segunda-feira, 7 de abril de 2014

Diálogos poéticos: Eugénio de Andrade & Rui Knopfli

Dois poemas dialogam sobre o tema da despedida. O poema “Adeus”, de Eugénio de Andrade, em “Amantes sem Dinheiro” (1950) e o poema “Despedida” de Rui Knopfli, em “O País dos Outros” (1959).

Há neles um subtil entrosamento de registos poéticos, que condensa uma melancolia de um adeus no apodrecer do tempo. Há neles uma renúncia ao amor. Num caso, de forma violenta; noutro, sem ressentimentos. 


O “Adeus” de Eugénio de Andrade é de uma extrema violência. Adeus no início e no fim do poema. Desgosto por ter acabado o encantamento. Antes a palavra transformava o mundo. Agora, já não. Dentro do outro já não há nada que suplique a sua presença. Não vale a pena, o passado não é a salvação. Por melhor que tenha sido, ele não salva o presente. E as palavras já não bastam. Só o silêncio não se extinguiu. Tudo fracassou? Tudo, menos o silêncio. Alguma réstia de esperança? Talvez, o silêncio pode ser um bom refúgio para o amor…

Adeus

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

Eugénio de Andrade, in "Os Amantes sem Dinheiro"

No poema “Despedida”, Rui Knopfli fala-nos de uma resignada ruptura amorosa, traça um quadro de desolação.  Os últimos quatro versos, que constituem o fecho do poema, são significativos: o «apodrecer do parque», assim como o «crepitar leve das folhas», dizem-nos que o fogo da paixão se extinguiu. E, no entanto, os amantes dizem adeus,  sem ressentimentos....

Despedida

Tudo entre nós foi dito.
Estamos cansados e tristes
neste outono de folhas pairando
e caindo.
Entre nós as palavras colocam um mundo de
silêncio e vazio estéril.
Os próprios sonhos se encheram de neblinas
e o tempo os amarelece.
Outono decisivo de folhas secas
e bancos abandonados de cimento frio
onde não cantam aves
e o vento desce em brandos rodopios.
Apenas uma vaga angústia presente,
uma saudade sem recomeços,
a lembrança tépida a gelar como
veios de mármore.
Tudo entre nós foi dito,
olhamos o apodrecer do parque,
o vento, o crepitar leve das folhas
e, sem ressentimentos, dizemos adeus.

Rui Knopfli, in "O País dos Outros"

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