sábado, 26 de outubro de 2013

Diálogos poéticos: Sebastião da Gama & José Luís Peixoto

Dois poemas que falam do dia do nosso nascimento: um, do poeta Sebastião da Gama; outro, do narrador e poeta José Luís Peixoto. “Quando eu nasci” é o tema comum. 

Sebastião Gama, nasceu em Vila Nogueira de Azeitão, no dia 10 de Abril de 1924 e morreu em Lisboa, no dia 7 de Fevereiro de 1952, no Hospital de São Luís dos Franceses, vítima de tuberculose. Foi poeta e professor. Sebastião da Gama deixou-nos um lindo poema a que deu o nome “Pequeno Poema”, que foi incluído no seu livro de estreia, "Serra-Mãe", de 1945. A sua obra encontra-se muito ligada à Serra da Arrábida e, também, à sua tragédia pessoal, motivada pela doença que o vitimou precocemente, a tuberculose. O poema reza assim:

PEQUENO POEMA

Quando eu nasci,
ficou tudo como estava.

Nem homens cortaram veias,
nem o Sol escureceu,
nem houve Estrelas a mais …
Somente,
Esquecida das dores,
A minha Mãe sorriu e agradeceu.

Quando eu nasci,
não houve nada de novo
senão eu.

As nuvens não se espantaram,
não enlouqueceu ninguém …

Pra que o dia fosse enorme,
bastava
toda a ternura que olhava
nos olhos de minha Mãe …

Sebastião da Gama, in Serra-Mãe, Lisboa, Edições Ática, 2000



José Luís Peixoto nasceu em Galveias, Ponte de Sor, em 4 de Setembro de 1974. É narrador, poeta e dramaturgo. Embora jovem tem já uma assinalável obra em vários géneros literários. Em 2006, publicou o romance "Cemitério de Pianos", para mim, talvez o melhor.  Em 2001, o seu romance «Nenhum Olhar» recebera o Prémio Literário José Saramago. No mesmo ano, publicara um livro de poesia , “ A Criança em Ruínas”, onde se inclui o poema “Quando nasci”. Reza assim:

quando nasci

quando nasci. esperava que a vida.
me trouxesse. a terra. quando nasci.
esperava que a vida. me trouxesse.
as árvores. e os pássaros. e as crianças.
quando nasci. tinha o mundo. todo.
depois dos olhos. depois dos dedos.
e não percebi. não percebi. nada.
nunca imaginei. quando nasci. que a vida.
quando nasci. já era escuridão. a escuridão.
em que estava. quando nasci.

José Luís Peixoto, in "A Criança em Ruínas", Quasi, 2007, p.37


O poema “Pequeno Poema”, de Sebastião da Gama, para além de ser uma homenagem à vida, ao acto de nascer, é, também, um hino às nossas mães. 

O “quando nasci”, de José Luís Peixoto, é um poema que, do ponto de vista formal, apresenta uma estrutura algo diferente do habitual. Não se entende bem a utilidade dos pontos, ainda se fossem pausas, mas não o são. A mensagem é de alguma frustração. Alguém que esperava por um mundo melhor e que, afinal, o que encontra é escuridão, a escuridão em que estava. 

O poema de Sebastião da Gama é de esperança. O poema de José Luís Peixoto é de desilusão.

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Doze preceitos para aprendizes de escrita


O escritor Mário de Carvalho deixou, há dias, no seu blogue doze preceitos para aprendizes de escrita. É este o texto com o título "DOZE NOTAS SOBRE LITERATURA EM TOM DE PRECEITO".

1) Comece o escritor por ser um leitor curioso, variado e insaciável, capaz de ser «autor dos livros que lê», na expressão esclarecida de Óscar Lopes. 

2) Há coisas que não se escrevem, nem sob tortura. Frases como um «rapaz alto e espadaúdo», «lábios vermelhos como cerejas», ou incipits como «tudo começou quando», são admissíveis em clave de ironia ou de apelo à cumplicidade do leitor. Se não, revelam o autor ingénuo, em demanda de leitor apropriado. 

3) Aprenda-se com os mestres. Ainda com aqueles de quem não se goste, ou com quem não existam afinidades de imaginário, prosa ou família literária. Quer para os rejeitar (ou exorcizar) ou para os incorporar, impõe-se não serem esquecidos. A literatura não se inventa a cada instante. Reinventa-se. 

4) As neves de antanho são despachadas a derreter. Em menos de uma geração estalam e desfazem-se as gloríolas literárias. É sensato ser circunspecto, quer em relação ao sucesso próprio, quer ao dos outros. Têm vocação de fugazes e frágeis. 

5) Nunca se deve lisonjear o leitor. Apostar na moda é condenar-se àquilo que já passou. 

6) Guardar-se de palavras fortes sobre a matéria, tais como «fulgor», «assombro» e «sublime» e adjectivos derivados. A literatura e a arte situam-se nas zonas do indizível a que as palavras não chegam. Por isso elas descaem, quando são forçadas. 

7) A literatura não é sagrada, nem precisa de altares, santinhos, beatos e beatas. Mesmo o texto mais solene e dorido tem um fio lúdico que bule com o entranhado instinto de jogo dos humanos. 

8) Há que valorizar o ofício, a técnica, a velha techné dos antigos, o domínio cuidado e rigoroso sobre os materiais. Essa é a arte em que falavam os Gregos, emparelhada com o engenho, ou inventiva. 

9) As teorizações e doutrinas vêm após o texto e exercem-se sobre ele. Quando se tenta o contrário, nem sempre dá bom resultado. Está para se saber se uma hiperconsciência do texto será ou não inibidora. 

10) A língua com que trabalhamos apresenta variadíssimas panóplias de recursos. Nenhum deles está vedado ao autor que pode, até, escolher as soluções mais rudimentares. Mas que o texto resulte sempre de uma opção livre e não de uma ignorância limitadora. 

11) Considerar que no jardim do Senhor há muitas tendas, como diz a Bíblia algures, ou, se não diz, podia dizer. Com os outros, aprende-se sempre alguma coisa. Pode ser que a criação de espaço e as demarcações impliquem algum alarido. Mas ponderadas em termos históricos, para já não dizer sub species aeternitatis, soam um bocado a chocalho. Pode, aliás, ser um bom exercício formativo, o de encontrar qualidade naquilo de que se não gosta. 

12) Todas as afirmações peremptórias sobre literatura estão erradas. E, como no célebre paradoxo do cretense, se calhar, esta também está errada. Bem como as anteriores. Mas não deixa de ser curioso verificar que o gosto da frase bombástica e assertiva denuncia desde logo o outsider ou o parvenu. 

MdC 

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Quero só isso nem isso quero


Quero só isso nem isso quero

Quero uma mesa e pão sobre essa mesa
na toalha de linho nódoas de vinho
quero só isso nem isso quero

Quero a casa de terra à minha volta
cães altos na noite a minha mãe mais nova
quero só isso nem isso quero

Quero a casa do forno onde eu me escondia dos relâmpagos
e trovões quando um ferro no cesto garantia uma feliz cria à galinha chocadeira
quero só isso nem isso quero

Quero de novo fundir ao lume os soldados de chumbo que no natal me punham no 
[sapatinho
e tirar chouriço e toucinho do guarda-comidas
quero só isso nem isso quero

Quero fazer pequeninos adobes e construir casas pelo quintal
ver chegar o verão e comermos todos lá fora na varanda de tijolo
quero só isso nem isso quero

Quero uma aldeia umas pedras um rio
umas quantas mulheres de joelhos brancos esfregando a roupa nas pedras
quero só isso nem isso quero

Quero escrever fatais cartas de amor à rapariga dos meus oito anos
rasgar essas cartas deixá-las pra sempre dentro do tronco oco da oliveira
quero só isso nem isso quero

Quero umas cabras um pastor rico um pastor pobre
o leite quente na teta o cabrito morto soprado e esfolado
quero só isso nem isso quero

Quero a courela as perdizes no ovo a baba do cuco
laranjas de orvalho no ano novo colhidas na árvore
quero só isso nem isso quero

Quero dois montes e um paul de malmequeres a cheia na primavera
a asma o ruído dos ralos as pernas sombrias das raparigas
quero só isso nem isso quero

Quero os espargos os pinheiros bravos o primeiro pôr-do-sol
as noites de baile no carnaval as bandeiras da safra
quero só isso nem isso quero

Quero que voltem os que morreram os que emigraram
matar com eles o bicho com aguardente pela manhã antes da pega
quero só isso nem isso quero

Quero ver ao vento o véu das noivas apanhar os confeitos nos casamentos
saber pelos papéis dos registos o tempo da prenhez palavra misteriosa
quero só isso nem isso quero

Quero um páteo meu e da sombra e galinhas pedreses e árvores
uma mina de avencas uma horta uma sebe de cana umas casas caídas
quero só isso nem isso quero

Quero uma enxada uma gadanha calos nas mãos cuspo nos calos
a cava mais funda da vinha o capataz a fazer o vinho correr
quero só isso nem isso quero

Quero ajudar na rega do fim da tarde calcar os buracos das toupeiras
e dirigir com o sacho a água morna nos pés até aos regos do feijão
quero só isso nem isso quero

Quero em dezembro o varejo final da azeitona o búzio a tocar
a azeitona a cair dos ramos nos panos de serapilheira
quero só isso nem isso quero

Quero o meu pai de chapéu de chuva aberto nos dias de sol
o meu pai de manhãzinha a lavar-se e a explicar-nos latim e história
quero só isso nem isso quero

Quero nu em pelota entre todos tomar os banhos no marachão
os ninhos dos pássaros as andorinhas de asas escuras no céu azul
quero só isso nem isso quero

Quero o pátio da escola a roda das raparigas a cantar à volta do plátano
o primeiro sonho de amor as primeiras palavras gaguejadas trocadas
[com uma rapariga
quero só isso nem isso quero

Quero as feridas nos pés para poder sair à rua descalço
o pão com conduto entre os meninos pobres no recreio
quero só isso nem isso quero

Quero ir ao vale barco a malaquejo à marmeleira
roubar melões jogar ao murro ver nas festas o fogo preso
quero só isso nem isso quero

Que quero tanto que quero um mundo ou nem tanto só agora reparo
quero morder para sempre a almofada quente e densa da terra
quero só isso nem isso quero

Ruy Belo

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Palavras-Cruzadas com História

Na opinião dos biógrafos, a poetisa Florbela Espanca é uma das figuras mais complexas e igualmente fascinantes das letras portuguesas. Nasceu em Vila Viçosa, no dia 8 de Dezembro de 1894. Filha de uma criada de servir e de pai incógnito. Este, de nome João Maria Espanca, apenas assumiu a paternidade da criança quase dezanove anos depois. Florbela Espanca veio a morrer no dia 7 de Dezembro de 1930, em Matosinhos, tendo sido sepultada no dia preciso que completaria 36 anos de idade.

A sua obra, sobretudo a poética, merece ser conhecida. Para já, deixo aqui uma sugestão de leitura, escondida em mais um passatempo de Palavras-Cruzadas.

Assim, depois de resolvido o problema, encontre o nome (3 palavras) de um livro de poemas da poetisa Florbela Espanca e, ainda, o nome (2 palavras) de um poema incluído nesse livro. Boas Leituras!


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HORIZONTAIS: 1– Filtrada; Asinino. 2– Casarão sem conforto e arruinado. 3– Amerício [símbolo químico]; Moer. 4– Gracejava; Grande quantidade [figurado]; A favor de. 5– Mulher em relação aos pais do respectivo cônjuge ou companheiro; Cobalto [símbolo químico]. 6– Queimadura feita com líquido ou substância muito quente. 7– Outra coisa [antigo]; Proveitoso 8– Empunhei; Andou; Acrescentei. 9– Relativo aos Alanos, Ósmio [símbolo químico]. 10– Moldas. 11– Equipar; Em cima.

VERTICAIS: 1– Terreno inculto e árido onde há apenas vegetação rasteira; Aqui. 2– Miados; Único. 3– Actínio [símbolo químico]; Arqueai; Preposição que designa lugar. 4– Oferecer; Porcelana antiga de cor amarela e de origem chinesa; Aia. 5– Guarnecem de asas; Superfície exterior do couro. 6– Lugar onde crescem loendros. 7– Lavrar com arado ou charrua; Ainda [popular]. 8– Acontecer; Classificação Decimal Unitária [sigla]; Observatório das Actividades Culturais [sigla]. 9– Sem roupa; Vate; Nota musical. 10– Atmosfera; Convivo. 11– Adivinhei; Mulher de harém.

Clicar Aqui para ver e imprimir.

Recebo soluções até ao dia 6 de Novembro, que devem ser enviadas para boavida.joaquim@gmail.com. A partir do dia seguinte apresentarei a solução, assim como o nome dos decifradores.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Diálogos poéticos: Camões & Pessoa

Camões teve uma vida desgraçada. É ele que o diz num soneto de fim de vida. “O dia em que eu nasci moura ou pereça/… /que este dia deitou ao mundo/a vida mais desgraçada que se viu”. Adivinhando o fim do Império, Camões, desalentado, olha para Portugal com muita apreensão (“apagada e vil tristeza”). É o que nos diz no Canto X, estrofe 145:

No mais, Musa, no mais, que a Lira tenho
Destemperada e a voz enrouquecida,
E não do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda e endurecida.
O favor com que mais se acende o engenho
Não no dá a pátria, não, que está metida
No gosto da cobiça e na rudeza
Huã austera, apagada e vil tristeza.


De certo modo, à sua maneira, também Fernando Pessoa olha para Portugal com apreensão. Pessoa já não tem Império para ter esperança. Portugal é um país fragmentado na incerteza, vivendo à sombra de um passado glorioso que morreu. Por isso, fala em “fulgor baço da terra”, no último poema da Mensagem, “NEVOEIRO” 

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer —
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.

Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
o Portugal, hoje és nevoeiro...

É a Hora! Valete, Fratres.



Camões, embora o seu pessimismo, ainda assim exorta D. Sebastião para as guerras possíveis.

Pessoa, ainda que desalentado, "espera" por D. Sebastião para reinar no mundo inteiro. O nevoeiro que envolve Portugal traz em si a semente da mudança. É o tempo do Quinto Império que dará à língua e a cultura portuguesas a dimensão eterna e universal. 

Curiosamente, ambos querem a mudança para melhor, acreditam num futuro melhor. Ambos querem a mudança. Camões, pela guerra; Pessoa, pela Língua e pela Cultura.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Injustamente velho!!!

A propósito do dia de hoje, lembrei-me de um episódio que se conta acerca do humor do poeta José Gomes Ferreira. 

Um dia, o poeta encontrava-se num evento em que estava também presente o Senhor Presidente da República, o General Ramalho Eanes.

O Presidente, ao cumprimentar o poeta, perguntou-lhe:

- Então, Mestre, como tem passado?

O poeta não respondeu logo. Passou a mão pela longa cabeleira alva e disse com ar solene e pausado:

- Presidente, injustamente velho!!!

domingo, 13 de outubro de 2013

Palavras Cruzadas com História

"Malhadinhas” é a solução do Passatempo que coloquei aqui há dias. “Malhadinhas” é o personagem que dá nome ao título do romance “O Malhadinhas”, de Aquilino Ribeiro. O livro conta-nos a história de um almocreve, o Malhadinhas, um serrano rústico e matreiro, que não tem quaisquer problemas em usar a faca que traz à cintura para corrigir o que entende por injusto.

A resolução destas Palavras Cruzadas é a seguinte:






  

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 HORIZONTAIS: 1– Juízo [figurado]; Piada [figurado]. 2– Espécie de sereia dos rios e dos lagos, na mitologia do Brasil; Miadelas. 3– Categoria; Gozas. 4– Interjeição que exprime admiração; Elegante. 5– Acontecer; Sulcas; Atmosfera. 6– Outra coisa [antigo]; Ordem dos Advogados [sigla]. 7– Indivisível; Preferi; Embaraço. 8– Enlevar; Nomenclatura Combinada [sigla]. 9– Deter; Hectopascal [símbolo]. 10– Indignar; Fundi. 11– Encher; Um gosto entre muitos dissabores [figurado]. 

VERTICAIS: 1– Divisa; Lutar pela vida [regionalismo]. 2– Língua falada pelos povos do grupo étnico Ajauas, nomeadamente no Alto Niassa, em Moçambique; Espancara. 3– Circundara; Algumas. 4– Ali; Lavra. 5– Grande quantidade [figurado]. 6– Ocultaras. 7– Acredita. 8– Mergulhado; Entre nós. 9– Natural ou habitante da Síria; Largos. 10– Coerente; Progenitor. 11– Queimara; Antes.