domingo, 30 de junho de 2019

A minha "Guerra das Laranjas"

A cidade foi portuguesa e deixou de o ser. O tempo foi passando e a questão nunca se resolveu. As potências da Europa garantiram, os ingleses prometeram, os espanhóis concordaram, mas os portugueses, pelas suas misérias internas, nada fizeram. O tempo resolve tudo, diz o povo. Aqui também resolveu, mas a nosso desfavor.

Falo de Olivença. D. Dinis, que foi mais que poeta, ao assinar o Tratado de Alcanizes no ano de 1297, arrebanhou-a para o lado de cá. E por cá ficou, pertencia (e pertence?) ao Distrito de Portalegre. Num tempo em que o rio Guadiana não era uma fronteira natural. Mas as fronteiras são políticas. Ainda hoje Barrancos está do lado de lá do rio.

Por cá ficou, sem margem para quaisquer discussões, durante 5 séculos, até que, em 1801, os espanhóis resolvem invadir Portugal e tomam Olivença. A única vítima foi um ramo de laranjeira, que Manuel de Godoy enviou à rainha Maria Luisa de Parma, da qual, diz-se, era amante. Ficou conhecida pela Guerra das Laranjas. Portugal acabou por assinar o Tratado de Badajoz, ainda nesse ano de 1801, que pôs fim à guerra, ficando com algumas terras, mas perdeu Olivença para os espanhóis. Portugal aceitou fechar os portos aos ingleses, mas vai agindo ambiguamente, até que os franceses e os espanhóis entraram em Portugal, em 1808, sob o comando de Junot. A intenção era dividir Portugal em três partes. O Algarve ficaria para Godoy! Derrotado Napoleão, os vencedores assinaram o Tratado de Viana. Pelo art. 105º Espanha comprometeu-se a devolver a cidade a Portugal, sendo reconhecida por todos a nulidade do Tratado de Badajoz. Espanha ratificou em 1817, mas não cumpriu. A corte Portuguesa estava no Brasil. Aí, os portugueses apoderaram-se de Montevideu. Houve propostas para trocar Montevideu por Olivença, mas os brasileiros, já independentes, não aceitaram. Com a revolução liberal, a reivindicação de Olivença adormeceu. Hoje, Olivença é uma cidade agradável e calma, que mantém muitos vestígios da terra outrora portuguesa.

Por tudo isto, há anos que eu desejava conhecer esta terra singular. Foi o que fiz no dia 27 de Junho de 2019. E o que vi, meus amigos, deixou-me muito satisfeito:

A Muralha de D. Dinis. É de 1306. Uma parte foi limpa de prédios e lá está. Para sempre. Sobrevive há 700 anos.

A Muralha de D. Manuel I. Desapareceu, por força dos prédios que se foram encostando ao longo dos anos. Na Guerra da Restauração, alargou–se a cerca, foram 28 anos, a guerra só terminou em 1668. Da dita cerca, que desapareceu, resta a maqueta para seu conhecimento, a qual está exposta no Museu instalado na Torre de Menagem.


Torre de Menagem. Obra do rei D. João II, que elevou a anterior. No período das negociações com os Reis de Castela. “Quem manda aqui sou eu”, diz o Príncipe Perfeito. É (ou foi) a Torre de Menagem mais alta de Portugal.

A Pedra Fundacional. Está no Museu que existe na Torre de Menagem. Na Pedra podemos ver: uma oliveira (referência a Olivença?); as 5 quinas de Portugal; uma rainha sentada que se presume ser a rainha Santa Isabel; uma inscrição gótica que diz que este castelo foi mandado construir pelo rei D. Dinis, em 1306.

O Sítio do cruzamento das 4 ruas, onde se podem ver as 4 portas de entrada. Distam cerca de 100 metros desse centro. Podemos ver que, em alguns casos, construíram casas em cima dessas portas de entrada. Esta é uma das 4 portas de entrada.


A Porta Manuelina nos Paços do Concelho. Podemos ver: a cruz de Cristo; 2 esferas armilares; as 5 quinas. Foi o Palácio do Conde de Olivença, o valente Rui de Melo, que esteve em Tânger com o rei Afonso V. Depois, foi o Palácio dos Duques do Cadaval. É o mais nobre edifício da cidade. É, hoje, o Ayuntamiento, a CMO. Em frente, podemos ver, em calçada portuguesa, o desenho da cerca de D. Manuel I, entretanto desaparecida ou da qual ficaram apenas restos.

A Calçada Portuguesa. Podemos ver em algumas ruas. Numa delas, o ondulado a imitar a nossa Praça do Rossio.

Igreja Matriz ou Igreja Santa Maria do Castelo. Edifício templário. Filipe I, de Portugal, renovou esta igreja. Tinha necessidade de o fazer quando já não havia 2 países? Talvez, por uma atitude de afirmação. 3 naves abobadas, mas iguais. Estilo clássico puro. Não há ornatos. Colunas esguias. 6 pedras tumulares, aos pés do altar-mor, de famílias nobres (exemplo dos Gamas a que VG estava ligado).

Aqui podemos contemplar a maior Árvore de Jessé da Península Ibérica, com cerca de 12 metros de altura.


A Igreja de Santa Maria Madalena. Extraordinária igreja. Fachada com torre e ameias. Serviu de Sé à Diocese de Ceuta. Um certo número de terras de Portugal, sobretudo no Norte, reuniram-se para conseguir rendas para o Bispo de Ceuta. até que surge um Bispo que troca Braga por Olivença e construiu aqui esta Igreja. Foi Frei Henrique de Coimbra. Doutor em leis e Corregedor da Casa da Suplicação. Frei Henrique de Coimbra foi confessor de D. João II. Sentindo o apelo da fé, entrou para os Franciscanos e decide embarcar para a Índia. Vai na armada de Pedro Álvares Cabral e é ele que celebra a 1ª missa no Brasil, em 26 de Abril de 1500. Terá sido ele a dar o primeiro nome àquela terra: Terras de Vera Cruz. Brasil foi o nome que ficou para a história. Nome de uma árvore que dá dinheiro, o que não acontecia com a Cruz de Cristo. Foi à India, onde fundou a primeira casa dos Franciscanos. Em Calecute, cinco dos oito religiosos foram mortos no recontro com muçulmanos, na sequência da traição do Samorim. Face ao fracasso da missão, Henrique de Coimbra regressou a Portugal. D. Manuel I escolheu-o então para Bispo de Ceuta, cuja confirmação foi dada pelo papa Júlio II a 30 de Janeiro de 1506. Em 1512 celebrou um acordo com o arcebispo de Braga, D. Diogo de Sousa, que levou à inclusão de Olivença no território do bispado de Ceuta. E foi em Olivença que estabeleceu a sede do seu bispado.

Nesta localidade, Frei Henrique Coimbra construiu os paços episcopais, o tribunal e o aljube, para além da igreja de Santa Maria Madalena, que serviu como sé catedral e é "um dos espécimes mais nobres e mais puros do estilo manuelino" (Reinaldo dos Santos). Colunas torsas como no Convento de Jesus em Setúbal e fecho da abóbada com as armas de Portugal. A igreja foi recebendo melhoramentos ao longo dos anos. O Pórtico que lá está hoje é extraordinário, é do tempo de D. João III, substituiu o que lá estava há pouco mais de 20 anos. É o que está nos Paços do Concelho? A igreja tem 3 naves, todas abobadadas, sendo a do meio, a central, a mais trabalhada. A da capela mor, então, supera ainda em beleza as outras. Talha dourada sobre azulejaria portuguesa. Aqui reza-se há 500 anos. Frei Henrique de Coimbra morreu em 1532 e está aqui sepultado.

Oh, meus amigos, não resisto a contar. À entrada da igreja estava uma senhora, a guardiã do templo, que muito se apressou, mal entrámos, a perguntar donde vínhamos. Depois de uma volta pelo templo (impressiona a sua grandiosidade quando comparado com o tamanho da terra, ao tempo, entenda-se), voltei àquela senhora para lhe pedir o favor de me indicar a localização do túmulo do Frei Henrique Coimbra. Apontou-me uma direcção, procurei e não encontrei. Fui forçado a repetir a pergunta, a senhora não teve outra alternativa senão levantar-se e acompanhar-me ao local onde ela indicava. Em vão. Procurava a pobre senhora já descartar-me, dizendo que o túmulo do Bispo fundador da igreja seria provavelmente um dos muitos que existem no chão, quando eu descobri, numa capela lateral, a  sepultura em questão, numa parede, não no chão. A pobre senhora abriu a boca de espanto. Não (re)conquistei Olivença, mas pratiquei uma boa acção. Doravante, a pobre senhora (a esta hora ainda estará de boca aberta de espanto) já saberá dar aos visitantes uma informação correcta. Ganhei a minha "Guerra das Laranjas".

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