terça-feira, 24 de junho de 2014

Uma vida lembrada não tem limites?


A escritora Teolinda Gersão encontrou uma forma engenhosa para, no seu último romance “Passagens”, contar a história de uma família. Confesso que ao ouvir falar, pela primeira vez, do livro, sublinhando-se que o tempo da narrativa corresponde ao tempo da duração de um velório, vieram-me à memória dois livros: “As Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis e “Até ao Fim”, de Vergílio Ferreira. 

O primeiro, que eu, irresponsavelmente, ainda não li, é a narrativa de um “defunto autor” que deseja escrever a sua autobiografia.

O segundo, que eu, obsessivamente, já li mais que uma vez, é a história de um pai, Cláudio, que na noite que está a velar o filho Miguel se lhe dirige em monólogo, através do qual conta a história da sua vida. Este, magnífico!

Passagens” é um romance sobre a história de Ana, sendo que a sua história é contada por ela própria (às vezes, desdobrada em si), recordada por vários elementos da família, sobretudo a filha Marta, e, ainda, por outras pessoas fora da família (veja-se, p.e., o longo monólogo da criada Conceição do lar onde Ana morreu). 

Aspecto que achei interessante é a estrutura da narrativa que se parece muito, à primeira vista, de uma peça de teatro. Mas isso não acontece por acaso. Este romance pertence àquele tipo de livros que nos coloca perante um palco, onde decorre justamente um drama humano. Temos um teatro dentro do grande Teatro da Vida. Uma harmonia perfeita entre o teatro da vida e a vida em teatro. 

Estamos perante um livro que, de certo modo, implica uma leitura dolorosa. O tema da morte não é fácil. “Passagens” é um romance deprimente? Penso que não. A autora tem esse mérito. É mais uma celebração da vida do que da morte.

O que fica da leitura deste livro? Um acento tónico na recordação, A nossa vida pode ser mais que um tempo finito (limitado ao tempo vivido), desde seja recordado. Aí, nessa dimensão, a nossa vida não tem limites. Será mesmo assim? Ou, como escreveu o poeta David Mourão-Ferreira, “há-de vir um Natal e será o primeiro em que o nada retome o Infinito”.

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