sexta-feira, 4 de maio de 2012

Na mão de Deus, na sua mão direita


A mulher de Miguel Esteves Cardoso foi operada no passado dia 2 a um tumor que se alojou no cérebro. Nesse dia,  na crónica que habitualmente escreve para o jornal “Público”, MEC colocava a sua Maria João nas mãos dos médicos e cirurgiões. Ontem, MEC confiou-a Deus, escrevendo-lhe uma carta: “Ajuda a Maria João, se puderes. Faz o que só um Deus pode fazer”. É uma carta ARREPIANTE.

Carta a Deus

Deus, Bem avisaste que eras um Deus invejoso e vingativo. Também sei que Job era um caso-limite: uma ameaça do que eras capaz. Nem eu nem a Maria João temos um milésimo da obediência e da resignação de Job. E castigaste-nos menos. Mas foi de mais.

De certeza absoluta que nos amamos mais um ao outro do que te amamos a Ti. Sabemos que isto não está certo. Mas foste Tu que nos fizeste assim. Admite: deste-nos liberdade de mais. Foste presunçoso: pensaste que Te escolheríamos sempre primeiro. Enganaste-Te. Quando inventaste o amor, esqueceste-te de que seria mais popular entre os seres humanos do que entre os seres humanos e Tu. Por uma questão de tangibilidade. E, desculpa lá, de feitio. Tu, Deus, tens o pior das arrogâncias feminina e masculina. Achas que só existes Tu. Como Deus, até é capaz de ser verdade. Mas, para quereres ser um Deus real e humanamente amado, tens de aprender a ser um amor secundário. Sabemos que és Tu que mandas e acreditamos que há uma razão para tudo o que fazes, mesmo quando toda a gente se lixa, porque não nos deste cabeça para Te compreender. Esta deficiência foi uma decisão tua: não quiseste dar-nos a inteligência necessária.

Mas deste-nos cabeça suficiente para Te dizer, cara a cara, que nos preocupamos mais com os entes amados do que contigo.

Ajuda a Maria João, se puderes. Se não puderes, não dificultes a vida a quem pode ajudar. Faz o que só um Deus pode fazer: reduz-te à tua significância. Que é tão grande.


Miguel Esteves Cardoso, in jornal Público de 3 de Maio de 2012

2 comentários:

  1. O MIGUEL,DESCARREGA NESTE TEXO TODA A SUA RAIVA
    CONTRA O SUCEDIDO E ESCOLHE COMO BODE EXPIATÓRIO
    ALGUÉM A QUEM SE ATRIBUEM PODERES SUFICIENTES PARA EVITAR TANTO SOFRIMENTO POR QUE
    PASSAMOS NA VIDA. AO MESMO TEMPO ETÁ IMPLICITA A SUA, NOSSA, IMPOTÊNCIA. É ARREPIANTE O GRITO DO MIGUEL E MOSTRA O AMOR QUE TEM A`SUA COMPANHEIRA. TODA A GENTE MERECE SER FELIZ!

    ResponderEliminar
  2. Devo confessar que o título “Na mão de Deus, na sua mão direita” é da minha responsabilidade. Roubei-o ao Antero de Quental. Pode assim não corresponder, portanto, ao pensamento do Miguel Esteves Cardoso. Isso não importa aqui.
    Para mim, o MEC, que não crente, lança um último e definitivo repto a Deus. Desesperado, ainda assim, desafia Deus. “Eu acho que não podes fazer nada. Mas, se puderes, ajuda a Maria João”.

    ResponderEliminar