nada me tivesse acontecido. Alguém me incumbiu do que fiz, muito antes de eu nascer, quando outros homens, outra gente, acabavam a tarefa que eu havia de começar. Essa tarefa deixo-a aos que vierem depois. De tudo, ficou-me apenas esta voz humilde que ouço, que ouço.

— Se voltares — tu o dizias.

Aqui estou. Acendo lenha no fogão e as chamas crescem como uma memória antiga. Silêncio bom. Como outrora. Como quando nada tínhamos já a dizer, e estávamos cheios, todavia, da presença um do outro. Estendo as minhas mãos ao calor, e olho, e escuto. O lume enche-as de sangue, acende-as por dentro como brasas. Tu dizias:

— Ninguém conhece as suas mãos. Só talvez as dos outros. É bom ter as tuas aqui, com os dedos todos submissos.

Estranhas noites estas de Inverno, sem um rumor. Só os cães ladram das quintas. Discutem pela noite fora até adormecerem. Ouço um já rouco, lá nos confins da noite, agora a falar sozinho, decerto para ter a última palavra. Houve um cão outrora cá em casa. Numa manhã de chuva, achámo-lo à porta da cozinha, todo ensopado, a tiritar. Minha mãe não gostava de cães.

— Sujam tudo, roem tudo.

Enxuguei-o, dei-lhe pão, pus-lhe um nome. Minha mãe resignou-se. Os caçadores levavam-no à caça porque tinha bom faro. Um dia, não sei como, mataram-no com um tiro. Era um cão perdigueiro. Tinha um olhar humano.

A chama apaga-se, a pirâmide de carvões desmorona-se. Os cães adormecem enfim, sob o grande céu de estrelas. Não há lua. Nem vento. Só as estrelas vibram no céu negro de veludo. Se tu viesses. Eu te imagino, desde o fundo do meu cansaço, silenciosa e grave como esta hora final, como um apelo obscuro vindo do abismo do tempo. Um halo de sombra coroa o teu olhar, a tua presença é quente como o fluido da ternura. Tudo em vão, tudo em vão. Ou não bem isso, não bem isso. Alguma coisa me ficara esperando talvez, desde antes e antes, qualquer coisa que eu trazia do lado de lá da vida. Eis que a encontro e me fala e floresce no sangue e procuro reconhecê-la na tua face. Aqui ao pé do fogão há uma cadeira de braços. Minha mãe sentava-se nela, meu pai nesta em que escrevo. Pelas noites de vento, olhavam o lume, deixavam-se adormecer… Tu dizias:

— É bom terem já dito tudo e reconhecerem-se ainda.

Abro de novo a varanda para a noite, o ar gela-me a face como um espelho. Ao fundo do quintal havia uma figueira grande. Minha mãe franjeava xailes e cintas para fora. E eu atava as cintas e balouçava-me na figueira.

— Ah, tu acabas por deitar a figueira abaixo. E já rompeste duas cintas.

Numa noite brava de Inverno, a figueira caiu. E minha mãe dizia sempre, daí em diante, que fora de eu me balouçar…

Tanta coisa aconteceu e eu recordo e eu recupero não talvez na lembrança, não talvez, mas num apelo indistinto e longínquo e angustiante como o silêncio desta noite. Olho ainda o frémito das estrelas sobre a aridez fria da terra. E penso: «Qualquer coisa vai acontecer de misterioso e grande, qualquer coisa miraculosa se anuncia como a vinda de um Deus.»

— Sim, a esperança é talvez a melhor parte da vida.

Tu o dizias. Eis que porém a minha esperança tem agora a cor do cansaço e da resignação. E de tudo o que pensei e quis que brotasse da terra, de tudo o que foi novo e me comoveu, da agitação do meu sangue, do clamor com que fiquei rouco, da fúria, do choro, da alegria, de tudo o que me deu a conhecer os meus dentes, os meus ossos, as minhas pobres vísceras — a forma que se desenha e que me envolve agora tem o volume quente do seio da piedade. Se amanhã quando me erguesse e pensasse que havia ainda um dia árido a vencer, e outra noite, e outro dia, e quantos dias e quantas noites o tempo guarda para mim, eu de manhã te encontrasse preparando o fogão e o aroma da casa, e te sentasses nesta cadeira ao lado, e os dois nos esquecêssemos de falar, até um dia, até um dia, e nos deixássemos enfim adormecer…

domingo, 10 de maio de 2015

A Acácia do Jorge


Na passada 6ª Feira, peregrinei, com os meus amigos dos livros, até São Miguel de Seide, à procura de Camilo na casa onde viveu os últimos anos da sua vida. Regressei, confesso, um pouco dividido.

Com a alma cheia, porque a visita à Casa de Camilo correu bem. Valeu, sobretudo, pela forma como a casa foi mostrada aos viajantes. Apresentação competente, sábia, muito cuidada (ao mínimo pormenor), citação de cor de partes de poemas e de prosa, pincelada de humor que ajudou a manter os visitantes interessados. Estive a rever o que José Saramago descreveu em “Viagem a Portugal” na visita que fez à Casa de Camilo, em 1980. Não gostou e, no final, escreveu «Ceide não comove, entristece». Não sou da mesma opinião. 

Com a alma vazia, porque não pousei os olhos sobre o célebre comentário que Camilo escreveu a lápis n´"A Relíquia" do Eça de Queirós. Era um dos meus propósitos, desde há alguns anos. Camilo fez uma anotação nada simpática. Miguel Torga em "Portugal" chamou ao comentário um anátema. Escreveu Camilo: «Este livro tem duas partes: a primeira, é uma porcaria; a segunda: uma maçada. Uma xaropada hiperbólica, inenarrável…falta de bom senso e bom gosto». Crítica injusta, porque não disse que o livro está muitíssimo bem escrito. Pela minha parte, perdi esta oportunidade. Não sei se algum dia lá voltarei.

Em primeiro plano da fotografia, a célebre acácia do Jorge (o filho louco). O escritor, que sofreu muito com a doença do filho, grita alto a sua dor neste poema:


Durante a febre

À porta do sepulcro, ainda volto a face
Para ver-te chorar, ó mãe do filho amado,
Que vê, como num sonho, a cena do trespasse…
– Solver-lhe o eterno abismo o pai idolatrado.

Talvez que ele, a sonhar, te diga: «Mãe não chore
Que o pai há-de voltar…» Quem sabe se virei?
Quando a Acácia do Jorge ainda outra vez inflore,
Chamai-me, que eu de Abril nas auras voltarei.

Camilo Castelo Branco