Uma recordação chega
para fender os alicerces,a dúvida rasga as cortinas
por onde se coa o sangue dos dias felizes.
As filhas passadas já não correm no jardim,
já ninguém responde quando chamo
pelos seus vagos nomes que chamo
como se chamassem eles por mim.
Tu lavas a louça na cozinha
entre cheiros sujos e restos de comida,
ou ficas à janela infinitamente;
os vizinhos mudaram-se, o cão morreu para sempre.
A casa agora é feita d’ângulos agudos,
de perguntas, de poços descobertos,
nós perdemo-nos por dentro d’outros mundos
por portas que se abriram para dentro.
O meu coração repousa
na cave no meio da minha vida
e eu vagueio lá fora entre os sentidos.
Sou eu quem chama, não me ouves bater?
Manuel António Pina l Um Sítio Onde Pousar a Cabeça (1991)
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