segunda-feira, 16 de novembro de 2015

A Missão


No âmbito de leituras promovida pelo Grupo de Leitura da Casa Roque Gameiro, li de leve "A Missão" de Ferreira de Castro, escrito em 1954.

Tem como pano de fundo a França, ao tempo da Segunda Guerra Mundial, numa aldeia francesa, sobre iminente ocupação alemã. Um grupo de 14 eclesiásticos discute a possibilidade de pintar a cruz, símbolo de Cristo, no telhado do edifício onde está albergado. Ao lado existe um outro edifício, que é igual ao da Missão. É uma fábrica, potencial alvo de ataques aéreos, onde trabalham cerca de 400 habitantes da aldeia. O interesse dos alemães em destruir a fábrica pode pôr em causa a vida dos eclesiásticos. Por outro lado, a identificação e salvação de uns pode comprometer a vida de outros. Baseando-se neste dilema, Ferreira de Castro ensaia um diálogo teológico (uns frades são a favor outros contra) muito interessante.

Ressuma do livro uma ideia fortemente humanista. Ferreira de Castro foi o grande nome da Literatura portuguesa na primeira metade do Sec. XX. Considerado por muito o maior escritor dessa época. Foi, pelo menos, o escritor português mais traduzido no Mundo. Nasceu em Ossela, Oliveira de Azeméis, em 1898 e morreu no Porto em 1974 (vítima de uma embolia). Tinha, então, 76 anos.

Filho de gente pobre. Viviam numa casa arrendada. O proprietário era um Comendador, um emigrante brasileiro que regressou rico e os pais do escritor eram os caseiros. Ferreira de Castro foi bom aluno na escola. Não dava erros no ditado e fazia certinhas aquelas contas enormes de multiplicar e dividir. Uma vez foi escolhido para ir à sede de concelho em representação da Escola e declamou um poema, com muito êxito. Uma festa por não ter acontecido nada no dia anunciado para acabar o Mundo,à passagem do cometa Halley. Foi no ano de 1910 (19 -19 de Maio).

Lia muito bem em pequeno. Inteligente. Nas aulas do Prof. Portela, em vez de prestar atenção à explicação, escrevia versos à Margarida, menina rica da terra. Esta, na posse dos versos, malvada, foi entregá-los ao professor, o qual, embora satisfeito com a veia poética do aluno, o castigou com uma reguada. 

Acabada a escola primária, Ferreira de Castro é mandado para o Brasil, onde se encontrava um familiar. Partiu aos 12 anos, no navio inglês “Nave Negra”. Um pequeno navio. Sofreu muito no Brasil. Arranjou um emprego no seringal “Paraíso”. Primeiro mesmo no mato, mas ao fim de 3 meses é levado para os escritórios. Salvou-se com o saber que possuía. Dessa experiência, ele escreveu “A Selva”. Ao fim de 3 anos volta a Belém do Pará, com 40 mil réis. Com 18 anos, em 1916, escreveu “Criminoso por Ambição”. Escreve para jornais lá no Brasil. Nesses 5 anos escreveu alguns livros que, mais tarde, renegou. Os que podia, ele próprio destruía. 

Regressou a Portugal em 1919, com 400 mil réis. Viajou num bom vapor e foi até a sua terra, a Ossela. Já não encontrou a Margarida. Morrera, tuberculosa. Esteve hospedado no Hotel “Avenida” em Oliveira de Azeméis, como um senhor rico, o que não era verdade. Vai para Lisboa para fazer pela vida. Escreve para viver. Não teve outra profissão. Até que em 1928 publica “Os Emigrantes” e em 1930 “A Selva”. Este último teve uma grande repercussão não só em Portugal, mas também no resto do Mundo. 

Mais tarde, escreveu “A Lã e a Neve” e outros. Escreveu ainda, a pedido do seu Editor, “A Volta ao Mundo”, com base na sua própria experiência. 

A sua prosa, impetuosa, que comunga com o leitor, evita os efeitos estilísticos. Uma escrita sóbria, escorreita, correcta, sem grandes esplendores, sem grandes luxos...Uma prosa que brota do coração. Uma literatura de acção. «Ferreira de Castro foi um dos Homens que quiseram transformar o Mundo», dele disse um dia Vitorino Nemésio.

É assim em "A Missão". Um livro equilibrado. Aliás, na prosa de Ferreira de Castro tudo existe nas proporções exactas, sem escassez nem excessos.

E no final da discussão quem ganhou? Foi pintada ou não a cruz no telhado do edifício? Os frades discutiram, cada um apresentou as suas razões, mas levaram demasiado tempo a decidir. Até que a França capitulou e assinou um armistício de paz com a Alemanha. Sim, a palavra "Missão" foi pintada no telhado. As tropas alemãs ocuparam o edifício e a ordem veio do comandante para o superior dos frades: «Mande pintar sobre o telhado a palavra "Missão", pois, sem dúvida, os ingleses hão-de querer bombardear a França...».

Tal com aconteceu com a Queda de Constantinopla, no ano de 1453...

  

Sem comentários:

Enviar um comentário