segunda-feira, 9 de junho de 2014

A Morte sem Mestre, segundo Herberto Helder



Chegou hoje às livrarias o novo livro de Herberto Hélder, A Morte sem Mestre, lançado pela Porto Editora, que inclui um CD com poemas ditos pelo poeta.

O livro apresenta uma originalidade, tem uma capa em papel craft (uma espécie de almaço) com o nome do autor e título do livro escritos à mão pelo próprio poeta. Trata-se de uma solução gráfica que reproduz o modo como Herberto Hélder encapa os livros na sua biblioteca.

Segundo avisou a Editora, A Morte sem Mestre, terá apenas uma edição, como aliás aconteceu com as anteriores. Sempre por vontade expressa do autor. 

Assim sendo, é de esperar, a exemplo do que aconteceu com A Faca Não Corta o Fogo e Servidões, a tiragem se esgote rapidamente.

Por isso, tirei-me das minhas tamanquinhas e fui, propositadamente, à Bertrand e truxe para casa um exemplar do livro (o empregado que me atendeu ainda perguntou se queria mais que um), que me custou €22,00 (preço de capa).

Se um dia me zangar com o poeta, não vou, de certeza, perder dinheiro. Com o Servidões também despendi a mesma quantia de €22,00, mas, consultando a internet (OLX), o preço pedido anda já à volta de €100,00. Com o poeta Herberto Hélder ganhamos com a sua poesia e investimos, com proveito, as nossas economias.

Deixo aqui o último poema do livro e que é também um dos poemas ditos pelo poeta no CD que acompanha o livro.


a última bilha de gás durou dois meses e três dias,
com o gás dos últimos dias podia ter-me suicidado,
mas eis que se foram os três dias e estou aqui
e só tenho a dizer que não sei como arranjar dinheiro para outra bilha,
se vendessem o gás a retalho comprava apenas o gás da morte,
e mesmo assim tinha de comprá-lo fiado,
não sei o que vai ser da minha vida,
tão cara, Deus meu, que está a morte,
porque já me não fiam nada onde comprava tudo,
mesmo coisas rápidas,
se eu fosse judeu e se com um pouco de jeito isto por aqui acabasse nazi,
já seria mais fácil,
como diria o outro: a minha vida longa por muito pouco,
uma bilha de gás,
a minha vida quotidiana e a eternidade que já ouvi dizer que a habita e move,
não me queixo de nada no mundo senão do preço das bilhas de gás,
ou então de já mas não venderem fiado
e a pagar um dia a conta toda por junto:
corpo e alma e bilhas de gás na eternidade
— e dizem-me que há tanto gás por esse mundo fora,
países inteiros cheios de gás por baixo!

Herberto Hélder, in “A Morte sem Mestre”
Porto Editora, 2014

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