Na nossa peregrinação pela Terra, num breve instante que é o milagre da vida, vamos deixando pedaços do nosso coração aqui e acolá. Nuns casos mais, noutros menos. É o caso da minha passagem pelas Mabubas, uma localidade perto de Luanda, nos distantes anos de 1973/1974.
Deixo aqui um testemunho de alguém, militar como eu, que passou pela mesma experiência e que subscrevo inteiramente.
[…] Mabubas é um local de beleza inexplicável. Uma barragem que fornece a Luanda uma quantidade limitada de energia eléctrica e sustenta as águas, por vezes revoltas, do rio Dange. A represa de água é majestosa e bela. Alarga-se por vários quilómetros quadrados de extensão e alberga uma infinidade de animais que vão das dezenas de qualidades de peixes, a jacarés e lagostins.
Junto à barragem cresceu uma pequena povoação que se alongava ladeando uma única rua que descia por cerca de uns 400 metros de comprimento desde a portada - sempre guardada por militares que controlavam vinte e quatro horas por dia todas as entradas e saídas - até ao paredão que sustinha toda aquela mole imensa de água.
Toda esta estrutura estava cercada por uma fiada de arame farpado electflficado que por sua vez era protegida por mais duas linhas de arame farpado simples, uma de cada lado. A comunidade de civis que ali vivia era na sua esmagadora maioria de raça branca constituída por funcionários da barragem e de uma fábrica de cerâmica das proximidades.
As estruturas do quartel misturavam-se com as casas dos civis, numa miscelânea difícil de separar, confundindo-se com estas. Na correnteza de casario que ladeava a rua em ambos os lados, com as casas pegadas umas às outras, uma era, por exemplo, a messe de Sargentos, a seguinte a do senhor Joaquim e a outra a messe de oficiais. A interação com a população era total e a relação de autêntica vizinhança de aldeia.
Vista de longe, Mabubas parecia um presépio que se debruçava sobre a extensa represa.
Mas, a maior beleza das Mabubas eram os 60 Km de distância a Luanda e a possibilidade de os percorrermos em quarenta minutos sempre que quiséssemos... e tal fosse possível...[…]
Pedro C., in "Capitães do Vento"