Não vês como eu sigo
Teus passos, não vês?
O cão do mendigo
Não é mais amigo
Do dono talvez!
Ao pé de uma fonte
No fundo de um vale,
No alto de um monte
Do vasto horizonte,
Sem ti estou mal!
Sem ti, olho e canso
De olhar, e que vi?
Os olhos que lanço,
Acharem descanso,
Só acham em ti!
Os ventos que empolam
A face do mar,
E as ondas que rolam
Na praia, consolam
Tamanho pesar?
As formas estranhas
De nuvens que vão
Roçando as montanhas
Em ondas tamanhas
Distraem-me? Não!
A pomba que abraça
No ar o seu par,
E a nuvem que passa,
Não tem essa graça
Que tens a andar!
Parece o pezinho,
De lindo que é,
Ligeiro e levinho
O de um passarinho
Voando de pé!
O rosto, há em torno
Da pálida oval,
Daquele contorno
Tão puro, o adorno
Da auréola imortal!
Não sei que luz vaga,
Mas íntima luz,
Que nunca se apaga,
Me inunda, me alaga,
Se os olhos lhe pus!
Eu amo-te, e sigo
Teus passos, bem vês!
O cão do mendigo
Não é mais amigo
Do dono talvez!
João de Deus, in 'Campo de Flores'
(São Bartolomeu de Messines, 8 de Março de 1830 — Lisboa, 11 de Janeiro de 1896)
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