segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Um acusador arrependido

Passam hoje 162 anos sobre o nascimento de Guerra Junqueiro. O poeta nasceu em Freixo de Espada à Cinta no dia 17 de Setembro de 1850. Foi alto funcionário administrativo, politico, deputado, jornalista, escritor e poeta. A sua poesia ajudou a criar o ambiente revolucionário que conduziu à implantação da República. Assustou padres, bispos, reis e barões.

Junqueiro tinha o gosto de "matar".  Começou com o homicídio de D. João, em A Morte de D. João (1874), passou depois ao deicídio de Jeová, em A Velhice do Padre Eterno (1885), finalizou no parricídio de Portugal e no regícídio de D. Carlos, em Pátria (1896).

Em 1890, publicou publicou A Marcha do Ódio e Finis Patriae. Com um poema de trinta versos - O Caçador Simão - Junqueiro  incendiou o coração dos republicanos.

Foi já do alto das fragas ásperas do Douro que, severo como um profeta antigo, vociferou este trovão: "Eu odeio o Sr. D. Carlos, não com ódio sangrento, com ódio de orgulho e de vingança. O meu ódio é bom; conforta-me e consola-me. Odeio o rei, porque amo a Verdade e a minha Pátria".

Conta, também, o filosofo espanhol Miguel Unamumo, em Portugal País de Suicidas, que encontrando-se Guerra Junqueiro em Salamanca e falando-lhe do Rei D. Carlos, bradou: «Não sei como isto vai acabar, mas acreditando, como acredito, que em Portugal há uma família a mais e que o Rei é um monstro de perversão, se eu daqui pudesse matá-lo com o pensamento, fá-lo-ia.». Poucos dias depois, estando ainda Guerra Junqueiro naquela cidade - diz ainda Miguel Unamuno - chegou a notícia do assassínio do Rei D. Carlos e do príncipe herdeiro D. Luís Filipe,  Bem, uma coisa é certa: o poeta Guerra Junqueiro, no dia do regicídio, não estava no Terreiro do Paço, nem por perto. Estava em Salamanca. Um excelente álibi!

Todavia, o regicídio de 1 de Fevereiro de 1908 foi o estrondo que apanhou desprevenido Junqueiro ingénuo e exaltado, quebrando-lhe o vigor das pernas e deixando-lhe na boca uma acérrima recordação de versos. Remordido pela paixão, dá ideia que Junqueiro, depois da fatalidade que fez tombar rei e príncipe numa esquina do Terreiro do Paço, se desiludiu dos versos, virando-lhes, amedrontado, as costas.

Pôs-se assim febril e inutilmente, a rever os versos, censurando e rasgando tudo o que lhe parecesse ofensivo à memória dos mortos. Atormentado por uma falta de consciência, a de ter metido lenha e pólvora no regicídio, não se importou de estéticas para limpar poemas. Junqueiro, que muitos acusaram de sarcástico gratuito, não se incomodou de rasgar, e para sempre, os seus melhores versos, se com isso pudesse fazer as pazes com a sua consciência.

Amansou, desse modo, uma versão da Pátria, que veio ser publicada depois da sua morte (1925) e que quase nenhum valor poético apresenta, dizem os críticos. Mas quando lhe falaram de atentado estético contra um poema intocável, a que ele roubou centenas de versos, Junqueiro, enfiado no seu barretinho de lã, roído de remorsos, limitou-se a exclamar indignado:
- Não posso aparecer no outro mundo como acusador!!!
 

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