terça-feira, 27 de dezembro de 2022

Devaneios cruzadísticos │ Eça de Queiroz

"A Cidade e as Serras" é o título de uma obra do escritor português Eça de Queiroz, pedido com a resolução do passatempo de palavras cruzadas, referente ao mês de Dezembro de 2022.


Recebi respostas de: Aleme; António Amaro; Antoques; Arjacasa; Bábita Marçal; Baby; Caba; Candy; Corsário; Crispim; El-Danny; Elvira Silva; Filomena Alves; Fumega; Gilda Marques; Homotaganus; Horácio; Jani; João Carlos Rodrigues; Joaquim Pombo; José Bento; José Bernardo; Juse; Mafirevi; Magno; Manuel Amaro; Manuel Carrancha; Manuel Ramos; Maria de Lourdes; My Lord; Neveiva; Olidino; O. K.; PAR DE PARES; Reduto Pindorama (Agagê, Joquimas e Samuca); Ricardo Campos; Rui Gazela; Russo; Salete Saraiva; Sepol; Seven; Socrispim; Solitário; Somar; Virgílio Atalaya e Zabeli.

A todos, obrigado.

Até ao próximo. 


quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

Vem aí o Natal

Dia de Natal

Hoje é dia de ser bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.
É dia de pensar nos outros – coitadinhos – nos que padecem,
de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.

Comove tanta fraternidade universal.
É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse,
numa toada doce,
de violas e banjos,
entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes,
a voz do locutor
anuncia o melhor dos detergentes.

De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu
e as vozes crescem num fervor patético.
(Vossa excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?)
Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.)
Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.
Toda a gente acotovela, se multiplica em gestos esfuziante,
Todos participam nas alegrias dos outros como se fossem suas
e fazem adeuses enluvados aos bons amigos que passam mais distante.

Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,
com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,
cintilam, sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,
as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de cerâmica.

Os olhos acorrem, num alvoroço liquefeito,
ao chamamento voluptuoso dos brilhos e das cores.
E como se tudo aquilo nos dissesse directamente respeito,
como se o Céu olhasse para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.

A oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.
Adivinha-se uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar.
E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento
e compra – louvado seja o Senhor! – o que nunca tinha pensado comprar.

Mas a maior felicidade é a da gente pequena.
Naquela véspera santa
a sua comoção é tanta, tanta, tanta,
que nem dorme serena.
Cada menino abre um olhinho
na noite incerta
para ver se a aurora já está desperta.
De manhãzinha
salta da cama,
corre à cozinha em pijama.

Ah!!!!!!!

Na branda macieza
da matutina luz
aguarda-o a surpresa
do Menino Jesus.

Jesus,
o doce Jesus,
o mesmo que nasceu na manjedoura,
veio pôr no sapatinho
do Pedrinho
uma metralhadora.

Que alegria
reinou naquela casa em todo o santo dia!
O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,
fuzilava tudo com devastadoras rajadas
e obrigava as criadas
a caírem no chão como se fossem mortas:
tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá.
Já está!
E fazia-as erguer para de novo matá-las.
E até mesmo a mamã e o sisudo papá
fingiam
que caíam
crivados de balas.

Dia de Confraternização Universal,
dia de Amor, de Paz, de Felicidade,
de Sonhos e Venturas.
É dia de Natal.
Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.
Glória a Deus nas Alturas.

António Gedeão, in "Antologia Poética"

terça-feira, 13 de dezembro de 2022

Vem aí o Natal!

«[…] A criança, com duas longas lágrimas na face magrinha, murmurou:
— Oh mãe! Jesus ama todos os pequenos. E eu ainda tão pequeno, e com um mal tão pesado, e que tanto queria sarar!
E a mãe, em soluços:
— Oh meu filho, como te posso deixar? Longas são as estradas da Galileia, e curta a piedade dos homens. Tão rota, tão trôpega, tão triste, até os cães me ladrariam da porta dos casais. Ninguém atenderia o meu recado, e me apontaria a morada do doce rabi. Oh filho! Talvez Jesus morresse... Nem mesmo os ricos e os fortes o encontram. O Céu o trouxe, o Céu o levou. E com ele para sempre morreu a esperança dos tristes.
De entre os negros trapos, erguendo as suas pobres mãozinhas que tremiam, a criança murmurou:
— Mãe, eu queria Ver Jesus...
E logo, abrindo devagar a porta e sorrindo, Jesus disse à criança:
— Aqui estou.»
 
Eça de Queiroz, “O Suave Milagre” (excerto), in Contos

quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

Lisboa, nos passos de Eça de Queiroz

Um passeio por alguns pontos da cidade de Lisboa na companhia de Eça de Queiroz:

A Casa Havaneza (Largo do Chiado)
Era, ao tempo de Eça de Queiroz, tabacaria, florista e agência de notícias. Na época tinha um letreiro em francês (tinha que ser) Maison Havanaise, depôt de tabacs, etc…entretanto, sofreu várias alterações.
É citada em vários romances do Eça. Escolhi este texto de “A Correspondência de Fradique Mendes”, onde o narrador vai encontrar-se pela primeira vez com o célebre Fradique:
[…] E, se eu desejava conhecer um homem genial, que esperasse ao outro dia, Domingo, às duas, depois da missa do Loreto, à porta da Casa Havaneza. — Valeu? Às duas, religiosamente, depois da missa! Bateu-me o coração. Por fim, com um esforço, como Novalis no patamar de Hegel, afiancei, pagando os sorvetes, que ao outro dia, às duas, religiosamente, mas sem missa, estaria no portal da Havaneza! […]  

Livraria Bertrand (Rua Garret, 73-75)
Este estabelecimento existe desde 1732, aqui localizado desde 1773. 
Na novela Alves & C,’, Godofredo avista à porta desta livraria, Alexandre Herculano: […] Um momento parou, a olhar com respeito um grande homem, um grande poeta, um grande historiador, que nesse momento, de velho casaco de lustrina e chapéu de palha, conversava à porta da Bertrand, com o seu enorme lenço de ramagens preparado para se assoar […]. Godofredo admirava-lhe os romances e o estilo. 
Igualmente n’ Os Maias esta livraria personaliza a narrativa geográfica quando no final do romance Carlos da Maia e João de Ega se deslocam a pé do Hotel Bragança, pelo Chiado, em direcção ao Rossio e à Avenida da Liberdade para verem as obras do seu prolongamento para norte da cidade: Foram descendo o Chiado. Do outro lado, os toldos das lojas estendiam no chão uma sombra forte e dentada. [...] Depois, diante da Livraria Bertrand, Ega, rindo, tocou no braço de Carlos: — Olha quem ali está, à porta da Baltresqui! Era o Dâmaso [...]  (p. 697).

Rua de S.Marçal
Perpendicular à Rua da Escola Politécnica, passa à ilharga do Instituto Britânico, que foi morada do célebre Alves dos Reis. Aqui residiam os Condes de Gouvarinho, d’Os Maias, ela amante de Carlos da Maia, ele par do reino e homem de Estado. A Gouvarinho, num tom amargo, queixava-se que, já por duas vezes, Carlos faltara ao rendez-vous em casa da Titi, sem lhe ter sequer escrito uma palavra; ela vira nisto uma ofensa, uma brutalidade; e vinha agora intimidá-lo, em nome de todos os sacrifícios que por ele fizera, a que aparecesse na Rua de S. Marçal, Domingo ao meio-dia, para terem uma explicação definitiva antes de ela partir para Sintra (p. 421).

lgreja dos Mártires (Rua Garrett)
Esta igreja do século XVIII, tida na sua raiz como a primeira igreja católica da cidade, foi totalmente arrasada com o terramoto de 1755. Aqui foi baptizado Camilo Castelo Branco, a 14 de Abril de 1825, e tal como no caso de Eça de Queiroz, com a omissão do nome da mãe. Esta igreja está ligada também ao poema de Fernando Pessoa "O sino da minha aldeia", que foi identificado pelo poeta como o da Igreja dos Mártires, muito perto da casa do Largo de São Carlos onde ele nasceu, do outro lado da Rua Serpa Pinto. Essa igreja foi palco de um episódio d’O Primo Basílio, quando Luísa corre a refugiar-se nela, durante o passeio célebre, a pé, que enceta com o Conselheiro Acácio, iniciado acima do Jardim de S. Pedro d’Alcântara, na embocadura da Rua da Rosa, passa pelo Chiado e termina no Rossio. Com hora marcada para se encontrar com o primo Basílio no «Paraíso» e acompanhada pelo empecilho tenaz do Conselheiro que não a larga, Luísa entrou na igreja desesperada. Ficou de pé debaixo do coro, calculando: "Demoro-me aqui, ele cansa-se de esperar e vai-se!" Por cima, reluziam vagamente os pigmentos de cristal dos lustres. Havia uma luz velada, igual, um pouco fosca. E as arquitecturas caiadas, a madeira muito lavada do soalho, as balaustradas laterais de pedra davam uma tonalidade clara e alvadia, onde destacavam os dourados da capela, os frontais roxos do púlpito, ao fundo dos reposteiros de um roxo mais escuro, e sob o dossel cor de violeta os ouros do trono.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

Devaneios cruzadísticos │ Eça de Queiroz

Em Outubro passado, o AlegriaBreve visitou a Fundação Eça de Queiroz, na Quinta de Tormes, em Santa Cruz do Douro, concelho de Baião. Foi uma das mais comedoras lembranças do viajante AlegriaBreve, talvez um dia volte, talvez não volte nunca, talvez até evite voltar. 

Aqui fica mais uma evocação do grande escritor que foi Eça de Queiroz. Nasceu a 25 de Novembro de 1845, na Póvoa de Varzim, filho de um magistrado, também ele escritor, e morreu a 16 de Agosto de 1900, em Paris. 

É considerado um dos maiores romancistas da literatura portuguesa, o primeiro e principal escritor realista português, renovador profundo e perspicaz da nossa prosa literária.

Entrou para o Curso de Direito em 1861, em Coimbra, onde conviveu com muitos dos futuros representantes da Geração de 70, já então aglutinados em torno da figura carismática de Antero de Quental, e onde acedeu às recentes ou redescobertas correntes ideológicas e literárias europeias: o Positivismo, o Socialismo, o Realismo-Naturalismo, sem, contudo, participar ativamente na que seria a primeira polémica dessa geração, a Questão Coimbrã (1865-1866).

Terminado o curso, iniciou a sua experiência jornalística como redator do jornal "O Distrito de Évora" (1866) e como colaborador na "Gazeta de Portugal", onde publicou muitos dos textos, postumamente reeditados no volume das "Prosas Bárbaras". 

No final desse ano, formou-se o "Cenáculo", de que viriam a fazer parte, nesta primeira fase, além de Eça, Jaime Batalha Reis, Ramalho Ortigão, Oliveira Martins e Salomão Saragga, entre outros. Após uma viagem pelo Oriente, para assistir à inauguração do canal de Suez como correspondente do "Diário Nacional", regressou a Lisboa, onde participou, com Antero de Quental e Jaime Batalha Reis, na criação do poeta satânico Carlos Fradique Mendes e escreveu, em 1870, em parceria com Ramalho Ortigão, o "Mistério da Estrada de Sintra". 

No ano seguinte, proferiu a conferência "O Realismo como nova expressão da Arte", integrada nas Conferências do Casino Lisbonense No mesmo ano, iniciou, novamente com Ramalho, a publicação de "As Farpas", crónicas satíricas de inquérito à vida portuguesa.

Em 1872, iniciou também a sua carreira diplomática, ao longo da qual ocuparia o cargo de cônsul sucessivamente em Havana (1872), Newcastle (1874), Bristol (1878) e Paris (1888). O afastamento do meio português - aonde só vinha muito espaçadamente - não o impediu de colaborar na nossa imprensa, com crónicas e contos. 

Aliás, foi em Inglaterra que Eça escreveu a parte mais significativa da sua obra, através da qual se revelou um dos mais notáveis artistas da língua portuguesa. Foi, pois, com o distanciamento crítico que a experiência de vida no estrangeiro lhe permitiu que concebeu a maior parte da sua obra romanesca, consagrada à crítica da vida social portuguesa, de onde se destacam "O Primo Basílio" (1878), "O Crime do Padre Amaro" (2.ª edição em livro, 1880), "A Relíquia" (1887) e "Os Maias" (1888), este último considerado a sua obra-prima. Parte da restante obra foi publicada já depois da sua morte, cuja comemoração do seu centenário teve lugar no ano 2000.

Na obra deste vulto máximo da literatura portuguesa, criador do romance moderno, distinguem-se usualmente três fases estéticas: a primeira, de influência romântica, que engloba os textos posteriormente incluídos nas "Prosas Bárbaras" e vai até ao "Mistério da Estrada de Sintra"; a segunda, de afirmação do Realismo, que se inicia com a participação nas Conferências do Casino Lisbonense e se manifesta plenamente nos romances "O Primo Basílio" e "O Crime do Padre Amaro"; e a terceira, de superação do Realismo-Naturalismo, espelhada nos romances "Os Maias" e "A Ilustre Casa de Ramires".

Convido os meus amigos a solucionar este passatempo de palavras-cruzadas e encontrar, a final, o título (5 palavras nas horizontais) de uma obra do escritor português Eça de Queiroz (1845-1900).

HORIZONTAIS: 1 – Sovas; Cova. 2 – Urbe; Uno. 3 – Envaidecido; Elemento de formação que exprime a ideia de cauda. 4 – Dinheiro [coloquial]; Querer. 5 – Sufixo nominal, de origem latina, que exprime a ideia de semelhança; Retirado. 6 – Difícil; Edição [abreviatura]; Vaticina; Aquelas. 7 – Mergulhas; Liga dos Combatentes [sigla]. 8 – Flor; Partida. 9 – Lado; Vales. 10 – Interjeição que exprime espanto; Patranhas. 11 – Bonitos; Centro [figurado].

VERTICAIS: 1 – Imoral; Saís. 2 – Nota musical; Resuma. 3 – Indivíduo que foi vítima da sua própria ambição; Joeira. 4 – Fusão da última sílaba de uma palavra com a primeira da palavra seguinte. Sopro. 5 – Qualidade; Causa; Rasga. 6 – Suportes; Tiras [Brasil]. 7 – Graúdo; Outra coisa [antiquado]; Pesar. 8 – Responsável; Animas. 9 – Indivisível; Passe. 10 – Salgada; Como. 11 – Meiga; Toque.

Clique Aqui para abrir e imprimir o PDF.


Aceito respostas até dia 25 de Dezembro, inclusive, por mensagem particular no Facebook ou para o meu endereço electrónico, boavida.joaquim@gmail.com. Em data posterior, apresentarei a solução, assim como os nomes dos participantes. 

Vemo-nos por aqui?

sábado, 26 de novembro de 2022

Devaneios cruzadísticos │ António Gedeão

"Lágrima de Preta" é o título de um poema do do poeta português Antonio Gedeão, pedido com a resolução do passatempo de palavras cruzadas, referente ao mês de Novembro de 2022.

Deixo-vos aqui o poema, uma marca do ilustre cientista Rómulo de Carvalho, que usou, para escrever poesia, o pseudónimo António Gedeão.

Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.

Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.

Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.

Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.

Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:

Nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.

António Gedeão, "Poemas escolhidos", Lisboa, Sá da Costa, 1997


Recebi respostas de: Aleme; António Amaro; Antoques; Arjacasa; Bábita Marçal; Baby; Caba; Candy; Corsário; Crispim; Donanfer II; El-Danny; Elvira Silva; Filomena Alves; Fumega; Gilda Marques; Homotaganus; Horácio; Jani; João Carlos Rodrigues; Joaquim Pombo; José Bento; José Bernardo; Juse; Mafirevi; Magno; Manuel Amaro; Manuel Carrancha; Manuel Ramos; Maria de Lourdes; My Lord; Neveiva; Olidino; O. K.; Paulo Freixinho; PAR DE PARES; Reduto Pindorama (Agagê, Joquimas e Samuca); Ricardo Campos; Rui Gazela; Russo; Salete Saraiva; Sepol; Seven; Socrispim; Solitário; Somar; Virgílio Atalaya e Zabeli.

A todos, obrigado.

Até ao próximo. 

sexta-feira, 25 de novembro de 2022

Eles não sabem que o sonho



Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.

Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.

Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é Cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.

Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida.
Que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.

António Gedeão. Pedra Filosofal
ilustração de Alex Alemany

quinta-feira, 24 de novembro de 2022

No dia em que nasceu o poeta António Gedeão

Neste dia (1906), nasceu o poeta António Gedeão. Sua filha, a escritora Cristina Carvalho, deixou este texto no facebook:

«RÓMULO VASCO DA GAMA CARVALHO que usou o pseudónimo literário ANTÓNIO GEDEÃO, nasceu no dia 24 de Novembro de 1906. Morreu em 19 de Fevereiro de 1997

HOJE, 24 de Novembro, um dia importante para mim. Faz-me sentido partilhar com todos os interessados e todos os que tenham um pouco de paciência para ler o que de seguida apresento.

HOJE é o Dia Nacional da Cultura Científica foi criado em 1996 em Portugal. Foi escolhido o dia 24 de novembro para a sua celebração pois foi neste dia (em 1906) que nasceu RÓMULO DE CARVALHO o professor de Física e Química responsável pela promoção do ensino de ciência e da cultura científica em solo nacional.

RÓMULO DE CARVALHO foi também poeta, sob o pseudónimo de ANTÓNIO GEDEÃO.

DOUTORAMENTO HONORIS CAUSA
No mês de Junho de 1995, a Universidade de Évora conferiu o grau de doutor "honoris causa" a Rómulo de Carvalho e prestou homenagem ao poeta António Gedeão.
O Senado Universitário atribuiu a Rómulo de Carvalho o grau de doutor "honoris causa" com base no "seu labor intelectual, enquanto professor, historiador, poeta, divulgador e ensaísta e na sua obra pioneira nos domínios da história da ciência e do ensino e m Portugal."
Na decisão pesou, também, a postura, do professor e pedagogo, de intervenção pública, "onde sempre pugnou por uma melhoria e dignificação do ensino em Portugal" contribuindo, assim, para "o enriquecimento da Universidade Portuguesa em contar, no corpo dos seus doutores, com um homem de cultura da sua dimensão."
Desta forma, aos 88 anos, Rómulo de Carvalho viu a actividade de uma vida, tanto na qualidade de homem da Ciência, como enquanto poeta, reconhecida publicamente pela Universidade Portuguesa ao tornar-se doutor "honoris causa" da Universidade de Évora.
Todo o seu espólio científico e literário encontra-se à disposição do público na Biblioteca Nacional de Portugal, em Lisboa.
Seria exaustivo estar a enumerar as suas obras pedagógicas que no campo científico, quer no domínio da História ou ainda no domínio literário. É uma obra gigantesca. É uma vida inteira dedicada ao ensino em variadas vertentes.
Rómulo de Carvalho foi professor, pedagogo e autor de manuais escolares, historiador da ciência e da educação, divulgador científico e poeta.
A 10 de junho de 1987 foi nomeado, pelo Presidente da República, Grande Oficial da Instrução Pública. Em 1990 foi nomeado Director do Museu Maynense, da Academia de Ciências de Lisboa.
Em 1996, com o patrocínio do Ministério da Ciência e da Tecnologia e com a participação de muitos organismos, promoveu-se uma Homenagem Nacional a Rómulo de Carvalho/António Gedeão. A 15 de Novembro de 1996, foi atribuída a Rómulo de Carvalho da Medalha de Prata da Universidade Nova de Lisboa, na Faculdade de Ciências e Tecnologia.
A 17 de Dezembro de 1996, o Presidente da República atribuiu-lhe a Grã Cruz da Ordem de Mérito de Santiago da Espada, na Escola Secundária Pedro Nunes. A 18 de Dezembro de 1996, foi-lhe atribuída, pelo Ministro da Cultura, a Medalha de Mérito Cultural, na Fundação Calouste Gulbenkian.
O CCV RÓMULO DE CARVALHO - O Centro Ciência Viva Rómulo de Carvalho funciona no piso térreo do Departamento de Física da Universidade de Coimbra (Pólo I da Universidade, na Rua Larga, entre a Praça de D. Dinis e a Porta Férrea) como centro de recursos para o ensino e aprendizagem das ciências e difusão da cultura científica.
Inclui uma Biblioteca Rómulo de Carvalho, com uma forte componente multimédia em todas as áreas da ciência, e o portal na Internet “Mocho”
O Centro Rómulo de Carvalho dá apoio, como moderno centro de recursos e numa base essencialmente virtual, à rede de centros Ciência Viva do país, às escolas e ao público em geral, com o objectivo de contribuir para o alargamento da cultura científica e tecnológica nacional, atraindo e mantendo mais jovens para a ciência.
O director do CCV Rómulo de Carvalho é o Professor CARLOS FIOLHAIS, meu muito estimado amigo, cientista, físico, professor universitário, imenso divulgador da Ciência.

Meu pai nasceu neste dia, 24 de Novembro de 1906 e morreu em 19 de Fevereiro de 1997 com 90 anos.
Foi casado durante 57 anos com Maria Natália Paiva Nunes da Gama Carvalho, minha mãe.
Teve dois filhos: Frederico de Carvalho e eu, Cristina Carvalho.
Teve 3 netas e dois netos que ainda continuaram a sua descendência com mais 3 bisnetas e mais 3 bisnetos.
A todos os que conheceu desejou amor e ensinou».

terça-feira, 22 de novembro de 2022

O tempo de António Gedeão

Mãezinha

A terra de meu pai era pequena
e os transportes difíceis.
Não havia comboios, nem automóveis, nem aviões, nem misséis.
Corria branda a noite e a vida era serena.

Segundo informação, concreta e exacta,
dos boletins oficiais,
viviam lá na terra, a essa data,
3023 mulheres, das quais
45 por cento eram de tenra idade,
chamando tenra idade
à que vai do berço até à puberdade.

28 por cento das restantes
eram senhoras, daquelas senhoras que só havia dantes.
Umas, viúvas, que nunca mais (oh! nunca mais!) tinham sequer sorrido
desde o dia da morte do extremoso marido;
outras, senhoras casadas, mães de fiilhos…
(De resto, as senhoras casadas,
pelas suas próprias condições,
não têm que ser consideradas
nestas considerações.)

Das outras, 10 por cento,
eram meninas casadoiras, seriíssimas, discretas,
mas que por temperamento,
ou por outras razões mais ou menos secretas,
não se inclinavam para o casamento.

Além destas meninas
havia, salvo erro, 32,
que à meiga luz das horas vespertinas
se punham a bordar por detrás das cortinas
espreitando, de revés, quem passava nas ruas.

Dessas havia 9 que moravam
em prédios baixos como então havia,
um aqui, outro além, mas que todos ficavam
no troço habitual que o meu pai percorria,
tranquilamente no maio sossego, às horas em
que entrava e saía do emprego.

Dessas 9 excelentes raprigas
uma fugiu com o criado da lavoura;
5 morreram novas, de bexigas;
outra, que veio a ser grande senhora,
teve as suas fraquezas mas casou-se
e foi condessa por real mercê;
outra suicidou-se
não se sabe porquê.

A que sobeja
chama-se Rosinha.
Foi essa que o meu pai levou à igeja.
Foi a minha mãezinha.

António Gedeão

domingo, 20 de novembro de 2022

O tempo de António de Gedeão

Poema do Fecho éclair

Filipe II tinha um colar de oiro
tinha um colar de oiro com pedras
rubis.
Cingia a cintura com cinto de coiro,
com fivela de oiro,
olho de perdiz.

Comia num prato
de prata lavrada
girafa trufada,
rissóis de serpente.
O copo era um gomo
que em flor desabrocha,
de cristal de rocha
do mais transparente.

Andava nas salas
forradas de Arrás,
com panos por cima,
pela frente e por trás.
Tapetes flamengos,
combates de galos,
alões e podengos,
falcões e cavalos.

Dormia na cama
de prata maciça
com dossel de lhama
de franja roliça.
Na mesa do canto
vermelho damasco
a tíbia de um santo
guardada num frasco.

Foi dono da terra,
foi senhor do mundo,
nada lhe faltava,
Filipe Segundo.

Tinha oiro e prata,
pedras nunca vistas,
safira, topázios,
rubis, ametistas.

Tinha tudo, tudo
sem peso nem conta,
bragas de veludo,
peliças de lontra.

Um homem tão grande
tem tudo o que quer.

O que ele não tinha
era um fecho éclair.

António Gedeão

sexta-feira, 18 de novembro de 2022

Passaram 50 anos

Ontem passaram 50 anos. Por volta desta hora (22h), pela primeira vez, vi Lisboa, de cima. Eu subia cada vez mais alto e a cidade ficava cada vez mais para trás. O destino era Angola. Eu e os meus companheiros da 1ª Companhia do Batalhão de Infantaria nº 4611. Uma partida com dor, que o tempo se encarregou de fazer esquecer. Não chorei porque um homem nunca chora (não chora mesmo?).

Chegámos a Luanda no dia seguinte, pela manhã. Após pisar o chão angolano, destilava abundantemente uma viscosidade de óleo, no meio de soldados alagados de calor. Luanda estava sob um calor tórrido.

quarta-feira, 9 de novembro de 2022

Tempo de António Gedeão

POEMA DO FUTURO

Conscientemente escrevo e, consciente,
medito o meu destino.

No declive do tempo os anos correm,
deslizam como a água, até que um dia
um possível leitor pega num livro
e lê,
lê displicentemente,
por mero acaso, sem saber porquê.
Lê, e sorri.
Sorri da construção do verso que destoa
no seu diferente ouvido;
sorri dos termos que o poeta usou
onde os fungos do tempo deixaram cheiro a mofo;
e sorri, quase ri, do íntimo sentido,
do latejar antigo
daquele corpo imóvel, exhumado
da vala do poema.

Na História Natural dos sentimentos
tudo se transformou.
O amor tem outras falas,
a dor outras arestas,
a esperança outros disfarces,
a raiva outros esgares.

Estendido sobre a página, exposto e descoberto,
exemplar curioso de um mundo ultrapassado,
é tudo quanto fica,
é tudo quanto resta
de um ser que entre outros seres
vagueou sobre a Terra.

ANTÓNIO GEDEÃO, in 'Poemas Póstumos' - 1983

segunda-feira, 7 de novembro de 2022

Ressurreição

Senhor!...
Eu bem te vejo, apesar
da escuridão!
Inda me não tocou a tua mão,
mas bem na sinto, bem na sinto em meus cabelos,
numa carícia igual a um perfume ou um perdão.

Senhor!
Eu bem te vejo, apesar
da escuridão!
Que já se abriram cinco
(ou são cinquenta?...?
ou são quinhentas?---)
Estrelinhas azuis no Céu azul
- as Tuas cinco, ou não sei quantas, feridas
lavadas pelas águas lá de Cima.

Vejo-Te ainda incerto e vago
como um desenho sumido,
mas esta é, Jesus, a última das noites.
Há já três
(não Te lembras, Senhor, das bofetadas
e dos cravos nos pés?...)
que Te pregaram numa cruz
e que morreste.

Até logo, Senhor!
(Deixa ser longa a Noite e o Logo longo,
que é de noite que eu seco os meus espinhos
e cavo, na minh´alma, o Teu jardim.
Rompa tarde a Manhã de ao fim
da Tua minha Noite derradeira.

- Não quero é que Te rasgues novamente,
quando, no terceiro Dia longe - perto
misericordiosamente,
ressuscitares em mim.)

Sebastião da Gama

terça-feira, 1 de novembro de 2022

Devaneios cruzadísticos │ António Gedeão

Neste mês, o AlegriaBreve evoca o poeta António Gedeão que gostava muito de decifrar palavras-cruzadas. Quem o diz é a filha, a escritora Cristina Carvalho:

«Rómulo Vasco da Gama Carvalho gostava muito de fazer palavras cruzadas, daquelas sem quadradinhos pretos e também das outras.

Gostava também de hieróglifos comprimidos. Deve ter sido das primeiras coisas que me ensinou. A fazer palavras cruzadas.

Tinha sempre na carteira de bolso um ou dois recortes do jornal Diário de Notícias ou do Diário de Lisboa com as tais palavras cruzadas. Toda a vida vi-o a fazer isto. Era quase como um comprimido para o cérebro. Dizia ele que era um óptimo exercício cerebral!»

Cristina Carvalho, in “Rómulo de Carvalho/António Gedeão - Príncipe Perfeito”,


António Gedeão, poeta, autor dramático, cientista e historiador, nasceu a 24 de Novembro de 1906, na cidade de Lisboa, e aí morreu a 19 de Fevereiro de 1997, na sequência de uma operação cirúrgica delicada.

Personalidade multifacetada e homem de apurada cultura, licenciou-se em Ciências Físico-Químicas, na Universidade do Porto, e foi professor liceal para além de cientista, divulgador científico e investigador da História das Ciências.

Com o seu nome próprio, Rómulo de Carvalho é autor de numerosos volumes de divulgação da cultura científica, publicados, nos anos 50 e 60, na coleção "Ciência para gente nova", da Atlântida nos anos 70, nos "Cadernos de iniciação científica", da Sá da Costa, a que seguiriam nas décadas posteriores vários manuais escolares. No domínio da história da ciência em Portugal, são marcantes estudos como "História dos Balões" e A "Astronomia em Portugal no Século XVIII". Elaborou também a obra "História da Educação em Portugal".

Já com cinquenta anos de idade, começou a publicar literatura, sob o pseudónimo de António Gedeão. É contemporâneo da geração de "Presença", mas só se revelou na segunda metade do século, sendo saudado, no momento da sua revelação, por David Mourão-Ferreira como uma voz "inteiramente nova" no panorama poético dos anos 50. 

Os poemas alcançaram grande popularidade, pela linguagem simples mas emotiva e carregada de uma inteligente sensibilidade, sempre atenta aos valores humanistas. É uma poesia que funde meios de expressão tradicionais com uma visão moderna do mundo, abordando a temática do sentimento da solidariedade, da denúncia do sofrimento e da própria solidão humana. 

Vários dos seus poemas foram também divulgados através da música como, por exemplo, "Calçada de Carriche" e a canção "Pedra Filosofal", composta e cantada por Manuel Freire, que teve um sucesso invulgar.

Por ocasião do seu nonagésimo aniversário, em 1996, Rómulo de Carvalho foi alvo de homenagens em vários pontos do país. Por decisão ministerial, a data do seu aniversário, 24 de Novembro, passou a ser assinalada como o Dia da Cultura Científica.

Convido os meus amigos a solucionar este passatempo de palavras-cruzadas e encontrar, a final, o título (3 palavras nas horizontais) de um poema do poeta português António Gedeão (1906-1997).


HORIZONTAIS: 1 – Estreita; Um poucochinho [figurado]. 2 – Concluís; Pousio. 3 – Agastada; Protesto. 4 – Completo; Grito. 5 – Tolo [Brasil, coloquial]; Sufixo nominal de origem latina, que ocorre em substantivos femininos que designam cargo. 6 – Preposição que designa origem; Azar; Mais [antiquado]. 7 – Prefixo que exprime a ideia de fora; Antiga flauta de pastor [poético]. 8 – Sombria; Falha. 9 – Gemido; Pasmei. 10 – Soei; Vela que enverga na carangueja do mastro [náutica]. 11 – Laçadas; Queixas.

VERTICAIS: 1 – Modo; Falda. 2 – Saco; Pagas. 3 – Lavoura; Louco. 4 – Honra; Vereador. 5 – Escória; Respeito. 6 – Pessoa notável na sua especialidade [figurado]; Selvagem; Oferta. 7 – Constituição; Administração Regional de Saúde [sigla]. 8 – Amofina; Agrava. 9 – Quadra; Limpa. 10 – Afável; Recordei. 11 – Iço; Enfeites.

Clique Aqui para abrir e imprimir o PDF.


Aceito respostas até dia 25 de Novembro, inclusive, por mensagem particular no Facebook ou para o meu endereço electrónico, boavida.joaquim@gmail.com. Em data posterior, apresentarei a solução, assim como os nomes dos participantes. 

Vemo-nos por aqui?

quarta-feira, 26 de outubro de 2022

Devaneios cruzadísticos │ Almeida Garrett

"Falar Verdade a Mentir" é o titulo da obra do escritor português Almeida Garrett, pedido com a resolução do passatempo de palavras cruzadas, referente ao mês de Outubro de 2022.


Participaram: Aleme; António Amaro; Antoques; Arjacasa; Bábita Marçal; Baby; Caba; Candy; Corsário; El-Danny; Elvira Silva; Filomena Alves; Fumega; Gilda Marques; Homotaganus; Horácio; Jani; João Carlos Rodrigues; Joaquim Pombo; José Bento; José Bernardo; Juse; Mafirevi; Magno; Manuel Amaro; Manuel Carrancha; Manuel Ramos; Maria de Lourdes; My Lord; Neveiva; Olidino; O. K.; PAR DE PARES; Reduto Pindorama (Agagê, Joquimas e Samuca); Ricardo Campos; Rui Gazela; Russo; Salete Saraiva; Seven; Socrispim; Solitário; Somar; Virgílio Atalaya e Zabeli.

A todos, obrigado.

Até ao próximo. 

terça-feira, 11 de outubro de 2022

Que delícia!...



[…E já espreitava a porta, esperando a portadora dos pitéus, a rija moça de peitos trementes, que enfim surgiu, mais esbraseada, abalando o sobrado - e pousou sobre a mesa uma travessa a transbordar de arroz com favas. Que desconsolo! Jacinto, em Paris, sempre abominara favas!...Tentou todavia uma garfada tímida – e de novo aqueles seus olhos, que o pessimismo enevoara, luziram, procurando os meus. Outra garfada, concentrada, com uma lentidão de frade que se regala. Depois um brado:
- Óptimo!...Ah, destas favas, sim! Oh que fava! Que delícia!
E por esta santa gula louvava a serra, a arte perfeita das mulheres palreiras que em baixo remexiam as panelas, o Melchior que presidia ao bródio…
- Deste arroz com fava nem em Paris, Melchior amigo!... ]

Eça de Queiroz │A Cidade e as Serras

Assim pude confirmar. Uma delícia! Foi no passado dia 8 que visitei a Fundação Eça de Queiroz, desejo muito antigo. Fui como peregrino, em busca do Jacinto, atravessando serras e serras, num percurso penoso, compensado com paisagens deslumbrantes. "Que beleza!", exclamei com Jacinto.  Irresistivelmente, depois da visita, almocei no Restaurante de Tormes, localizado na Fundação. Comunguei com Jacinto: "Deste arroz com fava nem em Paris, Melchior amigo!"


sábado, 1 de outubro de 2022

Devaneios cruzadísticos │ Almeida Garrett

Este mês, o AlegriaBreve evoca, com um prazer imenso, Almeida Garrett, escritor, uma das maiores figuras do romantismo português. Grande impulsionador do teatro em Portugal, foi ele quem propôs a edificação do Teatro Nacional de D. Maria II e a criação do Conservatório de Arte Dramática.

A.G. viveu só 55 anos, e todavia viveu intensamente os grandes acontecimentos do tempo: Invasões francesas, Revolta Liberal de 1820, 1ª Constituição de 1822, Vila Francada (1823), Restabelecimento da Monarquia Absoluta com D. Miguel (1828), Guerra Civil (1832-1834), Tratado de Paz, Setembrismo, Ditadura de Costa Cabral, Maria da Fonte, Patuleia e Regeneração. A todas elas, A.G. esteve ligado. 
Nasceu no Porto em 1799. A sua casa tem lá uma lápide evocativa. Família da classe média. A mãe era uma minhota rural com algumas posses.O pai era selador-mor na Alfândega. João Baptista da Silva Leitão era o seu nome verdadeiro de A G. Mas ele era tão grande, que tinha direito a ser vaidoso! 

Em 29 de Março de 1809, durante a 2ª invasão francesa, aconteceu o Desastre da Ponte das Barcas, no Rio Douro, em frente à cidade do Porto. AG foge para os Açores com a família. O seu tio era o Frei Alexandre da Família Sagrada. Era bispo de Angra. Aos 15 anos, AG andava no seminário, fez um sermão que empolgou a assembleia. Não foi padre porque cedo se enamorou de uma menina inglesa. Foi para Coimbra com 16 anos. Tirou o bacharelato em Direito, sem precisar de estudar muito. Ele fez as proclamações relativas às tentativas de revolta de 1816 e 1817, aquando da morte de Gomes Freire de Andrade. 

Estava em Coimbra em 1821. Escreveu então "O Retrato de Vénus". Processo-crime, por falta de pudor! Foi absolvido. Escreveu, pouco depois, "Catão" que é a história do pai da Revolução Liberal, Manuel Fernandes Tomás. Durante a representação da peça, viu e ficou doidamente apaixonado por Luísa Midosi, que tinha apenas 15 anos! Casamento falhado, a menina era apenas bonita. 

Garrett foi depois, em 1823, após a Vilafrancada, para Inglaterra e França. Aqui, inicia a evolução literária. Influência de Walter Scott, ele e Alexandre Herculano evoluíram para o romantismo. AG escreve “Camões” e “Dona Branca”, com os quais - dizem - marcou o início do romantismo, a expressão livre do pensamento. Há quem não tenha a mesma opinião. Em 1826 regressou a Portugal, dedicando-se ao jornalismo. Saiu novamente do país em 1828, depois de D. Miguel se intitular rei (Miguelismo). 

AG foi soldado do Batalhão Académico. Esteve na Ilha Terceira onde trabalhou na reforma administrativa de Mouzinho da Silveira. Depois, esteve na defesa do Porto. Guerra Civil (1832-34) fratricida e sangrenta. AG esteve do lado dos que venceram. E, ainda, esteve com os Setembristas (1836). Sempre do lado do povo. Já AH escreveu então um libelo, "A Voz do Profeta", contra o Setembrismo. O povo é o povo, para AG. Triunfa com Passos Manuel, de quem era amigo. Papel importantíssimo no Teatro ("Gil Vicente", "Alfageme de Santarém", "Frei Luís de Sousa").  

"Viagens na Minha Terra" é o título de uma obra grande. Relata uma viagem que verdadeiramente se realizou. Uma viagem de Lisboa a Santarém, para visitar o seu amigo Passos Manuel. Termina assim:“Tenho visto alguma coisa do mundo, e apontado alguma coisa do que vi. De todas quantas viagens porém fiz, as que mais me interessaram sempre foram as viagens na minha terra”.  

A vida de Garrett foi tão apaixonante quanto a sua obra. Era um apaixonado. Depois da relação frustrada com Luisa Midosi, Garrett passou então a viver amancebado com Adelaide Pastor, de 17 anos, até a morte desta, em 1841. 

Aos 50 anos, conheceu Rosa Montufar, que ficou na História como a Viscondessa da Luz. Paixão arrebatadora. Escreveu um livro de poemas, “Folhas Caídas”, dedicado a ela. Uma árvore da qual só já caem folhas. Paixão assombrada. Amor gritante. Ele publicou o livro sem nome de autor. Um dia, o sisudo Alexandre Herculano, na Bertrand, vê o livro, folheia-o, folheia outra vez, e tem este comentário: “Isto não pode ser se não do Garrett. Aquele diabo não sabe o que fazer de tanto talento que tem!”

Almeida Garrett morreu em 1854 em Lisboa, completamente arruinado. Os herdeiros tiveram que vender os tarecos para pagar as dívidas. Amou muito a sua terra, o povo, o seu povo. Foi um dandy, um janota. Era um bom orador, achava-se o melhor de todos. Chegou a comparar-se a Demóstenes. Rivalizou, nas Cortes, com o deputado de Aveiro, José Estevão, grande orador, que falava de improviso, enquanto AG preparava muito bem os seus discursos.

É assim que, neste mês, convido os meus amigos a solucionar este passatempo de palavras-cruzadas e encontrar, a final, o título (4 palavras nas horizontais) de uma obra do escritor português Almeida Garrett (1799-1854).

HORIZONTAIS: 1 – Estimas; Derrame. 2 – Selecciones; Combinar. 3 – Rasgam; Pintada. 4 – Excelente [coloquial]; Velhaco. 5 – Pertences; Quadra; Somai. 6 – Precisão. 7 – Suavidade [figurado]; Fama [figurado]; Símbolo de actínio. 8Area of Responsibility [sigla]; Dinheiro [coloquial]. 9 – Errar; Atrás. 10 – Dilates; Sabuja. 11 – Sacerdote do Camboja; Censuras.

VERTICAIS: 1 – Remates; Preferes. 2 – Aparências; Antiga moeda portuguesa, do valor de 4800 réis. 3 – Paralisar; Brilho. 4 – Medonho; Elemento de formação de palavras que exprime a ideia de Deus. 5 – Símbolo de arsénio; Pátria; Coisa desconhecida. 6 – Progredi. 7 – Andar; Interjeição que exprime enfado [Angola]; Mais [antiquado]. 8 – Abismo; Admirado. 9 – Vaidade; Prendi. 10 – Possuí em grande abundância; Molesta [Brasil]. 11 – Valias; Vivas.

Clique Aqui  para abrir e imprimir o PDF.


Aceito respostas até dia 25 de Outubro, inclusive, por mensagem particular no Facebook ou para o meu endereço electrónico, boavida.joaquim@gmail.com. Em data posterior, apresentarei a solução, assim como os nomes dos participantes. 

Vemo-nos por aqui?

segunda-feira, 26 de setembro de 2022

O que é Deus?


Quando perguntaram à escritora Hilary Mantel (recentemente falecida) se ela acreditava na vida depois da morte, a resposta foi sim – embora com a seguinte ressalva: «não consigo imaginar como funcionará. Mas o universo não se limita àquilo que eu sou capaz de imaginar».

Quando li esta frase, outra nasceu no seu lugar: «Deus não se limita àquilo que eu sou capaz de imaginar.»

Nunca serei capaz de imaginar o que é Deus.

Como estudioso da Antiguidade Clássica, sei que Deus não pode ser aquilo que os Gregos e os Romanos viram nos seus deuses, pela razão simples de que os deuses dos Gregos e Romanos são cópias do próprio ser humano: são entidades cheias de inveja, de luxúria, de orgulho e de crueldade. Zeus, na imaginação dos Gregos, era um ser no qual sou incapaz de reconhecer superioridade. Basta pensar na Ilíada, onde Zeus é um marido violento com a mulher e um pai que agrediu tão violentamente o próprio filho que o deixou eternamente deficiente. Deficiência essa que (já agora) é motivo de riso e chacota «inexaurível» da parte dos outros deuses.

Deuses assim imaginados são meramente uma projecção humana das características que definem o próprio ser humano.

Mas houve Gregos que perceberam isso: Xenófanes escreveu genialmente que, se os bois tivessem deuses, esses deuses – por serem imaginados por bois – só podiam ser como bois.
O Antigo Testamento contorna este problema, afirmando logo à cabeça que Deus criou o homem à sua imagem e semelhança – desencorajando assim a ideia mais racional de que foi o homem que imaginou Deus à imagem e semelhança do homem (já que o homem é a realidade única que o próprio homem consegue imaginar).

No entanto, este Deus do Antigo Testamento, que cria o homem à sua imagem e semelhança, não convenceu todos os cristãos dos primeiros séculos do cristianismo.
Nos séculos II, III e IV, houve cristãos que se deram conta da discrepância entre o Deus irascível e cruel do Antigo Testamento e o Deus do amor incondicional que Jesus veio anunciar ao mundo. Esses cristãos perguntaram a si mesmos se era possível entender o mundo de sofrimento que vemos à nossa volta como tendo sido criado pelo Pai de Jesus – esse Pai do amor incondicional cuja imagem verdadeira era o próprio Jesus.

Para muitos desses cristãos, aquilo a que nós chamamos o Antigo Testamento não era mais do que um repositório algo pitoresco de mitos e superstições do povo judaico: não era de se lhe dar crédito; e o Deus lá descrito não era – segundo eles pensavam – Deus.

Como facilmente se perceberá, os escritos «apócrifos» (ou seja, «secretos, escondidos») desses cristãos questionadores não agradaram às facções mais ortodoxas da hierarquia eclesiástica e, a partir do século IV, foram sendo suprimidos.

Os cristãos seguidores do cristianismo «certo» orientaram-se então por uma ortodoxia que lhes representava a ideia de Deus como um homem idoso de barbas brancas, ciumento e implacável – a imagem exacta, no fundo, de um déspota à escala humana.

Para darmos agora um salto de quase dois mil anos: muitos séculos depois, houve um Papa (cujo pontificado durou só um mês), que conseguiu imaginar algo de muito diferente, quando disse esta frase extraordinária: «Deus é Pai; mas mais do que isso é Mãe».

Este Papa foi João Paulo I (o italiano Albino Luciani, que morreu em 1978).

No apócrifo Evangelho de Tomé lemos que «O reino do Pai é semelhante a uma mulher. Ela tomou um pouco de fermento, escondeu-o na farinha e fez pães grandes» (Tomé 96).

Repare-se como a frase é diferente do que lemos nos evangelhos canónicos de Mateus e Lucas, onde se diz que «O reino dos céus é semelhante a FERMENTO que uma mulher toma» (Mateus 13:33, Lucas 13:20-21). O Evangelho de Tomé obriga-nos a pensar no alcance de uma frase que diz «o reino do PAI é semelhante a uma MULHER».

Neste evangelho apócrifo, Salomé declara (por iniciativa própria) a Jesus o estatuto que nunca é dado a uma mulher nos evangelhos canónicos: o estatuto de discípula («Sou tua discípula!» Tomé 61). Também o apócrifo Evangelho de Pedro dá esse estatuto a Maria Madalena (Pedro 50).

No apócrifo Evangelho de Maria Madalena, não encontramos (pelo menos nos fragmentos conservados) a ideia de que Deus é um ente masculino: nesse evangelho (refiro-me só à parte que nos chegou), o que poderíamos mais imediatamente associar à ideia de Deus é designado por meio de uma expressão de género gramatical neutro: «o Bem» (em grego, «tò agathón», τὸ ἀγαθόν).

É incrível pensarmos que o Evangelho de Maria Madalena (descoberto no Egipto no final do século XIX) só foi publicado pela primeira vez em 1955 (haveria receio em divulgar o único evangelho cuja autoria – pelo menos a alegada – é atribuída a uma mulher?); o de Tomé (descoberto em 1945), só em 1959. Quantas pessoas em Portugal conhecem estes textos?

Como é sabido, tenho dedicado a última dezena de anos ao estudo e à tradução da Bíblia – mas também a textos cristãos apócrifos que, apesar de não terem encontrado lugar na Bíblia, podem encontrar lugar nas mentes e corações de todos aqueles que pensam (voltando à frase de Hilary Mantel) que Deus não se limita àquilo que somos capazes de imaginar.

Assim sendo, temos de tentar imaginá-l’O de muitas maneiras – se calhar até de forma contra-intuitiva. Os evangelhos canónicos falam no risco de se pôr vinho novo em odre velho. Mas o apócrifo Evangelho de Tomé (47) vê um risco que os canónicos não referem: o de pôr vinho VELHO em odre NOVO.

Já pusemos Zeus de parte há muitos séculos. Mas Deus: ainda O procuramos, incessantemente.
(Na imagem: pormenor da Anunciação de Fra Angelico [Prado, Madrid].)

Frederico Lourenço, in fb de 26/09/2022

Devaneios cruzadísticos │ João de Deus

"Flores do Campo" é o titulo da obra do poeta português João de Deus, pedido com a resolução do passatempo de palavras cruzadas, referente ao mês de Setembro de 2022.


Participaram: Aleme; António Amaro; Antoques; Arjacasa; Bábita Marçal; Baby; Caba; Candy; Corsário; Crispim; El-Danny; Fumega; Gilda Marques; Homotaganus; Horácio; Jani; João Carlos Rodrigues; Joaquim Pombo; José Bento; José Bernardo; Juse; Mafirevi; Magno; Manuel Amaro; Manuel Carrancha; Manuel Ramos; Maria de Lourdes; My Lord; Neveiva; Olidino; O. K.; Paulo Freixinho; PAR DE PARES; Reduto Pindorama (Agagê, Joquimas e Samuca); Ricardo Campos; Rui Gazela; Russo; Salete Saraiva; Seven; Socrispim; Solitário; Somar; Virgílio Atalaya e Zabeli.

A todos, obrigado.

Até ao próximo. 

quinta-feira, 1 de setembro de 2022

Devaneios cruzadísticos │ João de Deus

João de Deus de Nogueira Ramos nasceu em São Bartolomeu de Messines, no dia 8 de Março de 1830. Morreu em Lisboa em 11 de Janeiro de 1896, hoje sepultado no Panteão Nacional. Foi um eminente poeta lírico, considerado à época o primeiro do seu tempo, e o proponente de um método de ensino da leitura, assente numa Cartilha Maternal por ele escrita (o homem do a, e, i, o, u.), que teve grande aceitação popular. Gozou de extraordinária popularidade, foi quase um culto, sendo ainda em vida objecto das mais variadas homenagens. E, todavia, está hoje muito esquecido e é justamente por isso que o AlegriaBreve lhe dedica o passatempo deste mês.

João de Deus foi considerado o poeta do amor. Nunca foi rico. Não foi político, não obstante uma passagem fugaz pelo Parlamento. E, todavia, foi uma grande figurada Cultura Portuguesa do Séc. XIX. Estudou Direito em Coimbra, para onde foi com 19 anos. Não gostava de estudar. Preferia a guitarra e os versos.

Bacharel em 1859, ao fim de 10 anos, com uma nota fraca, curso que se tirava em 4 anos! E com a ajuda, decerto, de alguns professores que tinham sido antigos companheiros. Ficou em Coimbra, a andar por ali. Mais tarde, veio para Beja e escreveu no jornal “Bejense”. Não era monárquico, não era republicano. Não obstante, muito contrariado, foi deputado. "Não votem em mim, não votem em mim", implorava ele…mas votaram. Foi deputado, mas não abriu a boca. Passava o tempo em tertúlias com os amigos no Café Martinho da Arcada. 

O que o impressionou foi o anafalbetismo da população portuguesa: 80% na Revolução Liberal, 75% na Implantação da República. Inventou o célebre Método de aprender a ler.

Assim nasceu a Cartilha Maternal. A 1ª edição foi em 1876, com muito sucesso. E outras se seguiram. Todos os anos, novas edições. Um êxito fulgurante que mudou a sua vida. 

No final de vida, uma grandiosa manifestação do povo, alegadamente por iniciativa dos estudantes de Coimbra. Um estudante de Coimbra, alegadamente o célebre Hilário, fez um discurso (“em nome de todo o povo, beijo a mão…”), ao qual o poeta respondeu de improviso:

Estas honras e este culto
Bem se podiam prestar
A homens de grande vulto.
Mas a mim, poeta inculto,
Espontâneo, popular...
É deveras singular
!

É assim que, neste mês, convido os meus amigos a solucionar este passatempo de palavras-cruzadas e encontrar, a final, o título (3 palavras nas horizontais) de uma obra do poeta português João de Deus (1830-1896).


HORIZONTAIS: 1 – Melindre [figurado]; Natas. 2 – Termo [figurado]; Cria. 3 – Agite; Mais [antiquado]. 4 – Manobra; Estima; Timão do arado. 5De + o [contracção]; Astúcia [figurado]. 6 – Estafe; Interjeição que exprime enfado [Angola]. 7 – Ecónomo; Interjeição designativa de agrado e aprovação [Guiné-Bissau]. 8 – Ulcera; Orla; Anexa. 9 – Interjeição que exprime alívio; Incorporas. 10 – Plano; Agradável. 11 – Teimara; Pessoa notável na sua especialidade [figurado, plural].

VERTICAIS: 1 – Esfomeado [Angola]; Automóvel [Angola, coloquial]. 2 – Imagem; Troçam de. 3 – Engano [figurado]; Sova; Muar. 4 – Dignidade militar entre os Turcos; Área de responsabilidade [sigla]; Pão [Moçambique]. 5 – Molhada; Sufixo nominal, de origem latina, que exprime a ideia de agente. 6 – Ema; Interjeição usada para exprimir admiração [Brasil]. 7 – Adivinha; Efeminada. 8 – Composição poética lírica de assunto elevado, própria para ser cantada; Fama [figurado]; Desaparece [Angola]. 9 – Símbolo de ruténio; Causa; Casas. 10 – Batata-doce [Angola]; Vão [figurado]. 11 – Emprego [Angola]; Unidas.

Clique Aqui   para abrir e imprimir o PDF.


Aceito respostas até dia 25 de Setembro, inclusive, por mensagem particular no Facebook ou para o meu endereço electrónico, boavida.joaquim@gmail.com. Em data posterior, apresentarei a solução, assim como os nomes dos participantes. 

Vemo-nos por aqui?

sexta-feira, 26 de agosto de 2022

Devaneios cruzadísticos │ Nuno Júdice

"Por Todos os Séculos" é o titulo da obra do poeta português Nuno Júdice, pedido com a resolução do passatempo de palavras cruzadas, referente ao mês de Agosto de 2022.


Participaram: Aleme; António Amaro; Antoques; Arjacasa; Bábita Marçal; Baby; Caba; Candy; Corsário; Crispim; Donanfer II, El-Danny; Elvira Silva; Fumega; Gilda Marques; Homotaganus; Horácio; Jani; João Carlos Rodrigues; Joaquim Pombo; José Bento; José Bernardo; Juse; Mafirevi; Magno; Manuel Amaro; Manuel Carrancha; Manuel Ramos; Maria de Lourdes; My Lord; Neveiva; Olidino; O. K.; PAR DE PARES; Reduto Pindorama (Agagê, Joquimas e Samuca); Ricardo Campos; Rui Gazela; Russo; Salete Saraiva; Seven; Socrispim; Somar; Virgílio Atalaya e Zabeli.
A todos, obrigado.
Até ao próximo.

domingo, 14 de agosto de 2022

Em Agosto com Nuno Júdice

Lição

(a Eugénio de Andrade)


É no verão que se aprende a poesìa,
disseste; e em cada um dos verões que a vida
nos traz, em que se aprende e desaprende
o mais certo, entre o amor e a morte,
que cada um tem de saber. No quintal,
onde já não existe a romãzeira da infância,
ouvindo o vento que sobe da terra, trazendo
um antigo furor de ervas e raízes; ou
no largo aberto para o tempo que foi,
e esse que há-de vir. Abro contigo o livro
branco de todos os lugares e de todos
os nomes: o livro da poesia, aprendida
com o desfolhar dos verões, enquanto
as mães se despedem da vida, e uma baça
adolescência se confunde com a névoa
de agosto. Leio devagar, como se
interpretasse, e um fogo embarcado
nos olhos enfunasse a mais obscura
das imaginações: o verso, aprendido
no leito da memória, no verão
em que se aprende a poesia, disseste.

«Aprendíamos a amar, aprendíamos/a morrer»
Eugénio de Andrade


Nuno Júdice in “Pedro, lembrando Inês”

segunda-feira, 8 de agosto de 2022

Em Agosto com Nuno Júdice

Exercício

Pego num pedaço de silêncio. Parto-o ao meio,
e vejo saírem de dentro dele as palavras que
ficaram por dizer. Umas, meto-as num frasco
com o álcool da memória, para que se
transformem num licor de remorso; outras,
guardo-as na cabeça para as dizer, um dia,
a quem me perguntou o que significavam.
Mas o silêncio de onde as palavras saíram
volta a espalhar-se sobre elas. Bebo o licor
do remorso; e tiro da cabeça as outras palavras
que lá ficaram, até o ruído desaparecer, e só
o silêncio ficar, inteiro, sem nada por dentro.

Nuno Júdice

quarta-feira, 3 de agosto de 2022

No mês de Agosto com Nuno Júdice

Até ao Fim

Mas é assim o poema: construído devagar,
palavra a palavra, e mesmo verso a verso,
até ao fim. O que não sei é
como acabá-lo; ou, até, se
o poema quer acabar. Então, peço-te ajuda:
puxo o teu corpo
para o meio dele, deito-o na cama
da estrofe, dispo-o de frases
e de adjectivos até te ver,
tu,
o mais nu dos pronomes. Ficamos
assim. Para trás, palavras e versos,
e tudo o que
não é preciso dizer:
eu e tu, chamando o amor
para que o poema acabe.

Nuno Judice in “Pedro, lembrando Inês”

segunda-feira, 1 de agosto de 2022

Devaneios cruzadísticos │ Nuno Júdice

Estando a decorrer, no ano em curso, comemorações dos 50 anos de Poesia de Nuno Júdice – um dos grandes poetas contemporâneos - é uma boa razão para o AlegriaBreve revisitar a sua vida e obra.

Poeta, ensaísta e ficcionista, Nuno Júdice nasceu na Mexilhoeira Grande, Portimão, Algarve, em 1949. Foi, até 2015, professor na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

Júdice desempenhou o cargo de director da revista literária Tabacaria (1996-2009), foi comissário para a área da Literatura da representação portuguesa na 49.ª Feira do Livro de Frankfurt.

Desempenhou, ainda,  funções como conselheiro cultural da Embaixada de Portugal em França (1997-2004) e director do Instituto Camões em Paris. Organizou a Semana Europeia da Poesia, no âmbito da Lisboa 94 - Capital Europeia da Cultura.

Atualmente, dirige a Revista Colóquio-Letras, da Fundação Calouste Gulbenkian.

Literariamente, estreou-se em 1972, há 50 anos, portanto,  com o livro de poesia "A Noção de Poema".

Ao longo da carreira literária, Nuno Júdice tem sido distinguido com diversos prémios, entre os quais o Prémio Rainha Sofia de Poesia Ibero-americana, em 2013, o Prémio Pen Clube, o Prémio D. Dinis da Casa de Mateus.

Assim, neste mês, convido os meus amigos a solucionar este passatempo de palavras-cruzadas e encontrar, a final, o título (4 palavras nas horizontais) de uma obra do poeta português Nuno Júdice (1949).


HORIZONTAIS: 1 – Silencio [figurado]; Pastagem comum [antiquado, plural]. 2 – Grande quantidade [gíria, plural]. 3 – Engatar; Mina. 4 – Preposição que designa lugar; Simples; Ocorrer. 5 – Avenida [abreviatura]; Inteiros; Símbolo de rádio. 6 – Aprovação; Elemento de formação de palavras que exprime a ideia de maçã. 7 – Acontecer; Dinheiro [figurado]; Aqueles. 8 – Suavidade [figurado]; Mana; Composição poética lírica de assunto elevado, própria para ser cantada [Literatura] 9 – Desgastar; Sacrifício [figurado]. 10 – Eras. 11 – Diz-se de órgão vegetal com as bordas desiguais [Botânica, feminino]; Salvo.

VERTICAIS: 1 – Esconde; Força. 2 – Ralé. 3 – Voo; Sincero. 4 – Abismo; Segura; Raso. 5 – Orçamento Rectificativo [sigla]; Famas; Para aqui. 6 – Preposição que exprime junto de; Que é proibido em função do seu carácter impuro [Religião]. 7 – Prefixo que exprime a ideia de movimento; Reuni; Descobri. 8 – Ofertas; Graça [figurado]; Resplendor [figurado]. 9 – Gastas; Empreenda. 10 – Idade. 11 – Tangera; Trabalho de noite.

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Aceito respostas até dia 25 de Agosto, inclusive, por mensagem particular no Facebook ou para o meu endereço electrónico, boavida.joaquim@gmail.com. Em data posterior, apresentarei a solução, assim como os nomes dos participantes. 

Vemo-nos por aqui?