sábado, 29 de outubro de 2011

Vou passar a noite a Sintra...

Vou passar a noite a Sintra por não poder passá-la em Lisboa,
Mas, quando chegar a Sintra, terei pena de não ter ficado em Lisboa.
Sempre esta inquietação sem propósito, sem nexo, sem conseqüência,
Sempre, sempre, sempre,
Esta angústia excessiva do espírito por coisa nenhuma,
Na estrada de Sintra, ou na estrada do sonho, ou na estrada da vida...

Álvaro de Campos, in Ao Volante do Chevrolet (excerto)

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Gaibéus


  






«Do Alto Alentejo e da Beira Baixa, eles descem às lezírias pelas mondas e ceifas. Gaibéus lhes chamam».




O romance Gaibéus, de Alves Redol, foi publicado pela primeira vez em 1939, inaugurando, em Portugal, o movimento neo-realista em Portugal.

O Neo-Realismo foi uma corrente artística de meados do Século XX, com um carácter ideológico marcadamente de esquerda/marxista, assumindo, quer na prosa, quer na poesia, uma dimensão de intervenção social, agudizada pelo pós-guerra e pela sedução dos sistemas socialistas que o clima português de ditadura mitificava.

Como o próprio Alves Redol viria a reconhecer em 1965, Gaibéus «não pretende ficar na literatura como obra de arte. Quer ser, antes de tudo, um documentário humano fixado no Ribatejo». Por mim, não acrescentaria mais nada.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

O capitão Falcão

Entrei em Mafra no dia 7 de Outubro de 1971 para fazer a recruta.  Logo nos primeiros dias, o capitão Falcão, Comandante da Companhia,  perguntou quem queria ir a Fátima nos dias 12 e 13 de Outubro.

Para ficar liberto por dois dias do sepulcro do quartel e para fugir ao calvário das marchas penosas, não hesitei um segundo. Em Fátima, montámos as tendas e foi-nos distribuído um talher completo para o rancho. No dia 14, já no quartel, veio a ordem para os talheres serem entregues até ao meio-dia. Eu, com mais alguns do meu pelotão, apertados pelo rigor do horário militar, não fiz a entrega dos ditos talheres.

Na formatura das 14 horas, depois do almoço, os recrutas em falta foram chamados ao gabinete do Comandante de Companhia. O capitão Falcão vociferou: «Desapareceu, no almoço de hoje, um número de talheres igual àquele que vocês deveriam ter entregado até ao meio-dia e não entregaram». Logo, conclusão de militar, «foram vocês que retiraram os talheres do refeitório para poderem agora fazer a entrega que não fizeram. Bem, para não vos estragar a vida já, vocês pagam o valor dos talheres e o assunto fica resolvido». Os recrutas, trementes de terror,  ripostaram com  a versão correcta dos factos.  O capitão Falcão, vermelho de raiva, fulminou-nos: «Bem, não querem pagar, o assunto vai seguir a sua tramitação e vocês não se livram de uma valente “porrada"». O Piçarra, que era do grupo o mais experimentado, ousou: «Meu capitão, pode dar-me uma “porrada”, mas eu não pago, porque não roubei nada». Os restantes recrutas solidarizaram-se e o Capitão Falcão mandou-nos sair, aos gritos.

Enfim, para início de tropa, uma novela com todos os contornos duma narrativa Kafkaniana.

No final, os talheres, que estavam guardados na caserna, foram entregues. Não houve, nem podia haver, castigo algum. Folha limpa, portanto.

O capitão Falcão teve uma entrada de falcão…e uma saída de sendeiro. Isto aconteceu há, precisamente, 40 anos.

Quando eu nasci...

Neste dia, um agradecimento muito especial a minha mãe, através dos versos do poeta Sebastião da Gama:

Quando eu nasci,
ficou tudo como estava.

Nem homens cortaram veias,
nem o Sol escureceu,
nem houve Estrelas a mais …
Somente,
Esquecida das dores,
A minha Mãe sorriu e agradeceu.

Quando eu nasci,
não houve nada de novo
senão eu.

As nuvens não se espantaram,
não enlouqueceu ninguém …

Pra que o dia fosse enorme,
bastava
toda a ternura que olhava
nos olhos de minha Mãe.


Sebastião da Gama, in Serra-Mãe

domingo, 9 de outubro de 2011

Por vezes, sinto até saudades minhas...


Que saudades eu sinto desta flor,
Que vai murchar!
E desta gota de água e de esplendor,
Um pequenino mundo que é só mar.
E desta imagem que por mim passou
Misteriosamente.
E desta folha pálida e tremente
Que tombou...
Da voz do vento que me deixa mudo,
E deste meu espanto de criança.
Que saudades de tudo eu sinto, porque tudo
É feito de lembrança...

Teixeira de Pascoaes, in Versos Pobres (1949)

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Quando eu fui para a tropa

Passam hoje 40 anos que eu entrei na Escola Prática de Infantaria, em Mafra. Iniciei, então, o cumprimento do Serviço Militar Obrigatório, que me levaria, após a recruta ali realizada, até Lamego, Évora, Abrantes, Santa Margarida e, por fim, Angola.

Naquele já longínquo dia 7 de Outubro de 1971,  à chegada deram-me as Boas-Vindas, entregando-me um pequeno papel com o número mecanográfico, onde se podia ler: Seja bem-vindo!

Oh, suprema ironia!