Este mês, o AlegriaBreve está dedicado a Albano Martins, um poeta da Beira Baixa que, como ele disse, «sou um homem do sul, da claridade sem mácula, dos horizntes largos, lavados, varridos pelos ventos da Estrela e da Gardunha».
acontecimento
Tu choravas e eu ia apagando
com os meus beijos os rastos das tuas lágrimas
─ riscos na areia mole e quente do teu rosto.
Choravas como quem se procura.
E eu descobria mundos, inventava nomes,
enquanto ia espremendo com as mãos
o meu sangue todo no teu sangue.
Não sei se o mundo existia e nós existíamos realmente.
Sei que tudo estava suspenso,
esperando não sei que grave acontecimento,
e que milhares de insectos paravam e zumbiam nos
meus sentidos.
Só a minha boca era uma abelha inquieta
percorrendo e picando o teu corpo de beijos.
Depois só dei pela manhã,
a manhã atrevida
entrando devagar, muito devagar e acordando-me.
Desviei os meus olhos para ti :
ao longo do teu corpo morriam as estrelas.
A noite partira. E, lentamente,
o sol rompeu no céu da tua boca.
Albano Martins, Assim São as Algas, Campo das Letras,2000
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