quarta-feira, 26 de maio de 2021
Devaneios cruzadísticos │ Manuel António Pina
quarta-feira, 19 de maio de 2021
Os gatos do poeta António Manuel Pina
Os gatos
Há um deus único e secreto
em cada gato inconcreto
governando um mundo efémero
onde estamos de passagem
Um deus que nos hospeda
nos seus vastos aposentos
de nervos, ausências, pressentimentos,
e de longe nos observa
Somos intrusos, bárbaros amigáveis,
e compassivo o deus
permite que o sirvamos
e a ilusão de que o tocamos
Manuel António Pina, “Os gatos”, Como se desenha uma casa. Lisboa: Assírio & Alvim, 2011.
sexta-feira, 14 de maio de 2021
As que procurei em vão,
como uma respiração,
e não reconheci,
ou desistiram e
partiram para sempre,
deixando no poema uma espécie de mágoa
como uma marca de água impresente;
as que (lembras-te?) não fui capaz de dizer-te
nem foram capazes de dizer-me;
as que calei por serem muito cedo,
e as que calei por serem muito tarde,
e agora, sem tempo, me ardem;
as que troquei por outras (como poderei
esquecê-las desprendendo-se longamente de mim?);
as que perdi, verbos e
substantivos de que
por um momento foi feito o mundo
e se foram levando o mundo.
E também aquelas que ficaram,
por cansaço, por inércia, por acaso,
e com quem agora, como velhos amantes sem
desejo, desfio memórias,
as minhas últimas palavras.
quinta-feira, 13 de maio de 2021
Te amo
Amor como em Casa
Regresso devagar ao teusorriso como quem volta a casa. Faço de conta que
não é nada comigo. Distraído percorro
o caminho familiar da saudade,
pequeninas coisas me prendem,
uma tarde num café, um livro. Devagar
te amo e às vezes depressa,
meu amor, e às vezes faço coisas que não devo,
regresso devagar a tua casa,
compro um livro, entro no
amor como em casa.
Manuel António Pina │"Ainda não é o Fim nem o Princípio do Mundo. Calma é Apenas um Pouco Tarde"
terça-feira, 11 de maio de 2021
Gótico americano
a dúvida rasga as cortinas
por onde se coa o sangue dos dias felizes.
As filhas passadas já não correm no jardim,
já ninguém responde quando chamo
pelos seus vagos nomes que chamo
como se chamassem eles por mim.
Tu lavas a louça na cozinha
entre cheiros sujos e restos de comida,
ou ficas à janela infinitamente;
os vizinhos mudaram-se, o cão morreu para sempre.
A casa agora é feita d’ângulos agudos,
de perguntas, de poços descobertos,
nós perdemo-nos por dentro d’outros mundos
por portas que se abriram para dentro.
O meu coração repousa
na cave no meio da minha vida
e eu vagueio lá fora entre os sentidos.
Sou eu quem chama, não me ouves bater?
Manuel António Pina l Um Sítio Onde Pousar a Cabeça (1991)
domingo, 9 de maio de 2021
Afasta de mim o pecado da infelicidade
Completas
A meu favor tenho o teu olhartestemunhando por mim
perante juízes terríveis:
a morte, os amigos, os inimigos.
E aqueles que me assaltam
à noite na solidão do quarto
refugiam-se em fundos sítios dentro de mim
quando de manhã o teu olhar ilumina o quarto.
Protege-me com ele, com o teu olhar,
dos demónios da noite e das aflições do dia,
fala em voz alta, não deixes que adormeça,
afasta de mim o pecado da infelicidade.
Manuel António Pina | O Caminho de Casa (1989)
terça-feira, 4 de maio de 2021
A esplanada do poeta
Naquele tempo falavas muito de perfeição,
da prosa dos versos irregulares
onde cantam os sentimentos irregulares.
Envelhecemos todos, tu, eu e a discussão,
agora lês saramagos & coisas assim
e eu já não fico a ouvir-te como antigamente
olhando as tuas pernas que subiam lentamente
até um sítio escuro dentro de mim.
O café agora é um banco, tu professora de liceu;
Bob Dylan encheu-se de dinheiro, o Che morreu.
Agora as tuas pernas são coisas úteis, andantes,
e não caminhos por andar como dantes.
Manuel António Pina (1991)
sábado, 1 de maio de 2021
Devaneios cruzadísticos │ Manuel António Pina
Nasceu no ano de 1943, no Sabugal, na Beira Alta, e faleceu a 19 de Outubro de 2012, no Porto. Licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra, em 1971, exerceu a advocacia e foi técnico de publicidade. Abraçou a carreira de jornalista no Jornal de Notícias, onde passou a editor.
Além do Jornal de Notícias, tem ainda colaboração dispersa por outros órgãos de comunicação, entre imprensa escrita, rádio e televisão [República, Diário de Lisboa, O Jornal, Expresso, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Marie Claire, Visão, Península (Barcelona), Rádio Porto, RTP, etc.].
Foi também professor da Escola Superior de Jornalismo do Porto e membro do Conselho de Imprensa.
Deste modo, convido os meus amigos a resolver este problema e, no final, encontrar o nome (4 palavras nas horizontais) de uma obra do poeta português Manuel António Pina (1943 - 2012).
Vemo-nos por aqui?