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sábado, 28 de agosto de 2021

Carlos de Oliveira e o Neo-Realismo

O Neo-Realismo pretende descrever a realidade mas também transformá-la, por isso, faz realçar a luta dos que são veículo dessa transformação, esse realce não se prende a um indivíduo isolado, mas a um grupo e aos valores que defendem.

A presença da ideologia neo-realista é evidente nas obras de Carlos de Oliveira, sobretudo com os temas da opressão, alienação e da vingança, visivelmente enfeudados a uma visão do mundo que encara as tensões e confrontações sociais como etapa necessária da transformação histórica da sociedade exactamente na linha ideológica do neo-realismo e do pensamento marxista que o inspira.

O discurso literário neo-realista aspirava a ser um instrumento de consciencialização daqueles que mantinham afinidades estreitas com as personagens exploradas e oprimidas.

sexta-feira, 27 de agosto de 2021

São Paulo

São Paulo

Pelo que se tem visto, lido e ouvido ultimamente, parece que Portugal descobriu a existência, na Bíblia, de um autor polarizador e polémico: São Paulo.

Quem foi este homem? O que pensar dos textos que escreveu?

Paulo é, na verdade, o único autor do Novo Testamento a cuja identidade podemos associar uma biografia real, mas a reconstituição da sua biografia esbarra de imediato contra um célebre problema: a discrepância entre aquilo que é dito sobre Paulo nos Actos dos Apóstolos e aquilo que Paulo diz sobre si próprio nas suas cartas autênticas. Este problema influi no grau de credibilidade que podemos adscrever aos dados que nos chegaram sobre a biografia de Paulo exclusivamente via Actos dos Apóstolos. Isto porque a lógica mais básica nos exige que pelo menos equacionemos a hipótese de estarem errados os elementos biográficos sobre Paulo em Actos quando estes colidem com o que é escrito pelo próprio Paulo nas suas cartas.

Assim, para muitos estudiosos atuais, a metodologia crítica mais defensável na abordagem à biografia de Paulo implica dar primazia à credibilidade de Paulo nos pontos em que há contradição entre as cartas autênticas de Paulo e outras fontes.

O autor de Actos é claramente um admirador incondicional de Paulo, a ponto de estranharmos, até, o título que, mais tarde, foi dado à obra: seria bem mais consentâneo com o conteúdo do livro o título «Actos do Apóstolo». Paulo é o herói do livro atribuído a Lucas – na verdade, para o autor de Actos, Paulo é uma figura nada menos que heróica: autor de curas milagrosas (16:16-18), de espantosos exorcismos (19:11-12) e dono de poderes que lhe permitem falar ininterruptamente uma noite inteira ou até ressuscitar um morto (20:7-12). Estes dons extraordinários nunca são referidos (decerto por modéstia) nos textos assinados pelo próprio Paulo.

Além destas informações sobre Paulo, estamos também dependentes do livro de Actos para outras que não encontramos alhures. Assim, é somente o livro de Actos a dizer-nos que Paulo era cidadão romano (22:22-29) e que era natural da cidade de Tarso (22:3); só o livro de Actos nos diz que ele se chamava Saulo antes de passar a ser conhecido como Paulo; só o livro de Actos nos diz que ele estudou em Jerusalém com Gamaliel (22:3) e que tinha a profissão de «skênopoiós» («fazedor de tendas», 18:3); só o livro de Actos nos fala da famosa «Estrada» de Damasco.

Outra questão curiosa que se nos depara quando fazemos a leitura comparativa do livro de Actos e das cartas de Paulo é que o autor dos Actos dos Apóstolos, escrevendo já depois da morte de Paulo, não dá a mínima mostra de conhecer a epistolografia paulina e nunca nos mostra Paulo a escrever (ou a ditar) uma única carta. Este facto causa perplexidade já desde o século XIX. Como explicar que «Lucas», alegado companheiro de Paulo nas suas viagens, parece nunca ter lido a produção escrita do seu herói?

No século XIX iniciou-se na Alemanha o estudo crítico da epistolografia de Paulo; e uma das primeiras conclusões a que se chegou foi que o cânone do Novo Testamento contém uma série de cartas que, apesar de proclamarem a sua autoria paulina, não podem ter sido escritas por Paulo. Ou porque o estilo grego e o vocabulário em que estão escritas nada tem a ver com o estilo de Paulo nas cartas autênticas; ou porque são textos que pressupõem realidades históricas que só ocorreram depois da morte de Paulo; ou ainda porque copiam e plagiam de forma tão canhestra textos autênticos de Paulo que é inverosímil ter sido o próprio apóstolo a escrevê-las. Esta observação permite-nos já registar o seguinte facto: Paulo é senhor de um estilo grego único, expressivo – eu diria mesmo arrebatador. Podemos lê-lo sem concordar com uma única palavra que ele escreveu, mas temos de reconhecer que a escrita em si é supremamente convincente.

Os problemas complexos, levantados pelo corpus paulino, suscitaram respostas diferentes da parte dos melhores especialistas no século XIX. No seu livro de 1852 («Kritik der paulinischen Briefe»), Bruno Bauer optou pelo método de Alexandre Magno perante o nó górdio, argumentando que todas as cartas de Paulo que se encontram no Novo Testamento são falsificações escritas no século II, razão pela qual não temos maneira de aceder ao pensamento verdadeiro do apóstolo. Assim, para Bauer era inevitável que o autor de Actos mostrasse desconhecer as cartas de Paulo, uma vez que estas ainda não tinham sido escritas em nome do apóstolo quando o livro de Actos foi composto.

No entanto, o método de análise que permite fazer a triagem entre Paulo e Pseudo-Paulo assenta na premissa de que há um grupo de cartas paulinas do Novo Testamento ao qual é possível reconhecer o selo da autenticidade. Basta alguém não aceitar essa premissa para o corpus estar de novo vulnerável a quem queira argumentar, como fizera Bruno Bauer no século XIX, que todas as cartas são pseudo-paulinas. É por isso que, em 1995, o teólogo alemão Hermann Detering pôde recuperar a abordagem de Bauer, voltando a construir um edifício argumentativo para propor novamente a tese de que todas as cartas de Paulo no Novo Testamento são falsificações (trata-se do livro «Der gefälschte Paulus»).

Para lá da questão de como identificar as cartas autênticas de Paulo, há a realidade extra-académica de que, nas igrejas do mundo inteiro, todas elas (tanto as autênticas como as pseudo-paulinas) continuam a ser lidas como textos canónicos e inspirados. É nelas que assenta, a par dos quatro evangelhos, a religião cristã. Acima referimos o poder da escrita de Paulo: na verdade, são textos a que ninguém consegue ficar indiferente. As cartas de Paulo são susceptíveis de despertar tanto a maior adesão como o maior repúdio.

Há um facto de que não podemos fugir: lidas, hoje, no contexto social e político dos nossos dias, estas cartas levantam problemas que não se colocavam no século XVI, quando foram «redescobertas» no seu potencial renovador e lidas com o maior encantamento possível por todos os protagonistas da Reforma protestante. A aceitação da escravatura, que perpassa de modo implícito e explícito na epistolografia de Paulo (tanto na autêntica como na pseudo-paulina – embora mais nesta última), justificou, durante os duros debates oitocentistas sobre a abolição da escravatura, a posição dos que queriam manter o status quo, permitindo-lhes argumentar com base em passagens de Paulo (hoje maioritariamente atribuídas a Pseudo-Paulo) que o sentimento abolicionista era anticristão.

No século XXI, somos também obrigados a reflectir criticamente sobre o facto de as cartas (pseudo-)paulinas exprimirem pontos de vista que legitimaram durante séculos a subalternização da mulher em relação ao homem, ao mesmo tempo que continuam a dar justificação às hierarquias cristãs que pretendem impedir as mulheres de aceder à carreira sacerdotal. Também o facto de Paulo ter escrito que os homossexuais «não herdarão o reino de Deus» (1 Coríntios 6:9) e que são «merecedores de morte» (Romanos 1:32) coloca, ainda hoje, o cristianismo numa situação de desfasamento retrógrado relativamente a direitos consignados constitucionalmente em todos os países governados segundo o modelo da democracia ocidental.

Referir a palavra «democracia» suscita, já agora, o problema de o comportamento preconizado por Paulo face às autoridades civis (Romanos 13:1-7) ter servido, durante séculos, para refrear movimentos de contestação política vindos de pessoas cristãs; e justificou, tanto para a Igreja como para as hegemonias políticas, o casamento de conveniência entre catolicismo e ditadura a que assistimos, no século XX, em Portugal, em Espanha e em quase todos os países da América Latina. Já em pleno século XXI, algumas igrejas evangélicas americanas ainda se serviram destas palavras de Paulo para apoiar o presidente George Bush na invasão do Iraque.

Assim, não há como negar que o confronto com as cartas de Paulo tem de ocupar uma posição fulcral na compreensão daquilo que foi a história do cristianismo. Paulo marcou indelevelmente a religião cristã (até porque as suas epístolas, cronologicamente anteriores aos quatro evangelhos, são os primeiros documentos que nos chegaram do cristianismo). Por isso, estamos obrigados a dialogar com este apóstolo – por vezes inspirador, por vezes intratável – cujos escritos continuam a interpelar-nos e a lançar-nos grandes, dificílimas perguntas.

Muitos de nós sentiremos, talvez, que não temos resposta para Paulo. Ou sentiremos, então, que a melhor resposta que podemos dar-lhe é empenharmo-nos a sério na leitura dos seus escritos. Com admiração (porque, enquanto homem extraordinário e escritor fascinante, ele a merece); mas também com exigência e imparcialidade.

Frederico Lourenço, fb de 25/8/2021

quarta-feira, 18 de agosto de 2021

À memória de Fernando Pessoa

António Botto (Abrantes, 17 de Agosto de 1897 - Rio de Janeiro, 16 de Março de 1959), poeta, contista e dramaturgo português.
Poeta muito incompreendido na sua época, nomeadamente por ter origens modestas, poucos estudos formais e ser homossexual, foi amigo e protegido por Fernando Pessoa. Dedicou-lhe este poema:

POEMA DE CINZA
À memória de Fernando Pessoa

Se eu pudesse fazer com que viesses
Todos os dias, como antigamente,
Falar-me nessa lúcida visão
- Estranha, sensualíssima, mordente;
Se eu pudesse contar-te e tu me ouvisses,
Meu pobre e grande e genial artista,
O que tem sido a vida - esta boémia
Coberta de farrapos e de estrelas
Tristíssima, pedante, e contrafeita,
Desde que estes meus olhos numa névoa
De lágrimas te viram num caixão;
Se eu pudesse, Fernando, e tu me ouvisses,
Voltávamos à mesma:
Tu, lá onde
Os astros e as divinas madrugadas
Noivam na luz eterna de um sorriso;
E eu, por aqui, vadio da descrença
Tirando o meu chapéu aos homens de juízo. . .
Isto por cá vai indo como dantes;
O mesmo arremelgado idiotismo
Nuns senhores que tu já conhecias
- Autênticos patifes bem falantes. . .
E a mesma intriga; as horas, os minutos,
As noites sempre iguais, os mesmos dias,
Tudo igual! Acordando e adormecendo
Na mesma cor, do mesmo lado, sempre
O mesmo ar e em tudo a mesma posição
De condenados, hirtos, a viver
- Sem estímulo, sem fé, sem convicção...

Poetas, escutai-me: transformemos
A nossa natural angústia de pensar
- Num cântico de sonho!, e junto dele,
Do camarada raro que lembramos,
Fiquemos uns momentos a cantar!

António Botto


sexta-feira, 6 de agosto de 2021

Devaneios cruzadísticos │ Carlos de Oliveira

"Casa na Duna" é o nome de uma obra do escritor português Carlos de Oliveira (1921-1981), pedido com a resolução do passatempo de palavras - cruzadas, referente ao mês de Agosto de 2021.


Recebi respostas de: Aleme; António Amaro; Antoques; Arjacasa; Bábita Marçal; Baby; Caba; Candy; Corsário; Crispim; Donanfer II, Dupla Algarvia (Anjerod e Mister Miguel); El-Danny; El-Nunes; Fernando Semana; Filomena Alves; Fumega; Gilda Marques; Homotaganus; Horácio; Jani; João Carlos Rodrigues; Joaquim Pombo; José Bento; José Bernardo; Julieta; Juse; Mafirevi; Magno; Manuel Amaro; Manuel Carrancha; Manuel Ramos; Maria de Lourdes; My Lord; Neveiva; Olidino; O. K.; PAR DE PARES; Reduto Pindorama (Agagê, Joquimas e Samuca); Ricardo Campos; Rui Gazela; Russo; Salete Saraiva; Seven; Socrispim; Somar; Virgílio Atalaya e Zabeli.

Grato a todos.
Até ao próximo!

quinta-feira, 5 de agosto de 2021

Carta a Ângela

O poeta Carlos de Oliveira no Parque dos Poetas em Oeiras

Escultura de Francisco Simões


CARTA A ÂNGELA

Para ti, meu amor, é cada sonho 
de todas as palavras que escrever, 
cada imagem de luz e de futuro, 
cada dia dos dias que viver.

Os abismos das coisas, quem os nega, 
se em nós abertos inda em nós persistem? 
Quantas vezes os versos que te dou 
na água dos teus olhos é que existem!

Quantas vezes chorando te alcancei 
e em lágrimas de sombra nos perdemos! 
As mesmas que contigo regressei 
ao ritmo da vida que escolhemos!

Mais humana da terra dos caminhos 
e mais certa, dos erros cometidos, 
foste de novo, e sempre, a mão da esperança 
nos meus versos errantes e perdidos.

Transpondo os versos vieste à minha vida 
e um rio abriu-se onde era areia e dor. 
Porque chegaste à hora prometida 
aqui te deixo tudo, meu amor!

Carlos de Oliveira, (Belém do Pará, 10 de Agosto de 1921 — Lisboa, 1 de Julho de 1981)

(Ângela de Oliveira viria a morrer em 15.2.2016 com 95 anos)

domingo, 1 de agosto de 2021

Devaneios cruzadísticos │ Carlos de Oliveira

Em ano de comemorações do nascimento do escritor português Carlos de Oliveira, o AlegriaBreve evoca aqui neste espaço a sua memória, em homenagem à vida e obra daquele que muitos consideram ser um dos mais importantes escritores portugueses do movimento Neo-Realista.

Carlos de Oliveira nasceu em Belém do Pará, no Brasil, a 10 de Agosto de 1921. Regressado a Portugal, juntamente com os pais, aos dois anos de idade, passou grande parte da sua infância em Febres, concelho de Cantanhede, onde seu pai exercia medicina. 

Meu pai era médico de aldeia, uma aldeia pobríssima… Nossa Senhora das Febres. Lagoas pantanosas, desolação, calcário, areia. Cresci cercado pela grande pobreza dos camponeses, por uma mortalidade infantil enorme, uma emigração espantosa. Natural portanto que tudo isso me tenha tocado (melhor, tatuado). O lado social e o outro, porque há outro também, das minhas narrativas ou poemas publicados (...) nasceu desse ambiente quase lunar habitado por homens(...), escreveu ele em "O Aprendiz de Feiticeiro", pag. 204. 

Os terrenos pantanosos e arenosos da Região da Gândara, onde viveu a sua infância, são assim o cenário preferencial da sua obra narrativa e referência constante também na sua poesia. Só Carlos de Oliveira podia escrever "Uma Abelha na Chuva", romance que foi reconhecido como uma das mais importantes obras da literatura portuguesa do século XX, tendo sido de leitura obrigatória nos programas escolares em Portugal até final da década de 1990.

A partir de 1933, passou a viver em Coimbra, onde permaneceu durante quinze anos, a fim de concluir os estudos liceais e universitários. Em 1941, ingressou na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, onde teve participação muito activa nos movimentos intelectuais e políticos com outros jovens, entre os quais Joaquim Namorado, João Cochofel e Fernando Namora, todos grandes vultos do Neo-Realismo.

Depois de ter concluído a licenciatura em Ciências Histórico-Filosóficas, instalou-se definitivamente em Lisboa, sem contudo deixar de visitar regularmente Coimbra e a Região da Gândara.

Carlos de Oliveira faleceu em 1 de Julho de 1981, em Lisboa. Faltava um mês e nove dias para completar 60 anos. A vida física foi relativamente breve, mas a sua obra, poesia e prosa, continuam connosco a lançar interrogações, a provocar reflexão.

É autor de diversas obras em diferentes géneros literários. Publicou ainda contos e crónicas. Em 2012, o espólio do escritor foi doado pela sua viúva ao Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira, composto por um total de cerca de nove mil documentos. O AlegriaBreve já visitou este museu por 2 vezes. Quem tiver oportunidade de o fazer, não perca!

Assim, convido os meus amigos a resolver este problema e, no final, encontrar o título (3 palavras nas horizontais) de uma obra do escritor português Carlos de Oliveira (1921-1981).


HORIZONTAIS: 1 – Garrafa de cerveja de tamanho grande [Moçambique]; Firma. 2 – Multa; Guardas. 3 – Contracção de em+a; Interjeição usada para exprimir admiração [Brasil]; Recolha. 4 – Dignidade militar entre os Turcos; Encaixas. 5 – Terreno húmido para cultura [Angola]; Pertencer. 6 – Pão [Moçambique]; Abundância [figurado]. 7 – Berne; Forma. 8 – Constante; Período incomensurável de tempo. 9 – Medo; Sanha; Interjeição usada para interromper. 10 – Agastado; Finalmente. 11 – Prejudicado; Indiferença.

VERTICAIS: 1 – Idiota; Pousio [regionalismo]. 2 – Mata; Suporte. 3 – Pateta [popular]; Interjeição que exprime enfado [Angola]; Juntas. 4 – Singular; Elegante [figurado]. 5 – Calha; Rasga. 6 – Associação Nacional das Farmácias [sigla]; Somai. 7 – Carácter [figurado]; Pronunciado. 8 – Coisas velhas e inúteis; Levante. 9 – Estreitas; Interjeição que exprime espanto; Interjeição que exprime nojo. 10 – Tiras [Brasil]; Assuada. 11 – Pessoa notável na sua especialidade [figurado, plural]; Chapéu sem abas, de copa redonda e funda.

Clique Aqui para abrir e imprimir o PDF.


Aceito respostas até dia 25 de Agosto, inclusive, por mensagem particular no Facebook ou para o meu endereço electrónico, boavida.joaquim@gmail.com. Em data posterior, apresentarei a solução, assim como os nomes dos participantes. 

Vemo-nos por aqui?