Após talvez 20 anos voltei a (re)ler "A Síbila", de Agustina Bessa Luís, a obra que a lançou como escritora, inaugurando uma forma de narração que a consagrou como uma das mais criativas escritoras da língua portuguesa.
Agustina Bessa Luís nasceu em Vila Meã, Amarante, no dia 15 de Outubro de 1922, tendo vivido sempre na cidade do Porto. Desde Julho de 2006, Agustina Bessa-Luís deixou de escrever e retirou-se da vida pública, devido a razões graves de saúde. Como escreveu Eduardo Lourenço, "Agustina jaz no seu leito em sua própria casa".
A obra da Agustina vai buscar as pessoas que conheceu quer no meio onde nasceu quer na cidade do Porto. Descreve personagens que conheceu e que ela transfigura para o papel. Inovou e inaugurou, para si, uma forma de narração.
Essa escrita assenta em 3 pilares:
- A importância do universo feminino (as personagens são fundamentalmente femininas);
- As recordações;
- O discurso frequentemente repetitivo, mas que acrescenta sempre um lado novo.
Estes vectores percorrem toda a sua obra, com cambiantes, com diferenças ainda que com alguma evolução.
A Mulher é recorrente nas suas obras, seja ela a mulher do presente, seja a mulher do passado. Mas, apesar de ela ser mulher, nem sempre a trata de forma benevolente. As personagens femininas de Agustina são complicadas, trabalhadas, sem ingenuidade. Personagens femininas que governam a sociedade em que estão inseridas.
As recordações levam-na a um discurso torrencial, recordando personagens do passado e do presente, por vezes a personagens longínquos com recurso a testemunhos. Vai buscar recordações quer ao passado recente, quer ao passado distante. A recordação é fundamental porque as personagens do presente se estruturam através do passado, isto é, o passado legitima o presente, como o presente legitima o passado.
O discurso é frequentemente repetitivo, embora sempre acrescentando mais alguma coisa. A repetição aparece em todos os textos de Agustina. É possível ver um episódio narrado muitas vezes. Mas, vendo bem, não é o mesmo, é o mesmo sendo outro. Como a narração tem relatores diferentes, logo têm uma focalização diferente. O episódio é necessariamente outro. De sublinhar, sobretudo, que a repetição não é circular, é uma repetição em espiral, isto é, acrescentando sempre algo de novo.
Catalogado como um livro difícil, denso, odiado por muitos, elevado ao estatuto de obra-prima por outros, “A Síbila” é uma reflexão sobre a vida (nascer, viver, morrer, é esse o destino de todo o ser humano), através de uma narrativa extremamente irónica e arguta. Agustina diz aquilo que as pessoas têm em mente e ainda não conseguiram verbalizar. E ela consegue, usando uma técnica narrativa muito própria, distante de qualquer escola literária.
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