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domingo, 30 de junho de 2013

O vale da paixão

Li desenfreadamente as últimas páginas de “O Vale da Paixão”, de Lídia Jorge. O romance, escrito em 1998, foi galardoado com vários prémios. Muito justamente, aliás. “O Vale da Paixão” é uma história complexa de várias paixões. É a escrita de uma história de amor e ressentimento entre uma filha e um pai, a quem se obrigou a tratar por tio.

A narradora coloca-nos no momento final da história. É muito curioso que Lídia Jorge se tenha inspirado na “Aparição”, de Vergílio Ferreira, autor, aliás, pelo qual ela nutria admiração. Nenhum mal. Em “Aparição, o autor começa e finaliza o romance com a seguinte frase: «Sento-me aqui nesta sala vazia e relembro».

Em “O Vale da Paixão”, escreve a narradora ao início «E foi assim que aconteceu». É partir deste momento temporal que, em analepse, ela conta toda a história. O momento do discurso é, aliás, profusamente recordado ao longo da narrativa, já que se repete insistentemente: «Conto-o para que Walter saiba» ou «Lembro-o para que Walter, esta noite, saiba» ou simplesmente, «esta noite». 

E qual é a história deste fascinante romance? O livro dá-nos o retrato impressivo de uma família rural algarvia. A acção desenrola-se na aldeia de Valmares ou São Sebastião de Valmares, uma campina entre a serra e o mar. É a história da família Dias, à volta do patriarca, Francisco Dias, mas, no fundo, no fundo, a personagem principal há-de ser o filho mais novo, Walter Dias, o rebelde. 

Walter Dias, qual bandoleiro, há-se incendiar a campina, despertando amores e ódios. Numa das suas aventuras, ainda antes de sair de Valmares, engravida uma rapariga, mas entretanto é enviado para a tropa e prefere ir para a Índia cumprir serviço militar do que regressar à aldeia e casar.

Ema Baptista há-de casar com o filho mais velho, Custódio, para ser salva a honra do clã Dias. Há-de nascer uma rapariga, a narradora do romance, que participa como personagem (inominada). Simplesmente, a filha ou a sobrinha. 

Walter Dias corre o mundo, mas, de tempos a tempos, regressa a Valmares. Só desejado por alguns,  é um desassossego. Ema Baptista fica doente de cama, durante vários dias, quando ele parte. Para a filha, de quem nunca se sabe o nome, Walter é o Sol, «vejo-o como uma luz». Também ela, como a mãe, não suportou a partida. Ela tinha querido que ele a levasse a correr mundo, «mas eu ainda desci, ainda me coloquei no caminho. Ainda pûs o meu corpo diante das rodas e ele ainda saiu do carro». 

A filha de Walter gostaria de ter sido uma imitação do anjo rebelado. Ele era um sedutor, mas errava pelo mundo. Depois de 63, ele nunca mais voltou a Valmares.

Com o tempo, ela percebeu que não podia continuar a viver se não "aniquilasse" a vida de Walter. Começou o trabalho de traça, de espia.

Foi assim que ela iniciou um texto sobre Walter Dias. Uma espécie de catarse. Escreveu três narrativas para o atingir. O objectivo seguinte era entregar-lhe as narrativas em mão, cara a cara. Mas como? Nem sequer sabia onde ele se encontrava. As investigações foram demoradas mas acabaram por ser fornecidas pela Embaixada da Argentina. Walter encontrava-se, desde 81, nas terras do Fim do Mundo. 

Finalmente, estava frente-a-frente com o homem sedutor. Ele leu, mas não gostou. Ficou em fúria, - «Fora, fora!» - disse ele. Não gostou de ouvir as verdades. Mas a filha, de quem não se sabe o nome, encontrava-se finalmente pacificada. 

Anos mais tarde, há-de receber a notícia da morte de Walter Dias e, dias depois, um pacote postal. No interior do embrulho, uma manta e no meio desta uma tarjeta escrita: - «Deixo à minha sobrinha, por única herança, esta manta de soldado». A manta estava muito surrada, mas limpa. Era do tempo do soldado recruta Walter Dias, no RI 16, em Évora, em 45, na véspera de ele embarcar para a Índia.

A filha de Walter há-de encontrar um palmo de terra, entre as árvores do jardim da casa, para fazer, ela mesma, uma cova para enterrar a manta. Não chega ao fim, porém. Serenamente, Custódio chega junto dela e tira-lhe a enxada das mãos e ele mesmo empurra a terra, acama-a e alisa-a.

A manta está finalmente enterrada. A manta é grande metáfora da viagem, da grande viagem do «trotamundos”.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Uma sepultura romântica

A Maria Eugénia, que pertence ao meu Grupo de Leitura, foi professora primária. Há tempos, disse que se lembrava da estrofe de um poema, mas não sabia o resto e não sabia o nome do autor.

Uma busca na INTERNET deu, como quase sempre acontece, a solução. O poema chama-se “Lembras-te, amor?”. O autor é Miguel Trigueiros, um ilustre desconhecido, pelo menos para mim. O poema é este:

Lembras-te, amor?

Lembras-te, amor? No alvor do casamento,
baixou sobre nós dois a luz dos céus.
Nossos olhos beijaram-se um momento;
E fizemos, então, o juramento:
- "Só um do outro, e os dois de DEUS!»

Lutei para cumprir o prometido.
Meu corpo e a minha alma são só teus.
Quando a voz das paixões me traz vencido,
A voz do amor segreda-me ao ouvido:
- "Só um do outro, e os dois de DEUS!"

À minha volta soa, noite e dia,
A risada escarninha dos ateus...
Cravam-me os estiletes da ironia;
Eu calo e rezo a minha litania:
- "Só um do outro, e os dois de DEUS!"

Cerca-me a tentação, velha serpente,
Escondem-me o horizonte negros véus.
Que importa, meu amor? Teimosamente
Hei-de gritar à vida, frente a frente:
- "Só um do outro, e os dois de DEUS!"

E amanhã, quando a morte, de mansinho,
Vier pedir ao mundo o nosso adeus,
Hão-de os anjos cantar devagarinho:
"Terão na eternidade um só caminho;
Pois são só um do outro, e os dois de DEUS!"



Na passada terça-feira, a cena repetiu-se. A Maria Eugénia voltou a dizer que se lembrava de uma quadra, mas não sabia o resto do poema, nem quem era o autor. 

Nem eu, nem mais ninguém do Grupo, conhecia a quadra. Como sempre, a INTERNET deu a resposta, sem nenhuma dificuldade. Amanhã, quando eu lá chegar para mais uma sessão do nosso G.L., posso (como dizem os apresentadores dos programas da manhã aos convidados que procuram parentes que não vêem há muitos anos), dizer à Maria Eugénia: “Minha amiga, tenho notícias para lhe dar”.

O poema, afinal, é do poeta Antero de Quental. Não é dos poemas mais conhecidos, mas mostra-nos um poeta profundamente inquieto.

Sepultura romântica

Ali, onde o mar quebra, num cachão
Rugidor e monótono, e os ventos
Erguem pelo areal os seus lamentos,
Ali se há de enterrar meu coração.

Queimem-no os sóis da adusta solidão
Na fornalha do estio, em dias lentos;
Depois, no inverno, os sopros violentos
Lhe revolvam em torno o árido chão...

Até que se desfaça e, já tornado
Em impalpável pó, seja levado
Nos turbilhões que o vento levantar...

Com suas lutas, seu cansado anseio,
Seu louco amor, dissolva-se no seio
Desse infecundo, desse amargo mar!

domingo, 23 de junho de 2013

Odisseia dum rio


Já Bertolt Brecht disse um dia: "Do rio que tudo arrasta se diz que é violento / Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem.

O meu amigo Joaquim Mendes Gomes, que agora tem todo o tempo do mundo para poetar, fala-nos de um rio que, descendo a encosta, salta abruptamente, “sem medo, de escarpas, quando a terra traquina lhe falta à frente”.

Os rios, como as pessoas, desde que nascem até que morrem, fazem viagens que são verdadeiras odisseias.


Odisseia dum rio

Debaixo duma rocha,
perdida no alto dum monte,
brota uma fonte pura
de água que corre incessante.

Desce a encosta,
riscando no chão
o caminho que segue.
Como é natural.

Em meandros suaves.
Depois, saltando abrupta,
sem medo, de escarpas,
quando a terra traquina
lhe falta à frente.

Espuma de raiva e alegre,
quando bate no chão.

Afunda e alastra-se
em lagos que enche.
Parecendo um mar.
E, à frente, rompe e avança,
caminha, de novo,
por campos, regados de verde,
banhando, contente quem passa.
Atravessa e abraça aldeias de gente,
ligadas por pontes.

Alimenta incessante, com força,
as pás dos moinhos,
que geram farinha de graça.

Em se sentindo cansada,
se estende e alarga,
formando amplos açudes,
com areia de praia,
e sombra de ramos com folhas.
Regalo das gentes,
nas tardes de sol.

E, assim, aquele fio tremente,
de água, nascente,
segue e avança,
correndo,
aparentemente sem rumo,
mas sabendo bem onde vai...

Mafra, 20 de Junho de 2013
7h39m
Joaquim Luís Monteiro Mendes Gomes




domingo, 16 de junho de 2013

A Cidade de Ulisses, de Teolinda Gersão


Acabei de ler o romance “A Cidade de Ulisses”, de Teolinda Gersão, que eu adquiri, este ano, na Feira do Livro de Lisboa. 

Trouxe de lá o livro com o seguinte autógrafo da autora: «Para o Joaquim, esta história de amor passada em Lisboa, que é também uma história de amor por Lisboa, com votos de felicidades e um abraço, da Teolinda Gersão, 25/5/2013».

É, em primeiro lugar, uma história de amor por Lisboa. A cidade de Lisboa está, sem dúvida, no centro romance. O nome escolhido para o livro – A Cidade de Ulisses - parece irrecusável, porque, há pelo menos dois mil anos, surgiu a lenda de que fora Ulisses a fundar Lisboa. Segundo a lenda, Ulisses dera a Lisboa o seu nome, transformada depois em Olisipo. O nome da cidade de Lisboa está assim, indissociavelmente, ligado à figura lendária de Ulisses.

E as marcas do mito na cidade de Lisboa são muitas: A Torre de Ulisses no Castelo de São Jorge; a Livraria Olisipo no Largo da Misericórdia; a editora Ulisseia; a Editora Ulissipo do “empreendedor” Fernando Pessoa, e outras memórias…

É, em segundo lugar, uma história de amor passada em Lisboa. É uma história de amor em que, tal como na Odisseia de Homero, Paulo Alves (Ulisses) vive apaixonado, durante algum tempo, com Cecília Branco (Calipso), mas volta finalmente para Sara (Penélope), a mulher amada, que esperou por ele a vida inteira.

Foi assim que eu vi esta história de amor, guiado, aliás, pela mão da narradora. Foi ela que escolheu o final, não fui eu. Vale a pena ler!

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Pessoa, o poeta que viveu só


Fernando Pessoa, nasceu a 13 de Junho de 1888, em Lisboa. Há, precisamente, 125 anos. Hoje, por isso, é dia de aniversário. E no entanto mais apetece dizer o que Almada Negreiros disse a propósito de Camões, em “A cena do ódio”. Parafraseando Almada, podíamos dizer “a pátria onde Pessoa morreu só e onde todos enchem a barriga de Pessoa". A ironia está em celebrar o seu nascimento, quando se sabe que ele morreu no mais discreto isolamento.

No final de vida, Pessoa passava longas temporadas completamente só naquele primeiro andar da Rua Coelho da Rocha. Quando a crise chegou, naquela noite, de 27 para 28 de Novembro de 1935, ele estava sozinho no seu quarto, completamente só em casa. Por ordem do médico foi levado para o Hospital de S. Luís dos franceses. Quando fechou os olhos, e segundo testemunho do seu biógrafo João Gaspar Simões, junto dele apenas estavam três pessoas: o capelão, a enfermeira e o médico. Morreu só, como sempre viveu. 

A cerimónia fúnebre foi discreta, e as lágrimas poucas ou nenhumas — «Descansa, poucos te chorarão...», dissera ele um dia ao seu amigo Álvaro de Campos. Alguns velhos companheiros, os velhos companheiros que restavam do Orpheu, alguns admiradores novos, um ou outro dos seus patrões (Luís Moutinho), o barbeiro seu amigo. 

Como julgava Pessoa que ia ser (ou não) lembrado? Escreveu ele:

[…]
E a vida de todos os dias retoma o seu dia...
Depois, lentamente, esqueceste.
Só és lembrado em duas datas, aniversariamente,
Quando faz anos que nasceste, quando faz anos que morreste.
Mais nada, mais nada, absolutamente mais nada.
Duas vezes no ano pensam em ti.
Duas vezes no ano suspiram por ti os que te amaram, 
E uma ou outra vez suspiram se por acaso se fala em ti.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

O Deão Boavida


Há dois dias, falei aqui de D. Jorge da Costa, O Cardeal de Alpedrinha, figura eminente da História de Portugal, natural de Alpedrinha. Todavia, esta terra, vizinha da minha aldeia natal, viu nascer outra figura notável: o Cónego Dr. António José Boavida, mais conhecido por Deão Boavida.

É esta figura, importante, sobretudo, no desenvolvimento da sua terra e das suas gentes, que eu gostaria de dar, aqui, a conhecer, através do testemunho de Joaquim Candeias da Silva, Doutor em Letras, professor aposentado, da Academia Portuguesa da História. 

Trata-se de um texto com o título “O Deão Boavida – Uma outra estrela da Beira que se extinguiu há cem anos”, aquando do seu centenário, publicado no “Jornal do Fundão”, de 19/8/2010.


«O Deão Boavida, de Alpedrinha – Uma outra estrela da Beira que se extinguiu há 100 anos

Depois da morte do celebérrimo e omnipresente Cardeal de Alpedrinha, cujo centenário (o quinto) se comemorou por cá há dois anos com alguma pompa e circunstância, chegou agora a vez de lembrarmos outra figura notável destas bandas: o Cónego Dr. António José Boavida, mais conhecido por Deão Boavida. É certo que não chegou aos píncaros da hierarquia nem da fama, não competiu com poderes instalados, não acumulou prebendas nem fortuna, mas teve sobre estas terras e gentes uma influência positiva enorme, muito contribuindo para o seu desenvolvimento.

Já o destacara Salvado Mota, nos seus “Alpetrinienses Ilustres” (1929), obra valiosa em que elencou largas dezenas de figuras distintas, verdadeira constelação de pequenas estrelas que nos diversos ramos do saber se foram libertando da lei da morte... Mas, se ao nível da micro-história, da história imediata e da factologia, o biógrafo e historiador de Alpedrinha captou bem a realidade, faltou o longo alcance, a visão panorâmica, porque nesta a dimensão humana, social, cultural e mesmo política do Deão ultrapassou de longe a coutada paroquial ao sul da Gardunha. E direi mesmo – já o escrevi noutra ocasião – que já tarda e nos faz falta um memorial, um estudo biográfico tão completo quanto possível deste Homem e deste Português de excepção. 

Em traços muito sintéticos, foi este o seu percurso. Depois do nascimento (1838) e da infância na terra do Cardeal, no seio de uma família numerosa e abastada, rumou a Coimbra (1854) em cuja universidade se formou com brilhantismo em Teologia (1860), logo se ordenando de presbítero. E depressa o seu nome começou a impor-se como espírito culto e orador sacro. O mote para o estrelato tê-lo-á dado ainda em Alpedrinha, ao fundar e dirigir um semanário que depressa galgou fronteiras e que significativamente intitulou de “Estrela da Beira” (1864-1868), se bem que já antes tivesse realizado acções de relevo. Em 1863, por exemplo, estando em Castelo Branco, foi ele o escolhido para pregar na sé o sermão gratulatório pelo nascimento do Infante D. Carlos (futuro rei). Foi depois comissário dos Estudos e reitor do Liceu de Castelo Branco. A partir daí foi um contínuo fluir de sucessos... 

Teve, entre outros cargos e títulos, os de deputado (em 1870 e legislaturas seguintes, por diversos círculos), par do Reino, vigário capitular e governador do bispado de Beja (1871-83), desembargador da cúria patriarcal, cónego, arcipreste e deão (i.é, presidente do cabido) da sé de Lisboa. Mas terá sido como Superior do Real Colégio das Missões de Cernache do Bonjardim (1885-1910) que o seu génio e a sua acção ímpar mais se fizeram respeitar e admirar, deixando para sempre marcas indeléveis na instituição. Conseguiu aumentar os recursos financeiros, elevar para mais do dobro o número de alunos e as ordenações, bem como o envio de missionários para todas as colónias portuguesas, enfim, dar visibilidade externa e fama ao Colégio, ao mesmo tempo que internamente procurava dar um carácter mais experimental e actualizado ao ensino praticado. Conforme registava a revista Annaes das Missões (I, 1889), também por ele fundada, estava seguro de que «a fé não exclui a ciência, que o dogma não contraria o progresso»... 

Na secular existência daquele seminário, os 25 anos da sua direcção foram, sem dúvida, a fase de maior brilho e projecção. Foram aos milhares os alunos que de todo o país, e especialmente da Beira Baixa, acorreram a Cernache; e não só em vida do Deão, mas também depois da sua morte e mesmo após a laicização do seminário com a instauração da República ou a erecção do seminário das Missões de Tomar (1922), que foi uma via supletiva de Cernache. E uma prova inequívoca dessa força revitalizadora, dessa chama imensa que advinha dos bons tempos do Deão, pode ver-se na origem geográfica dos primeiros seminaristas de Tomar (1922-1930): 61% dos matriculados eram do distrito de Castelo Branco, aquele a que pertencia Cernache; os seis concelhos nacionais que deram mais alunos eram deste distrito, a saber, Fundão (42), Proença e Sertã (35 cada), Covilhã (30), Idanha (29) e Castelo Branco (26). E o Fundão à cabeça, bem destacado, porquê? A meu ver, pela fama gerada pelo Dr. Boavida e pelo seu círculo de influências. 

Seria muito interessante analisar a listagem de matrículas, dos alunos deste concelho ou dos concelhos vizinhos que por aquelas casas de formação foram passando. As listas de Tomar estão publicadas; as de Cernache do Bonjardim não, mas folheei-as e fiquei admirado com o que vi. A esmagadora maioria dos alunos (mais de 90%) ficaria pelo caminho, seguindo outros destinos que não a vida religiosa. Mas detectamos entre eles muitos nomes conhecidos que singraram nas Letras e noutros ramos do Saber, gente de origem humilde das aldeias que de outra forma nunca teria estudado ou experimentado a abertura de novos horizontes, alternativos ao rame-rame da vida rural... E esse terá sido, quanto a mim, um dos principais méritos do Dr. António José Boavida, de Alpedrinha, que não tem sido posto em devido relevo: o de ter aberto a inúmeros conterrâneos ou co-provincianos janelas de oportunidade para o futuro. 

A dada altura, houve um escriba local que se queixou dele, porque sendo um alpedrinense (sic) tão influente não tinha conseguido restaurar o concelho de Alpedrinha!... Porém, não é minimamente verdade que ele se tenha alheado do progresso da sua terra. Pelo contrário, tanto esta como o concelho lhe ficaram a dever imenso (ao invés do famoso Cardeal, de quem não ficou memória de especial afeição à terra natal). Da sua acção política, resultaram, entre outros benefícios, a passagem por Alpedrinha da Estrada Real (Castelo Branco-Guarda), a ampliação do hospital local, o ensino primário feminino, obras nos banhos do Monte da Touca, a requalificação da Capela do Leão e da Casa da Comenda... E, por tudo o que fez, conforme alguém escreveu em 1905 a propósito do superior do Colégio das Missões e que o referido Salvado Mota aproveitou, o Deão Boavida «foi um espírito superior, alevantado e generoso, que no meio egoísta e estéril em que vivemos se impôs à admiração pública, reconhecendo-se nele um cidadão benemérito, que soube honrar o seu país com os mais notáveis e assinalados serviços.»

Segundo o seu assento de óbito, lavrado pelo vigário José António Proença e existente no Registo Civil do Fundão, faleceu na sua terra natal, pelas 11,30h da manhã do dia 18 de Agosto de 1910, na sua casa da Rua da Maravilha, com todos os sacramentos e sem testamento, indo a sepultar no cemitério público no dia seguinte. Foi, exactamente, há 100 anos. A Beira perdia uma estrela. Mas sob os céus de Portugal, e em particular da Gardunha, ficava para a posteridade um nome e uma obra, que a República próxima jamais conseguiria ofuscar. 


[Foto] – O Deão Boavida, ainda novo – Foi orador e escritor, deputado e par do reino, cónego, arcipreste, deão da sé patriarcal de Lisboa, e um modelar “superior” do Real Colégio das Missões.» 

segunda-feira, 10 de junho de 2013

A vida mais desgraçada que jamais se viu


Hoje é Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. Hoje é, portanto, Dia de Camões.
Todavia, muitos enigmas sobre a vida de Camões chegaram até hoje. E é, provavelmente, pouco o que sabemos da sua vida, em comparação com o que ignoramos. Começamos por não saber sequer o ano em que nasceu. Com alguma segurança, parece poder afirmar-se que nasceu em data que se deve compreender entre 1517 e 1525. Muitos estudos, nenhumas certezas. O final de vida será, porventura, mais conhecido, mas não deixa de apresentar incertezas. Segundo uns, Camões, já em Lisboa, vivendo de uma pequena pensão que o rei D. Sebastião lhe deu, era visto, frequentes vezes, junto da Igreja de São Domingos. Velho e alquebrado, movia-se com o amparo de muletas. Falava-se também nas humildes relações do Poeta no fim da vida, e ficaram de pé duas lendas cuja exacta significação está por determinar: a do escravo Jou, que pedia esmola para ele, e a de uma negra, que o protegeu e alimentou no fim da vida.

Apenas algumas semanas antes da sua morte escreveu Camões o soneto "Os Reinos e os Impérios Poderosos", já depois da batalha de Alcácer Quibir, em plena crise dinástica de 1580. Este soneto permite assim, segundo alguns biógrafos do poeta, fixar a data da morte em 1580, confirmando definitivamente a versão oficial, que se estabilizava na frágil base de um documento da burocracia régia.

Na época em que morreu, grassava violentamente em Lisboa uma epidemia de peste. O enterro fez-se «pobre e plebeiamente», como refere o biógrafo Pedro de Mariz, e o corpo foi lançado numa vala comum junto da igreja de Santana.

Nenhuma notícia ficou sobre o destino do seu espólio literário. Por maior que fosse a miséria, certamente viveria de papéis que em vida não pôde publicar. Nada se disse, nem então nem mais tarde, sobre o caminho levado por esse espólio, que revelaria segredos que havia poderosas forças interessadas em ocultar.

Hoje é o dia em que se comemora o nosso grande poeta Luís de Camões, aquele que, como ele próprio diz, teve «a vida mais desgraçada que jamais se viu»:


O dia em que nasci moura ou pereça
Não o queira jamais o tempo dar;
Não torne mais ao mundo, e, se tornar,
Eclipse nesse passo o sol padeça.

A luz lhe falte, o sol se [lhe] escureça,
Mostre o mundo sinais de se acabar;
Nasçam-lhe monstros, sangue chova o ar,
A mãe ao próprio filho não conheça.

As pessoas pasmadas, de ignorantes,
As lágrimas no rosto, a cor perdida,
Cuidem que o mundo já se destruiu.

Ó gente temerosa, não te espantes,
Que este dia deitou ao mundo a vida
Mais desgraçada que jamais se viu.

Luís de Camões

domingo, 9 de junho de 2013

D. Jorge da Costa, Cardeal de Alpedrinha



Acabo de ler o livro D. Jorge da Costa, Cardeal de Alpedrinha, da Profª Manuela Mendonça, numa edição da Colibri HISTÓRIA. Até aqui, o que eu sabia sobre esta figura da História de Portugal cabia em seis linhas de uma folha A4. E um conhecimento muito recente... 

Não obstante D. Jorge da Costa já ter sido objecto de estudo por vários autores, existem ainda muitas zonas de sombra. Certo, certo, sabemos que ele nasceu em Alpedrinha. E em que ano? Aqui começa a controvérsia. O ano de 1406 é uma data que é aceite pela maioria, fundamentada na lápide que, sobre o seu túmulo, o papa Júlio II mandou colocar: «(…) faleceu aos 102 anos de idade, em 1508». Todavia, a autora deste livro, refuta esta data e aponta o ano de 1416, como o ano mais compatível com os restantes dados biográficos de D. Jorge da Costa (a idade do seu pai, a data da sua ordenação, a diferença de idades com o irmão D. Martinho, etc…). Assim sendo, D. Jorge da Costa morreu quando tinha 92 anos e não 102. Mas subsistem ainda algumas questões que geram controversa: quem foram os pais? Qual respectivo estatuto social? Onde estudou? Quem o protegeu? 

Sobre estas matérias é maioritariamente aceite que os pais de D. Jorge foram Martim Vaz (almocreve) e Catarina Gonçalves (forneira). D. Jorge da Costa nasceu no seio de uma família muito pobre e teve muitos irmãos, alguns tiveram lugares importantes, também, na hierarquia da Igreja. D. Jorge da Costa terá partido ainda muito novo para Lisboa, tendo sido acolhido no hospital de Santo Elói, onde estudou “Latim, Filosofia & Theologia”. Foi importante e decisiva a ajuda do padre João Rodrigues (que ainda seria parente da família), admirado da agudeza de espírito do sobrinho Jorge. “Pegou-lhe na mão, e lá foi com ele a caminho de Lisboa, dando-lhe ingresso no colégio que ele dirigia”. D. Jorge, rapidamente, se evidenciou, porque era, na verdade, muito inteligente.

No ano de 1445, D. Jorge foi escolhido ou indigitado para mestre de D. Catarina, a filha mais nova do rei D. Duarte. Por empenhamento diplomático de D. Jorge da Costa, esta infanta teve dois casamentos acordados (Cortes de Castela e Aragão), mas falharam por morte do noivo. Ao terceiro casamento acordado (Inglaterra), também este não se concretizou, pois é ela que, desta vez, morreu antes. D. Jorge da Costa manteve com a sua discípula uma estreita ligação, que se prolongou até à morte desta, em 1463. Foi D. Jorge da Costa que providenciou a construção do túmulo, onde havia de ficar sepultada a Infanta, na Capela de Nossa Senhora da Glória. A amizade foi tão grande que, segundo certos autores, D. Jorge da Costa, em homenagem à infanta, escolheu para as suas “armas de fé” o distintivo da santa do mesmo nome da sua discípula, ou seja, Santa Catarina de Alexandria.

É, assim, que as armas do cardeal são “em campo azul simplesmente a roda das navalhas do martírio de Santa Catarina” e não aquelas que os seus familiares posteriormente adoptaram que, para além da roda das navalhas, contêem ainda “seis coostas de prata, postas 2, 2 e 2, firmadas nos flancos” O brasão do Cardeal pode ainda hoje observar-se na torre norte da Sé de Lisboa. É pelo brasão existente na capela da Santa Catarina, mais vulgarmente conhecida em Alpedrinha por Capela do Leão, que se pode concluir que a mesma não foi mandada edificar por D Jorge da Costa, ao contrário do que durante muito tempo se supôs. Com efeito, as armas ali representadas não são as suas, mas as que seus irmãos adoptaram.

D. Jorge da Costa teve uma longa vida. Na opinião desta autora, viveu 92 anos, menos 10 que outros autores lhe atribuem. Por isso, conheceu, em vida, 4 reis de Portugal: D. Duarte, D. Afonso V, D. João II e D. Manuel I.

Em relação a D. Duarte, não se conhecem quaisquer contactos. 

Entre D. Jorge da Costa e o rei D. Afonso V houve uma grande cumplicidade. D. Jorge da Costa, com a sua apurada perspicácia, colocou-se, desde logo, ao lado do rei Afonso V na luta deste contra o seu tio, o regente D. Pedro. É certo que foi seu confessor e capelão do rei. Tornou-se um homem imprescindível a D. Afonso V, levando este a escolhê-lo para Arcebispo de Lisboa. D. Jorge pertenceu ao Conselho do Rei e este, ao longo do tempo, concedeu-lhe vários títulos e honrarias. Uma das mais importantes foi a nomeação, em Março de 1479, como governador e protector da Universidade Portuguesa.

Já as relações de D. Jorge da Conta com o rei D. João II foram bastante complicadas. É conhecido o episódio da pedra atirada ao mar pelo ainda D. João, enquanto este passeava junto à marginal, em Santos, acompanhado pelo duque D. Fernando e pelo D. Jorge da Costa. D. João terá atirado a pedra após uma resposta do duque D. Fernando que não agradou ao futuro rei. O D. Jorge, perspicaz, comentou «…eu vos asseguro, duque, que ela não me dará na cabeça…». Pouco tempo depois, em 14 de Junho de 1480, partiu para Roma. Foi a sua sorte. O Duque acabou no cadafalso. Durante o tempo do reinado efectivo de D, João II (1481-1495), D. Jorge havia-se instalado definitivamente em Roma, não foram muitos os contactos ente eles. Contrariamente ao que alguns autores dizem, D. Jorge da Costa não se terá empenhado em destruir D. João II. Do ponto de vista institucional, sempre tentou viabilizar as pretensões do nosso rei junto da cúria papal. Em tudo, menos numa coisa. D. Jorge da Costa opôs-se sempre à pretensão do rei D. João II em concentrar os mestrados na pessoa de D. Jorge, seu filho bastardo, como primeiro passo para a entrega da própria coroa. Recorda-se que isto aconteceu depois da morte do Infante D. Afonso, que era o herdeiro legítimo à coroa. Donde, se poderá afirmar que D. Jorge, bastardo, só não foi rei, porque D. Jorge (Cardeal) o não consentiu. Daqui se infere a importância que este personagem teve em Portugal. Quase se pode dizer que D. Jorge da Costa decidiu dos destinos de Portugal. 

Em 1495, é aclamado rei D. Manuel I, antes duque de Beja, primo de D. João II. À partida, havia todas as condições para haver um bom relacionamento entre o rei e D. Jorge da Costa. De certa forma, este tinha aberto o caminho para a coroação do rei D. Manuel I, tendo-se oposto, com firmeza, à sucessão do filho bastardo de D. João II. Todavia, os anos em que a vida de D. Jorge da Costa coincidiu com o reinado de D. Manuel I caracterizaram-se por um clima de conflitos entre eles. Vários equívocos terão estado na base deste desentendimento. O que parece verdade é que D. Manuel I não tinha já confiança em D. Jorge da Costa, fosse pela sua idade avançada, fosse por qualquer outro motivo. 

Finalmente, salientar que D. Jorge da Costa também ficou na História por ter participado nos Conclaves que elegeram os papas Inocêncio VIII, Alexandre VI, Pio III e Júlio II. Ficou na história a confiança e a amizade que estes papas lhe dedicaram, sobretudo Alexandre VI e Júlio II. 

Resta-me agora, na primeira oportunidade, visitar a Capela de Santa Catarina (prefiro esta designação a Capela do Leão), em Alpedrinha, se ainda for possível, pois parece que a capela se encontra num estado degradante, sendo ainda de lamentar que os quadros, sobretudo um quadro a óleo de D. Jorge da Costa, que fazem parte do património da capela, não estejam a ser devidamente guardados.

Como se vê, não há dúvidas que o D. Jorge da Costa, O Cardeal de Alpedrinha, é, de facto, uma figura da História de Portugal que não deixa ninguém indiferente, pelas luzes e sombras que projecta...

sábado, 8 de junho de 2013

Um soneto inédito de Fernando Pessoa


O Rei

O Rei, cuja coroa de oiro é luz
Fita do alto do throno os seus mesquinhos.
Ao meu Rei coroaram-O de espinhos
E por throno Lhe deram uma cruz.

O olhar fito do Rei a si conduz
Os olhares fitados e visinhos
Mas mais me fitam, e mortas sem carinhos,
As palpebras descidas de Jesus.

O Rei falla, e um seu gesto tudo prende,
O som da sua voz tudo transmuda.
E a sua viva majestade esplende;

Meu Rei morto tem mais que majestade:
Falla a Verdade nessa bocca muda;
Suas mãos presas são a Liberdade.



Fernando Pessoa
(31.7.1935)
Soneto inédito até 2000
Edição: Jerónimo Pizarro, Carlos Pittella-Leite
In Granta (Portugal), n. 1

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Palavras Cruzadas com História

A leitura do romance "A Selva", de Ferreira de Castro, inspirou a composição de mais um problema de Palavras Cruzadas. 

Depois de resolvido, encontrarás, na diagonal, o nome da personagem principal do romance (1 palavra). Diverte-te. 


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HORIZONTAIS: 1 – "(…) da Estrada", nome de um romance do escritor Ferreira de Castro; Faixas. 2 – Adequei. 3 – Gritos de dor ou alegria; Tomba; Ramo do budismo que privilegia a meditação sem objecto ou a pura concentração do espírito, insistindo em certas posturas corporais. 4 – Observei; Estere [símbolo]. 5 – Protecção. 6 – Mililitro [símbolo]; Fulva; Ordem dos Advogados [sigla]. 7 –Que ou o que desgasta por fricção ou raspagem [plural]. 8 – Estima; European Aviation Safety Agency [sigla]. 9 - Permanecer; Lamentes [vocábulo moçambicano]. 10 – Nota musical; Rasgados; Descobri. 11 – Apêndice, geralmente recurvado, de alguns utensílios, pelo qual se lhes pega; Atilho; Família.

VERTICAIS: 1 – Pregam; Union Européenne de Football Association [sigla]. 2 – Dois [numeração romana]; Frouxas. 3 – Chefe político, no Oriente; Bicicleta todo-o-terreno [sigla]. 4 – Vide [abreviatura]; Transportar em carro puxado por animais. 5Associação Académica de Coimbra [sigla]; Planeta que gira em torno da Terra, de que é satélite; Lista. 6 – Nome do seringal, junto ao rio Madeira, afluente do Amazonas, onde decorre a narrativa do romance “A Selva”, de Ferreira de Castro; Planta liliácea oriunda da China. 7 – Elemento de formação de palavras que exprime a ideia de ouvido; Digital Video Imaging [sigla]; Corroo. 8 – Culpada; Transitáveis. 9 – "Diana de (…)", nome da companheira do escritor Ferreira de Castro, a quem ele dedicou o livro “A Selva”; Antiga porcelana do Oriente. 10 – Existes; Nome da aldeia, do concelho de Oliveira de Azeméis, onde nasceu o escritor Ferreira de Castro. 11 "Serra de (…)", onde foram sepultados, a seu pedido, os restos mortais do escritor Ferreira de Castro; Segurar pela asa.

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