segunda-feira, 26 de julho de 2021

Devaneios cruzadísticos │ Ana Luísa Amaral

"A arte de ser tigre" é o nome de uma obra da escritora portuguesa Ana Luísa Amaral (1956), pedido com a resolução do passatempo de palavras - cruzadas, referente ao mês de Julho de 2021.


Recebi respostas de: Aleme; António Amaro; Antoques; Arjacasa; Bábita Marçal; Baby; Caba; Candy; Corsário; Crispim; El-Danny; El-Nunes; Fernando Semana; Filomena Alves; Fumega; Gilda Marques; Homotaganus; Horácio; Jani; João Carlos Rodrigues; Joaquim Pombo; José Bento; José Bernardo; Julieta; Juse; Mafirevi; Magno; Manuel Amaro; Manuel Carrancha; Manuel Ramos; Maria de Lourdes; My Lord; Neveiva; Olidino; O. K.; Par de Pares; Reduto Pindorama (Agagê, Joquimas e Samuca); Ricardo Campos; Rui Gazela; Russo; Salete Saraiva; Seven; Socrispim; Somar; Virgílio Atalaya e Zabeli.
Grato a todos.
Até ao próximo!

quarta-feira, 14 de julho de 2021

Carta à Minha Filha

Carta à Minha Filha

Lembras-te de dizer que a vida era uma fila?
Eras pequena e o cabelo mais claro,
mas os olhos iguais. Na metáfora dada
pela infância, perguntavas do espanto
da morte e do nascer, e de quem se seguia
e porque se seguia, ou da total ausência
de razão nessa cadeia em sonho de novelo.

Hoje, nesta noite tão quente rompendo-se
de junho, o teu cabelo claro mais escuro,
queria contar-te que a vida é também isso:
uma fila no espaço, uma fila no tempo
e que o teu tempo ao meu se seguirá.

Num estilo que gostava, esse de um homem
que um dia lembrou Goya numa carta a seus
filhos, queria dizer-te que a vida é também
isto: uma espingarda às vezes carregada
(como dizia uma mulher sozinha, mas grande
de jardim). Mostrar-te leite-creme, deixar-te
testamentos, falar-te de tigelas - é sempre
olhar-te amor. Mas é também desordenar-te à
vida, entrincheirar-te, e a mim, em fila descontínua
de mentiras, em carinho de verso.

E o que queria dizer-te é dos nexos da vida,
de quem a habita para além do ar.
E que o respeito inteiro e infinito
não precisa de vir depois do amor.
Nem antes. Que as filas só são úteis
como formas de olhar, maneiras de ordenar
o nosso espanto, mas que é possível pontos
paralelos, espelhos e não janelas.

E que tudo está bem e é bom: fila ou
novelo, duas cabeças tais num corpo só,
ou um dragão sem fogo, ou unicórnio
ameaçando chamas muito vivas.
Como o cabelo claro que tinhas nessa altura
se transformou castanho, ainda claro,
e a metáfora feita pela infância
se revelou tão boa no poema. Se revela
tão útil para falar da vida, essa que,
sem tigelas, intactas ou partidas, continua
a ser boa, mesmo que em dissonância de novelo.

Não sei que te dirão num futuro mais perto,
se quem assim habita os espaços das vidas
tem olhos de gigante ou chifres monstruosos.
Porque te amo, queria-te um antídoto
igual a elixir, que te fizesse grande
de repente, voando, como fada, sobre a fila.
Mas por te amar, não posso fazer isso,
e nesta noite quente a rasgar junho,
quero dizer-te da fila e do novelo
e das formas de amar todas diversas,
mas feitas de pequenos sons de espanto,
se o justo e o humano aí se abraçam.

A vida, minha filha, pode ser
de metáfora outra: uma língua de fogo;
uma camisa branca da cor do pesadelo.
Mas também esse bolbo que me deste,
e que agora floriu, passado um ano.
Porque houve terra, alguma água leve,
e uma varanda a libertar-lhe os passos.

Ana Luísa Amaral, in Imagias (Um pouco só de Goya: Carta a minha Filha)

Um poema ao contrário

Testamento

Vou partir de avião
E o medo das alturas misturado comigo
Faz-me tomar calmantes
E ter sonhos confusos

Se eu morrer
Quero que a minha filha não se esqueça de mim
Que alguém lhe cante mesmo com voz desafinada
E que lhe ofereçam fantasia
Mais que um horário certo
Ou uma cama bem feita

Dêem-lhe amor e ver
Dentro das coisas
Sonhar com sóis azuis e céus brilhantes
Em vez de lhe ensinarem contas de somar
E a descascar batatas

Preparem minha filha para a vida
Se eu morrer de avião
E ficar despegada do meu corpo
E for átomo livre lá no céu

Que se lembre de mim
A minha filha
E mais tarde que diga à sua filha
Que eu voei lá no céu
E fui contentamento deslumbrado
Ao ver na sua casa as contas de somar erradas
E as batatas no saco esquecidas
E íntegras.

Ana Luísa Amaral

Como fazer feliz meu filho?

Como fazer feliz meu filho?
Não há receitas para tal.
Todo o saber, todo o meu brilho
de vaidoso intelectual

vacila ante a interrogação
gravada em mim, impressa no ar.
Bola, bombons, patinação
talvez bastem para encantar?

Imprevistas, fartas mesadas,
louvores, prêmios, complacências,
milhões de coisas desejadas,
concedidas sem reticências?

Liberdade alheia a limites,
perdão de erros, sem julgamento,
e dizer-lhe que estamos quites,
conforme a lei do esquecimento?

Submeter-se à sua vontade
sem ponderar, sem discutir?
Dar-lhe tudo aquilo que há
de entontecer um grão-vizir?

E se depois de tanto mimo
que o atraia, ele se sente
pobre, sem paz e sem arrimo,
alma vazia, amargamente?

Não é feliz. Mas que fazer
para consolo desta criança?
Como em seu íntimo acender
uma fagulha de confiança?

Eis que acode meu coração
e oferece, como uma flor,
a doçura desta lição:
dar a meu filho meu amor.

Pois o amor resgata a pobreza,
vence o tédio, ilumina o dia
e instaura em nossa natureza
a imperecível alegria.

Diante de uma criança.

Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, 12 de julho de 2021

Para a minha mãezinha

(Um postal dos Salgados)

Mãe, sei que estás bem no céu, cheia de doçura, de contas no regaço, olhando por nós;

Mãe, hoje que te estou escrevendo este postal, lembro todas as cartas que me escreveste ao longo da vida, sempre com bons conselhos, que eu, pecador, nem sempre segui;

Mãe, às vezes apetece-me chorar mas não consigo (acho que a maior desgraça do homem é querer chorar e não ser capaz);

Mãe, falávamos pouco, mas sabíamos exactamente o que um queria dizer ao outro;

Mãe, não me esqueci de nada do que me ensinou, guardo bem a tua voz no meu coração;

Mãe, hoje eu queria dizer-te tanta coisa e não sou capaz;

Mãe, queria apenas dizer-te que estou aqui;

Mãezinha, gosto muito de si. Quando eu morrer, prepare, como só a mãezinha sabe, o prato de arroz-doce com canela. Beijinho.

Salgados, 12 de Julho de 2021

segunda-feira, 5 de julho de 2021

As pequenas gavetas do sol

Se for preciso, irei buscar um sol
para falar de nós:
ao ponto mais longínquo
do verso mais remoto que te fiz
Devagar,

Meu amor, se for preciso,
cobrirei este chão
de estrelas mais brilhantes
que a mais constelação,
para que as mãos depois sejam tão
brandas
como as desta tarde

Na memória mais funda guardarei
em pequenas gavetas
palavras e olhares, se for preciso:
tão minúsculos centros
de cheiros e sabores

Só não trarei o resto
da ternura em resto desta tarde,
que nem nos foi preciso:
no fundo do amor, tenho-a comigo:
quando a quiseres.

Ana Luísa Amaral

quinta-feira, 1 de julho de 2021

Devaneios cruzadísticos │ Ana Luísa Amaral

Este mês, o AlegriaBreve presta uma singela homenagem à poeta (como ela prefere) portuguesa Ana Luísa Amaral, considerada uma das mais relevantes poetisas da actualidade.

E a razão próxima prende-se ao facto de ter sido recentemente (em Maio passado) galardoada com o Prémio Rainha Sofia de Poesia Ibero-Americana. O prémio, no valor pecuniário de 42.100 euros, é atribuído pelo Património Nacional Espanhol e pela Universidade de Salamanca.

O prémio Rainha Sofia distingue a obra poética de um autor vivo, cujo contributo para o património cultural do espaço ibero-americano seja significativo. Ana Luísa Amaral, que já tinha sido finalista desta distinção por duas vezes, tornou-se agora a terceira autora portuguesa a receber o prémio, depois de Sophia de Mello Breyner (2003) e Nuno Júdice (2013), e a quarta escritora lusófona a ser distinguida, numa lista que inclui também o brasileiro João Cabral de Melo Neto (1994).

Nascida em Lisboa, em Abril de 1956, a escritora e professora universitária vive em Leça da Palmeira desde os nove anos e tem recebido múltiplas distinções ao longo da carreira, com relevo para  o Prémio Vergílio Ferreira, atribuído pela Universidade de Évora.

​Doutorada em Literatura Norte-americana pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, onde foi professora, tem dezenas de títulos de poesia publicados desde "Minha Senhora de Quê" (1990). É também autora de obras de teatro e ficção e de livros para a infância.

A sua obra encontra-se traduzida e publicada em várias línguas e países, tendo obtido diversos prémios, como o Prémio Literário Correntes d'Escritas, o Premio Letterario Poesia Giuseppe Acerbi e o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores. 

Deste modo, convido os meus amigos a resolver este problema e, no final, encontrar o título (5 palavras nas horizontais) de uma obra da poetisa portuguesa Ana Luísa Amaral (1956).


HORIZONTAIS: 1 – Búfalo [Angola]; Consigo; Julgas. 2 – Decifrador de enigmas; Troça. 3 – Jogada [Angola]; Dom. 4 – Dádiva com mira interesseira. 5 - Preposição que designa valor; Muda; Como. 6 – Valer; Frívola. 7 – Sufixo nominal, de origem latina, que exprime a ideia de origem; Inhala [Moçambique]; Aquelas. 8 – Intrigas. 9 – Siga cegamente a opinião de outrem; Causas. 10 – Homem cruel, sanguinário [figurado]; Velho. 11 – Desejo; Acordo; Relento [regionalismo].

VERTICAIS: 1 – Muito; Batem; Estreita. 2 – Estrume; Coisa difícil de entender [figurado]. 3 – Grita; Já. 4 – Competir. 5 – Simples; Baixo; Pertences. 6 – Sujeito; Pessoa estranha [figurado]. 7 – Convinha; Naquele lugar [coloquial, jocoso]; Uno. 8 – Sapatos de couro grosseiro, tradicionalmente usados por trabalhadores rurais [Brasil, regionalismo]. 9 – Mulher de beleza extraordinária [figurado]; Sorte. 10 – Oportunas; Jeitoso. 11 – Toque; Vede; Felicidade [figurado].

Clique Aqui para abrir e imprimir o PDF.


Aceito respostas até dia 25 de Julho, por mensagem particular no Facebook ou para o meu endereço electrónico, boavida.joaquim@gmail.com. Em data posterior, apresentarei a solução, assim como os nomes dos participantes. 

Vemo-nos por aqui?