terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Meu país desgraçado

Assinalam-se, hoje, os 60 anos do desaparecimento do poeta da Arrábida, com 27 anos de idade, vítima de uma tuberculose que se declarara desde criança. Sebastião da Gama foi um exemplo de superação da oposição entre necessidade de empenhamento / liberdade de criação em que se debatia a poesia, marcada ainda pela polémica entre presencistas e neo-realistas.

Assim, à primeira vista, o título do poema ("Meu País Desgraçado"), que escolhemos, até se pode estranhar. Não, o poeta não aderiu às hostes do neo-realismo, apenas nos exorta a não cruzar os braços.


Meu País Desgraçado

Meu país desgraçado!...
E no entanto há Sol a cada canto
e não há Mar tão lindo noutro lado.
Nem há Céu mais alegre do que o nosso,
nem pássaros, nem águas ...

Meu país desgraçado!...
Por que fatal engano?
Que malévolos crimes
teus direitos de berço violaram?

Meu Povo
de cabeça pendida, mãos caídas,
de olhos sem fé
— busca, dentro de ti, fora de ti, aonde
a causa da miséria se te esconde.

E em nome dos direitos
que te deram a terra, o Sol, o Mar,
fere-a sem dó
com o lume do teu antigo olhar.

Alevanta-te, Povo!
Ah!, visses tu, nos olhos das mulheres,
a calada censura
que te reclama filhos mais robustos!

Povo anémico e triste,
meu Pedro Sem sem forças, sem haveres!
— olha a censura muda das mulheres!
Vai-te de novo ao Mar!
Reganha tuas barcas, tuas forças
e o direito de amar e fecundar
as que só por Amor te não desprezam!


Sebastião da Gama
Cabo da Boa Esperança
Lisboa, Edições Ática, 2000

2 comentários:

  1. Este poema está mais actual do que nunca, infelizmente. O título é, só por si, o retrato do País.

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  2. Zé Luís, obrigado pelo teu comentário. Aliás, este tom de tristeza, a propósito da situação do nosso país, é muito característico dos nossos escritores. António Nobre termina, assim, um dos seus sonetos: «Amigos/Que desgraça nascer em Portugal». Por mim, estou muito revoltado contra aqueles que trouxeram o meu país a este ponto.

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