quarta-feira, 21 de maio de 2014

Casa-Museu José Régio, em Vila do Conde


O último fim de semana foi passado na cidade do Porto, que aproveitei para, satisfazendo desejo antigo, dar um salto a Vila do Conde, para visitar a Casa-Museu José Régio. 

A Casa-Museu está instalada na casa onde ele nasceu, mais tarde aumentada. A estrutura da casa foi evoluindo graças à intervenção do poeta, nos últimos anos de vida, adaptando o imóvel aos seus gostos e fazendo dele um cofre para uma parte importante da colecção de arte popular particularmente de temática religiosa. Com as peças que ele foi adquirindo sobretudo durante os 40 anos passados em Portalegre, recheou as suas casas de Vila do Conde e Portalegre, espaços hoje disponíveis ao público.

Visitei a Casa-Museu de Portalegre em Maio de 2011. Não podia faltar à de Vila do Conde. Embora achando a de Portalegre mas rica em espólio, esta visita a Vila do Conde valeu igualmente a pena! 

A visita guiada dura cerca de uma hora, antecedida de um pequeno filme com a duração de cerca de 13 minutos, que passa no auditório da Casa, que permite ao visitante, menos conhecedor da vida e da obra do escritor, um melhor enquadramento para o que se segue. 

José Régio nasceu aqui em Vila do Conde no dia 17 de Setembro de 1901. Viveu grande parte da sua vida em Portalegre, onde foi professor do Liceu desde 1930 até se reformar, em 1962. Desde então, alternou a sua residência entre Vila do Conde e Portalegre, até que, em 1966, após prolongada doença, se instalou definitivamente em Vila do Conde. Faleceu em 22 de Dezembro de 1969, vítima de doença cardíaca.

O nome de José Régio está muito presente na cidade de Vila do Conde. É um filho da terra. Nunca se casou, mas o amor não esteve ausente, como demonstra o seu poema, já célebre, "Soneto de Amor". 

E surpresa das surpresa, já no final da visita, a guia, para reforçar esta ideia, confidenciou que Régio foi pai como indicia o poema, pouco conhecido, “Enterro de Anjinho”. É este:


Enterro de anjinho

Na tarde clara e calma, sorridente
Sob um sol já quase de inverno,
Passa o cortejozinho, aereamente,
A caminho do nada...ou do eterno.

Por cima da Taberna do Maquevo,
Do seu portal, o Tono aleijadinho
Grita lá para dentro, com enlevo:
- Mãe o enterro dum anjinho!

De cetim de algodão barato,
Onde só, ao morrer, o sol põe ricos tons,
O esquifezinho faz pouco aparato,
No maior que uma caixa de bombons.

Mas tem, de roda, um bom galão prateado
Que a pequenina morta admiraria...
E as amiguinhas lá do bairro, ao lado,
Vão a fazer-lhe companhia.

Assearam-nas as mães, com que desvelo!
(Seu vestidinho branco.., o branco é sempre lindo!)
E, flores no braço e laço no cabelo,
Vão quase tristes, e sorrindo.

Só por que alçar-se, à frente, aquela cruz,
Com seus braços no ar a perdoar?
Não foi por anjos que morreu Jesus!
Dá vontade, essa cruz, de blasfemar.

Um homem novo, o pai do anjinho, ao lado,
Mão na mão da mulher, vai sucumbido;
E há no seu modo obtuso e andar pesado
Não sei quê de surpreso e de ofendido.

«A cachopita irá naquela caixa
Que a terra negra vai comer?...»
E em sua testa encarquilhada e baixa
Se lê que ele não pode compreender.

A mãe, seu lenço escuro contra a boca,
Pensa mais coisas, com certeza.
Mas essa, o amor de Deus a toca:
Nem sabe, pois, que pensa, - e chora e reza.

Andorinhas em vésperas de exílio
Riscam no ar ovais vertiginosas,
Festejando a seu modo, diz-se, o idílio
De algumas núpcias venturosas.

E o Zé da Concertina, que é poeta,
E vem dos arredores do cemitério
Com seu sorriso extático e pateta,
Pára, olha tudo, fica sério,

Assim, mui passo a passo, o terno bando
Vai chegando à parede sita e caiada,
Enquanto as andorinhas, doidejando,
Seguem, lá de alto, a caminhada.

Porque não desceis vós, ó andorinhas,
E adormecida, intacta, a não levais,
Já que do céu andais assim vizinhas,
Para as danças de roda celestiais?

Botão de rosa branca fechadinho
Que aprouve à morte vir colher,
Faz dó deitar-se fora aquele anjinho!

E o pobre pai não pode compreender...

José Régio, in “Mas Deus é Grande”


Fica a pergunta. Será mesmo?

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