domingo, 9 de junho de 2013

D. Jorge da Costa, Cardeal de Alpedrinha



Acabo de ler o livro D. Jorge da Costa, Cardeal de Alpedrinha, da Profª Manuela Mendonça, numa edição da Colibri HISTÓRIA. Até aqui, o que eu sabia sobre esta figura da História de Portugal cabia em seis linhas de uma folha A4. E um conhecimento muito recente... 

Não obstante D. Jorge da Costa já ter sido objecto de estudo por vários autores, existem ainda muitas zonas de sombra. Certo, certo, sabemos que ele nasceu em Alpedrinha. E em que ano? Aqui começa a controvérsia. O ano de 1406 é uma data que é aceite pela maioria, fundamentada na lápide que, sobre o seu túmulo, o papa Júlio II mandou colocar: «(…) faleceu aos 102 anos de idade, em 1508». Todavia, a autora deste livro, refuta esta data e aponta o ano de 1416, como o ano mais compatível com os restantes dados biográficos de D. Jorge da Costa (a idade do seu pai, a data da sua ordenação, a diferença de idades com o irmão D. Martinho, etc…). Assim sendo, D. Jorge da Costa morreu quando tinha 92 anos e não 102. Mas subsistem ainda algumas questões que geram controversa: quem foram os pais? Qual respectivo estatuto social? Onde estudou? Quem o protegeu? 

Sobre estas matérias é maioritariamente aceite que os pais de D. Jorge foram Martim Vaz (almocreve) e Catarina Gonçalves (forneira). D. Jorge da Costa nasceu no seio de uma família muito pobre e teve muitos irmãos, alguns tiveram lugares importantes, também, na hierarquia da Igreja. D. Jorge da Costa terá partido ainda muito novo para Lisboa, tendo sido acolhido no hospital de Santo Elói, onde estudou “Latim, Filosofia & Theologia”. Foi importante e decisiva a ajuda do padre João Rodrigues (que ainda seria parente da família), admirado da agudeza de espírito do sobrinho Jorge. “Pegou-lhe na mão, e lá foi com ele a caminho de Lisboa, dando-lhe ingresso no colégio que ele dirigia”. D. Jorge, rapidamente, se evidenciou, porque era, na verdade, muito inteligente.

No ano de 1445, D. Jorge foi escolhido ou indigitado para mestre de D. Catarina, a filha mais nova do rei D. Duarte. Por empenhamento diplomático de D. Jorge da Costa, esta infanta teve dois casamentos acordados (Cortes de Castela e Aragão), mas falharam por morte do noivo. Ao terceiro casamento acordado (Inglaterra), também este não se concretizou, pois é ela que, desta vez, morreu antes. D. Jorge da Costa manteve com a sua discípula uma estreita ligação, que se prolongou até à morte desta, em 1463. Foi D. Jorge da Costa que providenciou a construção do túmulo, onde havia de ficar sepultada a Infanta, na Capela de Nossa Senhora da Glória. A amizade foi tão grande que, segundo certos autores, D. Jorge da Costa, em homenagem à infanta, escolheu para as suas “armas de fé” o distintivo da santa do mesmo nome da sua discípula, ou seja, Santa Catarina de Alexandria.

É, assim, que as armas do cardeal são “em campo azul simplesmente a roda das navalhas do martírio de Santa Catarina” e não aquelas que os seus familiares posteriormente adoptaram que, para além da roda das navalhas, contêem ainda “seis coostas de prata, postas 2, 2 e 2, firmadas nos flancos” O brasão do Cardeal pode ainda hoje observar-se na torre norte da Sé de Lisboa. É pelo brasão existente na capela da Santa Catarina, mais vulgarmente conhecida em Alpedrinha por Capela do Leão, que se pode concluir que a mesma não foi mandada edificar por D Jorge da Costa, ao contrário do que durante muito tempo se supôs. Com efeito, as armas ali representadas não são as suas, mas as que seus irmãos adoptaram.

D. Jorge da Costa teve uma longa vida. Na opinião desta autora, viveu 92 anos, menos 10 que outros autores lhe atribuem. Por isso, conheceu, em vida, 4 reis de Portugal: D. Duarte, D. Afonso V, D. João II e D. Manuel I.

Em relação a D. Duarte, não se conhecem quaisquer contactos. 

Entre D. Jorge da Costa e o rei D. Afonso V houve uma grande cumplicidade. D. Jorge da Costa, com a sua apurada perspicácia, colocou-se, desde logo, ao lado do rei Afonso V na luta deste contra o seu tio, o regente D. Pedro. É certo que foi seu confessor e capelão do rei. Tornou-se um homem imprescindível a D. Afonso V, levando este a escolhê-lo para Arcebispo de Lisboa. D. Jorge pertenceu ao Conselho do Rei e este, ao longo do tempo, concedeu-lhe vários títulos e honrarias. Uma das mais importantes foi a nomeação, em Março de 1479, como governador e protector da Universidade Portuguesa.

Já as relações de D. Jorge da Conta com o rei D. João II foram bastante complicadas. É conhecido o episódio da pedra atirada ao mar pelo ainda D. João, enquanto este passeava junto à marginal, em Santos, acompanhado pelo duque D. Fernando e pelo D. Jorge da Costa. D. João terá atirado a pedra após uma resposta do duque D. Fernando que não agradou ao futuro rei. O D. Jorge, perspicaz, comentou «…eu vos asseguro, duque, que ela não me dará na cabeça…». Pouco tempo depois, em 14 de Junho de 1480, partiu para Roma. Foi a sua sorte. O Duque acabou no cadafalso. Durante o tempo do reinado efectivo de D, João II (1481-1495), D. Jorge havia-se instalado definitivamente em Roma, não foram muitos os contactos ente eles. Contrariamente ao que alguns autores dizem, D. Jorge da Costa não se terá empenhado em destruir D. João II. Do ponto de vista institucional, sempre tentou viabilizar as pretensões do nosso rei junto da cúria papal. Em tudo, menos numa coisa. D. Jorge da Costa opôs-se sempre à pretensão do rei D. João II em concentrar os mestrados na pessoa de D. Jorge, seu filho bastardo, como primeiro passo para a entrega da própria coroa. Recorda-se que isto aconteceu depois da morte do Infante D. Afonso, que era o herdeiro legítimo à coroa. Donde, se poderá afirmar que D. Jorge, bastardo, só não foi rei, porque D. Jorge (Cardeal) o não consentiu. Daqui se infere a importância que este personagem teve em Portugal. Quase se pode dizer que D. Jorge da Costa decidiu dos destinos de Portugal. 

Em 1495, é aclamado rei D. Manuel I, antes duque de Beja, primo de D. João II. À partida, havia todas as condições para haver um bom relacionamento entre o rei e D. Jorge da Costa. De certa forma, este tinha aberto o caminho para a coroação do rei D. Manuel I, tendo-se oposto, com firmeza, à sucessão do filho bastardo de D. João II. Todavia, os anos em que a vida de D. Jorge da Costa coincidiu com o reinado de D. Manuel I caracterizaram-se por um clima de conflitos entre eles. Vários equívocos terão estado na base deste desentendimento. O que parece verdade é que D. Manuel I não tinha já confiança em D. Jorge da Costa, fosse pela sua idade avançada, fosse por qualquer outro motivo. 

Finalmente, salientar que D. Jorge da Costa também ficou na História por ter participado nos Conclaves que elegeram os papas Inocêncio VIII, Alexandre VI, Pio III e Júlio II. Ficou na história a confiança e a amizade que estes papas lhe dedicaram, sobretudo Alexandre VI e Júlio II. 

Resta-me agora, na primeira oportunidade, visitar a Capela de Santa Catarina (prefiro esta designação a Capela do Leão), em Alpedrinha, se ainda for possível, pois parece que a capela se encontra num estado degradante, sendo ainda de lamentar que os quadros, sobretudo um quadro a óleo de D. Jorge da Costa, que fazem parte do património da capela, não estejam a ser devidamente guardados.

Como se vê, não há dúvidas que o D. Jorge da Costa, O Cardeal de Alpedrinha, é, de facto, uma figura da História de Portugal que não deixa ninguém indiferente, pelas luzes e sombras que projecta...

Sem comentários:

Enviar um comentário