Adversários e críticos da sua obra teve alguns, mesmo confrades. Eça e Camilo são as duas grandes referências literárias do século XIX, mas as relações entre ambos nunca navegaram em boas águas.
Curiosa uma anotação, nada simpática, que Camilo deixou no romance “A Relíquia”. Escreveu: «Este livro tem duas partes: a primeira, é uma porcaria; a segunda: uma maçada, uma xaropada hiperbólica, inenarrável...».
Porventura injusta, porque não disse que o livro está muitíssimo bem escrito. Entre os dois escritores, havia uma diferença de apenas 20 anos de idades, mas eram muito diferentes e não gostavam um do outro.
Em 1888, envolvido no lançamento da Revista de Portugal, Eça precisava de colaboradores e não teve outra alternativa que não fosse escrever a amigos e inimigos. Até a Camilo pediu que escrevesse um artigo para a revista, explicando por que o fazia.
Sofrendo já da depressão que o conduziria ao suicídio, Camilo não lhe respondeu.
A carta é esta:
A Camilo Castelo Branco
16, Rue de Berri - Paris, 18 de Novembro de 1888
Ex.mo Sr. e meu prezado confrade
Escrevo a V. Ex.ª em favor duma tentativa que se vai fazer, para criar entre nós uma grande e séria publicação mensal, uma Revista onde sejam representadas dum modo mais completo, firme e metódico do que até agora se tem realizado, as feições diversas do nosso movimento intelectual. Acima dos partidos, das escolas, dos currículos, de tudo quanto é limitado e transitório, a Revista de Portugal pretende ser a expressão fiel da nossa actividade na criação literária, na invenção artística, na investigação histórica, na observação científica, na análise crítica, em tudo quanto é do domínio do espírito, ou imaginando ou estudando. Para isto, a Revista de Portugal aspira reunir na sua colaboração, todos aqueles que entre nós superiormente valem pela vastidão da cultura geral, pela especialidade do saber, ou pelas altas faculdades criadoras. Ora, se a um tal rol de colaboradores, numa revista portuguesa, faltasse o nome tão glorioso de V. Ex.ª - esse rol ficaria inteiramente incompleto e com uma lacuna que muito lhe faria perder da sua importância e do seu brilho. Confiando pois que V. Ex.ª mesmo reconhecerá que todo o auxílio é devido a uma obra destas, obra até certo ponto nacional e empreendida para honra e elevação das letras portuguesas, venho rogar a V. Ex.ª que me permita inscrever o seu nome na lista dos nossos colaboradores, que, cada dia, se vai desenrolando, mais brilhante e mais larga.
Sei, tenho sabido, com inquietação e mágoa, que a saúde de V. Ex.ª nestes últimos tempos se tem ressentido da sua longa vida de reclusão e de trabalho.
Mas um espírito como o de V. Ex.ª, quando, como o de V.Ex.ª, conserva tão inalteravelmente o viço e o vigor, sai facilmente vitorioso dos desfalecimentos do corpo e tenho a certeza de que brevemente V. Ex.ª poderá honrar a Revista com uma coadjuvação activa, como desde já profundamente a honraria, autorizando-me a pôr o seu nome, à frente e no lugar melhor, entre o dos seus redactores.
Aproveito com alvoroço esta ocasião para afirmar a V. Ex.ª a calorosa sinceridade com que sou
De V.Ex.ª, caro confrade
Grande admirador e respeitador
EÇA DE QUEIROZ
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