sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Jogo da Cabra Cega, de José Régio

José Régio escreveu o romance Jogo da Cabra Cega, em 1934, ainda no início da sua carreira literária. Ele próprio disse, mais tarde, em 1967, em carta dirigida a uma amiga: «É um livro de abandono e excesso, em que o escritor estava ainda muito adolescente. Não pense que o desestimo, gosto muito de o ter escrito com aquela coragem quase inconsciente...». Por isso, a crítica literária refere que estamos perante um Romance de Formação. Refere, ainda essa crítica literária, que se trata de um Romance Psicológico, por apresentar as seguintes características: (i) a acção não avança por efeitos externos; (ii) recorre abundantemente à memória; (iii) é patente a influência de Freud (embora Régio diga que, à data, ainda não conhecia Freud - estamos perante uma pré-experiência?). O resultado é, como o próprio Régio reconhece, «um romance com uma intensidade quase frenética e quase desarrumada». É ainda Régio que aceita como boa a influência que Dostoievski exerceu sobre a sua escrita, «À parte o ele ser um génio de primeira grandeza, com ele reconhecia profundas afinidades: sobretudo no seu turvo e fascinante misticismo, e no seu sublime debate entre o Bem e o Mal na alma do homem». Aliás, Régio reflectiu sempre, como sabemos, ao longo da sua obra, problemas relativos ao conflito entre o Bem e o Mal, o individuo e a sociedade, Deus e o Diabo.  «Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém./ Todos tiveram pai, todos tiveram mãe; / Mas eu, que nunca principio nem acabo,/ Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo». Escreveu Régio escreveu, de forma sublime, em Cântico Negro.
David Mourão Ferreira diz que «Régio recorre a Deus quando “incompreendido e escorraçado”. Recorre, portanto, por orgulho – e, sendo como é o orgulho uma característica eminentemente diabólica, Régio dialoga com Deus através de Lúcifer. Esta será, talvez, uma das maiores originalidades da sua poesia, a mais frequente e a mais fecunda.»
Sem dúvida, um livro importante que marca o início da 2ª fase do Modernismo (dando continuidade ao género literário iniciado com Pessoa e Mário de Sá-Carneiro), ousando, aliás, contrariar os tempos emergentes do neo-realismo.
Jogo da Cabra Cega é um livro autobiográfico?. Tratando-se de uma ficção, será que, mesmo assim, é um livro autobiográfico? Há quem defenda que sim, dizendo que a ficção nunca mente: revela o escritor na sua totalidade.
Em o Jogo da Cabra Cega encontramos um Eu que procura identificar-se com outro Eu. Aqui encontramos semelhanças óbvias com a Confissão de Lúcio, de Mário de Sá-Carneiro, de quem Régio era admirador confesso. Lá, como Ricardo e Lúcio eram o espelho um do outro, aqui, o autor conduz-nos, igualmente, para essa relação de amor/ódio (confusão/fragmentação) entre as duas personagens principais da narrativa: Pedro Serra e Jaime Franco.
Estamos assim perante uma perfeita fragmentação do sujeito, um sujeito, no fundo, estilhaçado. Esta ideia está bem expressa no poema A Jaula e as Feras, «-Meu corpo, ó meu hospício de alienados! / Abre-te aos meus desejos enjaulados, / Deixa-os despedaçar a minha vida!».
O jogo da cabra cega é, como se sabe, um jogo em que a gente procura agarrar alguém, e reconhecê-lo, com os braços estendidos e os olhos vendados. Pedro Serra, alter-ego de Régio, percorre, às palpadelas, o labirinto da sua mente imaginária, qual hospício de alienados!.

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