sábado, 28 de janeiro de 2012

Aniversário

28-Janeiro de 1980 (segunda). Aqui estou, pois, no guetto, até se cumprir um mês sobre o acidente. E para não haver grandes intervalos de escrita, aqui estou a escrever. Dá-se o caso, aliás, de cumprir hoje 64 anos. Sem comentários. Perdi no dia 4 uma boa oportunidade de não ter de fazer mais contas. Como é nova e viva esta sensação de que tudo está feito, de que é perfeitamente aceitável que a vida, os outros, nos excluam. Mas fiz 64. E curioso. E já agora talvez que venha a reflectir um pouco no que fui nesses 64. E a ideia mais forte que se me impõe (qual a que se impõe aos outros?) é a de que fui uma espécie de «falso», como se diz dos «falsos» da pintura. De um lado está o nosso ser que é normalmente, bons deuses, péssimo; e do outro o parecer, que já não é mau de todo. Entre os dois nos corre mais ou menos a vida. Ela é assim quase sempre velhacóide. Quanto a mim, deu-me pouco; e o pouco que me deu foi extremamente regateado. Oh, que a comédia acabe depressa, quero lá saber. Mas sem muita maçada, se não é muita maçada. São os votos que me faço no dia do aniversário.(…)

Vergílio Ferreira, Conta-Corrente 3

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