Há cerca de um mês, a RTP-2 apresentou, com toda a justiça, no programa GRANDES LIVROS, 2ª Série, o livro Bichos, de Miguel Torga, editado em 1940, reeditado, mais tarde, em traduções sucessivas para variadíssimas línguas. Animais com sentir humano ou seres humanos vestidos de animais. Homens que são bichos e bichos que são seres humanos. Nero conta-nos a última hora de um cão. Morgado é a história do burro que, após uma vida de trabalho, é abandonado pelo dono. Tenório é a história do galo que é confrontado com o seu declínio. Mago é a história do gato que se deixou domesticar pela dona. Miura é a história do touro que, já vencido, se entrega à espada. Madalena é a história de uma mulher de Trás-os-Montes que se isola para dar à luz. Estas são algumas das histórias do livro que nos fala da perda da essência humana.
O último conto do livro conta a história do Vicente. Vicente é um corvo que, inconformado, foge da Arca de Noé e que, em luta com o Criador, não se rende.
O conto baseia-se no episódio bíblico da Arca de Noé. Deus, zangado com a conduta dos homens, decide puni-los. Mas que tinham a ver os bichos com as fornicações dos homens? Vicente, incorformado, decorridos 40 dias após a entrada na Arca, resolve fugir. Abre as asas e vai «de encontro à imensidão terrível do mar».
Diz Torga que «o seu gesto foi, naquele momento, o símbolo da universal libertação».
O patriarca Noé, então com seiscentos anos de idade, é interpelado pelo Criador para prestar contas acerca da localização do seu servo Vicente. Não resta outro caminho ao patriarca senão ir procurá-lo. A Arca navega então pelos mares, «carregada de incertezas e terror. Iria Deus obrigar o corvo a regressar à barca? Iria sacrificá-lo, pura e simplesmente, para exemplo?».
À vista, as águas cobriam já toda a terra, à excepção de um pequeno penhasco. Mas, à medida que as águas cresciam, esse pequeno outeiro ia diminuindo. Restava dele apenas o topo, «sobre o qual, negro, sereno, impávido, permanecia Vicente. Escolhera a liberdade e aceitara desde esse momento todas as consequências da opção. Olhava a barca, sim, para encarar de frente a degradação».
No espírito de cada um, este dilema apenas: «ou se salva o pedestal que sustinha o Vicente, e o Senhor preservava a grandeza do instante genesíaco - a total autonomia da criatura em relação ao Criador-, ou, submerso o ponto de apoio, Vicente morria, e o seu aniquilamento invalidava essa hora suprema».
Suspense. «Três vezes uma onda alta, num arranco de fim, lambeu as garras do corvo, mas três vezes recuou. A morte temia a morte. Finalmente, o Senhor cedeu. Nada podia contra aquela vontade inabalável de ser livre!. Para salvar a sua própria obra, o Criador fechou, por fim, as comportas do céu».
É deste duelo entre Deus e um corvo, que queria alcançar a sua própria liberdade, se percebe a mensagem de os Bichos.
O último conto do livro conta a história do Vicente. Vicente é um corvo que, inconformado, foge da Arca de Noé e que, em luta com o Criador, não se rende.
O conto baseia-se no episódio bíblico da Arca de Noé. Deus, zangado com a conduta dos homens, decide puni-los. Mas que tinham a ver os bichos com as fornicações dos homens? Vicente, incorformado, decorridos 40 dias após a entrada na Arca, resolve fugir. Abre as asas e vai «de encontro à imensidão terrível do mar».
Diz Torga que «o seu gesto foi, naquele momento, o símbolo da universal libertação».
O patriarca Noé, então com seiscentos anos de idade, é interpelado pelo Criador para prestar contas acerca da localização do seu servo Vicente. Não resta outro caminho ao patriarca senão ir procurá-lo. A Arca navega então pelos mares, «carregada de incertezas e terror. Iria Deus obrigar o corvo a regressar à barca? Iria sacrificá-lo, pura e simplesmente, para exemplo?».
À vista, as águas cobriam já toda a terra, à excepção de um pequeno penhasco. Mas, à medida que as águas cresciam, esse pequeno outeiro ia diminuindo. Restava dele apenas o topo, «sobre o qual, negro, sereno, impávido, permanecia Vicente. Escolhera a liberdade e aceitara desde esse momento todas as consequências da opção. Olhava a barca, sim, para encarar de frente a degradação».
No espírito de cada um, este dilema apenas: «ou se salva o pedestal que sustinha o Vicente, e o Senhor preservava a grandeza do instante genesíaco - a total autonomia da criatura em relação ao Criador-, ou, submerso o ponto de apoio, Vicente morria, e o seu aniquilamento invalidava essa hora suprema».
Suspense. «Três vezes uma onda alta, num arranco de fim, lambeu as garras do corvo, mas três vezes recuou. A morte temia a morte. Finalmente, o Senhor cedeu. Nada podia contra aquela vontade inabalável de ser livre!. Para salvar a sua própria obra, o Criador fechou, por fim, as comportas do céu».
É deste duelo entre Deus e um corvo, que queria alcançar a sua própria liberdade, se percebe a mensagem de os Bichos.
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