Tenho em cima da mesa dois livros, ambos são autobiográficos. Escolhi dois trechos em que o autor descreve, cada um à sua maneira, a primeira noite passada longe da sua terra, longe da casa dos pais.
Sem dúvida que há formas bonitas de escrita que só os grandes artistas da Língua portuguesa são capazes. Só ao alcance de alguns. É escolher...
[…] Não o frio acanhado da Europa, acanhado e pequeno, assobiando por vielas e escadas de pedra, húmido de pedras que choram saudades e tragédias. Chorava à noite. Silencioso para o colega de quarto não ouvir. […]
[…] Impossível. O salão era excessivamente grande para mim, os cães ladravam para o agouro das trevas, eu estava só no mundo. De longe, da minha infância perdida, veio a ternura da memória, a face cansada de minha mãe, a luz suave de tudo para nunca mais. E uma saudade densa caiu-me, como um peso, na alma. E chorei longamente, um choro recolhido, só choro para mim. Chorei quanto pude, até que a noite foi minha irmã e eu fui irmão da noite, um diante do outro, calados e de mãos dadas. Enfim lembrei-me, por entre o pranto, de um pequeno saco de figos que minha mãe me dera á despedida. Procurei-o na saca da roupa, puxei-o para a cama. E o sabor deles, que me encheu a alma, trouxe-me a presença de um carinho morto, como se minha mãe ali me estivesse velando e houvesse ainda aldeia a minha volta...[…]
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