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terça-feira, 30 de outubro de 2012

Palavras Cruzadas com História

Após a leitura e discussão do livro Caim, de José Saramago, com os meus amigos do Grupo de Leitura, aqui fica um Passatempo de Palavras Cruzadas sobre o livro.

Clique Aqui para ver e imprimir.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Os Malaquias

Acabei de ler, de rajada, Os Malaquias, de Andréa Del Fuego, uma jovem escritora brasileira natural de São Paulo. O livro ganhou Prémio José Saramago 2011, que é atribuido, de dois em dois anos,  a jovens escritores da Língua Portuguesa, com menos de 35 anos.

O livro é apresentado com a seguinte Sinopse:
«Serra Morena. Um raio esturrica o casal, em luz e carne. Os filhos ficam órfãos, com destinos diferentes. António, o menino que não cresce. Nico, o patriarca engolido por um bule de café. Júlia, a menina em fuga permanente. Um lugar onde as sombras da terra e da água convivem. Onde a morte e a vida são o mesmo mundo. Um poema seco à humanidade de cada um de nós. Uma escrita áspera mas poética, desenhada com a vertigem das memórias da família Malaquias, e que evolui como tributo pessoal da autora aos seus antepassados.  Transcendental e mágico, este romance do insólito revela-se uma leitura para o coração. Um livro forte, aclamado, invulgar».

O livro tem cerca de 250 páginas, o espaço das entrelinhas é enorme, os capítulos curtos e o tamanho da letra generoso. Conta a história de uma família desgraçada, apagada e vil (como diria Camões). Escrita coloquial, enxuta, sóbria, breve. Situações inverosímeis, fantasistas. Como a própria Andrea del Fuego explica neste vídeo - Clique aqui - o romance é uma homenagem aos seus antepassados.

domingo, 21 de outubro de 2012

Caim segundo José Saramago

A par do Evangelho Segundo Jesus Cristo, Caim é um livro em que Saramago, nos seus trabalhos, aborda a Bíblia, através de uma interpretação irreverente e mordaz.

Se, em O Evangelho segundo Jesus Cristo, José Saramago deu a sua visão do Novo Testamento, em Caim, José Saramago foca-se no Antigo Testamento, mais concretamente nos primeiros livros da Bíblia, do Éden ao dilúvio.

Como o faz?

A meu ver, de uma forma muito engenhosa. Saramago parte de um dado objectivo para depois, a partir dele, desenvolver toda a narrativa. Havia-o feito já, de forma genial, no Ano da Morte de Ricardo Reis (Fernando Pessoa havia dito que Ricardo Reis “vive no Brasil desde 1919, pois se expatriou espontâneamente por ser monárquico”, para o José Saramago o fazer desembarcar em Lisboa no último dia de Dezembro de 1935, um mês após a morte do poeta da Mensagem).

Agora, em Caim, o ponto de partida é o episódio bíblico Caim e Abel, que é conhecido, narrado nos primeiros versículos do Génesis. Aliás, “uma história do princípio do mundo”, como já havia dito Sophia no conto O Jantar do Bispo.

E que pretende José Saramago provar com este livro, qual é a sua tese?

Saramago tem o propósito de redimir Caim do assassinato do seu irmão Abel, acusando Deus (o senhor, escrito sempre em minúsculas para Saramago) como autor moral e intelectual do crime, ao desprezar o sacrifício que Caim lhe havia oferecido.

Segue-se então a narrativa, através da qual Saramago vai demonstrar que é verdade o que ele enuncia como problema.

E, em mais um golpe de génio, vai ser o próprio Caim a fazer a sua defesa, estando “presente” em vários episódios bíblicos, para apontar o dedo ao Senhor, chamando-lhe cego (pág 15), soberbo (pág 37), filho da puta (pág 82), ciumento (pág 89), orgulhoso (pág 91), pouco inteligente (101), malvado (pág 106), comissionista (pág 112), fomentador de guerras (pág 112), vingativo (pág 121), parcial (pág 127), pactuante com o diabo (pág 143) e infame (pág 180).

E de que forma o faz?

Na Bíblia, disse o Senhor a Caim “Serás vagabundo e fugitivo sobre a Terra”. Pois Saramago, mais uma vez de uma forma brilhante, recorre ao artifício das mudanças do presente. Caim viaja no tempo, ora está no futuro, ora regressa ao passado.

E é assim que Caim, na sua viagem errática:
- Evita a punhalada de Abraão ao seu filho Isaac;
- Presencia o desacordo linguístico entre vários povos à volta da Torre de Babel;
- Está presente quando o Senhor promete a Abraão que sua mulher Sara vai ter um filho;
- Horroriza-se com a destruição das cidades de Sodoma e Gomorra;
- Todavia, não chega a tempo de evitar que a mulher de Lot se transforme numa estátua de sal;
- Está no Sinai quando os Israelitas, aproveitando a ausência de Moisés, adoram um bezerro;
- Espanta-se quando lhe contam a história das filhas de Lot, que ficaram grávidas do próprio pai;
- Fica estupefacto com a queda de Jericó;
- Assiste à destruição dos Israelitas na cidade de Ai e ao castigo de um homem chamado Acam, considerado culpado de tal revés;
- Participa na reconquista da cidade de Ai, e, em seguida, olha para Josué que manda enforcar numa árvore o rei desta cidade;
- Não assistiu, porém, ao maior prodígio de todos os tempos, aquele em o Senhor fez parar o Sol, para Josué poder vencer, ainda com a luz do dia, a batalha contra os cinco reis amorreus;
- Testemunha as desgraças que atingem o crente Job, o homem mais justo à face da Terra; e
- Por último, participa na viagem da Arca de Noé, conseguindo, desta vez de forma decisiva e surpreendente, contrariar o projecto do Senhor!

Este final não deixa, porém,  de ser surpreendente. É um final abrupto. Parece que o Saramago tinha pressa em acabar rapidamente o livro. Caim é um livro breve, não tem mais 180 páginas. É talvez o seu mais pequeno romance. Por ser o último?

Saramago achava que Deus devia assumir os males que a narrativa bíblica imputa à desobediência humana e que um bom Deus devia ter impedido.É, no fundo, a sua tese.

Formalmente, estamos perante mais um livro bem resolvido, embora, em minha opinião, longe do Memorial do Convento e, sobretudo, do Ano da Morte de Ricardo Reis. Relativamente ao conteúdo, é claramente um livro discutível. Eduardo Lourenço, na sua extrema bondade, chamou a José Saramago um “teólogo espontâneo”. Ele acha que Saramago “paradoxalmente, necessita daquele Deus em que não crê, como utopicamente se diz…”.

É verdade que Saramago, fazendo inveja a muitos cristãos, nos quais eu me incluo, estudou muito bem a Bíblia. Mas não concordo com ele quando diz que “A Bíblia é um Manual de Maus Costumes”. O seu companheiro de militância política, Bernardino Soares, chefe da bancada comunista do nosso Parlamento, deve-o ter espantado quando naquela casa citou, perante a estupefacção dos outros deputados, um excerto do Levitico:
«Quando o teu irmão empobrecer e as suas forças decaírem, então sustentá-lo-ás, como estrangeiro e peregrino viverá contigo. Não tomarás dele juros, nem ganho; mas do teu deus terás temor, para que o teu irmão viva contigo. Não lhe darás o teu dinheiro, nem darás o teu alimento por interesse» (Levítico / versículo 25).

José, e os livros Eclesiastes e Cântico dos Cânticos, para só citar estes, também se incluem no tal Manual de Maus Costumes?

Saramago construiu uma narrativa que, em parte, se pode considerar um panfleto camuflado em vistosa roupagem de um muito competente profissional de letras.  Saramago, como outros intelectuais e ateus, encara as religiões como uma perigosa fonte de obscurantismo que ameaça a busca da verdade.

Apesar de tudo, eu tenho de confessar que considero Saramago um dos melhores escritores da Língua Portuguesa e que a sua escrita, algo original, me seduz.
 
E, se Deus quiser (quer Saramago queira ou não), vou continuar a ler, ou antes revisitar, a sua escrita (sem mais), cuja beleza é um bálsamo para a minha alma.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

À hora do lanche

De supetão, leio no televisor, na legenda que está a correr em baixo: morreu o poeta Manuel António Pina. O poeta nasceu no Sabugal, era jornalista e escritor, com uma obra mais vasta na área da poesia e literatura infanto-juvenil. Conquistou o Prémio Camões 2011.Veio-me à memória o poema que ele escreveu quando visitou o seu amigo Eugénio de Andrade quando este estava já muito doente. O poema chama-se

A Hora do Lanche

Na mão da Ana o iogurte não
iluminava, escurecia,
comunhão ajoelhada
no fundo do coração do dia

imemorial onde, desperto, ele dormia.
O movimento da colher embalava-o
como uma música que quase se ouvia
neste mundo ou como o colo que o adormecia.


A tarde declinava, as sombras,
como sombras, alongavam-se na almofada;
tudo fazia um sentido
literal e simples, onde não pode a poesia.


Se alguma coisa ficara
por dizer já não iria ser dita;
as palavras tinham-se sumido, transidas,
no interior da casa, o próprio silêncio emudecera.


Senhor, permite que adormeçamos
antes que feches a luz e desça
sobre nós a tua escuridão,
que os rebanhos estejam recolhidos
e os credores se tenham afastado da nossa porta,
mas que tenhamos pago as dívidas aos que nos serviram
e aos que nos amaram e aos que nos esperaram;
as tuas grandes mãos sustentarão o telhado e as paredes,
e moerão o grão e fermentarão o trigo,
apaga com as tuas mãos para sempre o rasto
da nossa vida

e que repousemos enfim
sem motivo para nos culparmos
por não termos sido felizes.


Foz do Douro, 26 de Janeiro de 2005
Manuel António Pina

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

A ascendência fundanense de Pessoa

A vinha

É conhecida a importância que Fernando Pessoa concedeu à hereditariedade, que invocou em diversas ocasiões, para melhor se auto-analisar. E sabe-se que ele próprio se esmerou a pintar o brasão de um trisavô. «Ascendência Geral-misto de fidalgos e de judeus», assim descrevia uma nota biográfica elaborada por Pessoa em 1935.

Pelo lado materno, sua mãe era açoriana e filha de uma família de notáveis da Terceira.

Assim, o tal «misto», a que ele se refere,  diz respeito unicamente à ascendência paterna, conforme se pode ver ao consultar a árvore genealógica do poeta da Mensagem. Uma leitura atenta da árvore (Clique Aqui ), vemos que um grande número de antecedentes de Pessoa, por via varonil, na qual corria sangue judaico, nasceu, ou veio morar, na cidade do Fundão, recuando até aos 9ºs Avós no Século XVI. Sabemos, por outro lado, como várias gerações dos “Pessoas” foram perseguidos pelo Santo Ofício, condenados e, nalguns casos, queimados nas fogueiras inquisitoriais.

Diogo Pessoa da Cunha, um dos Tetravós do poeta, nasceu no Fundão. O historiador Joaquim Candeias da Silva, meu conterrâneo, escreveu assim na Revista Eburobriga:

«Diogo (Pessoa) da Cunha: Nasceu a 15/1/1709, no Fundão, onde também foi baptizado. Casou com sua prima Rosa Maria Pessoa, a 28/1/1733, no Fundão.…
Na documentação surge algumas vezes como fundidor, mas na Inquisição de Lisboa, aquando da sua prisão, a 28/3/1746, e no consequente acto de inventariação de valores, declarou-se como latoeiro, sem bens de raiz (tinha uma vinha ao Vale de Canas, junto ao Fundão, que vendera em 1745 por 45 mil réis)….»


Fundão é a sede de concelho da minha terra natal (uma aldeia com nome de mamífero, na vertente sul da Serra da Gardunha, na expressão feliz de um jovem autor português recentemente laureado com um prémio de prestígio).

Fundão é a terra onde vivem os meus pais há muitos anos. A primeira casa, onde morámos, tinha então o seguinte endereço postal: “F….., Vale de Canas, Fundão”. Naquele lugar, não havia, nesse tempo, mais que três casas. A nossa tinha à sua volta, por dois lados, uma vinha!

Ora, como sabemos agora, um dos tetravós do poeta do Livro do Desassossego, o citado Diogo Pessoa da Cunha, teve no Vale de Canas, junto ao Fundão, uma vinha!!! Muito Curioso. Nos anos que passei naquela casa, algures entre 1972 e 1975, bem me parecia ter cruzado com o Fernando Pessoa que certamente por ali vagueava, errante e perdido, à procura dos seus antepassados!

domingo, 14 de outubro de 2012

Eu era feliz...

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a humidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas
lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado —,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...

Fernando Pessoa
(Álvaro de Campos)

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Poema para a minha avó Marques

O meu primo João, que é poeta, enviou-me este poema, que ele escreveu, dedicado à minha avó materna, a minha avó Marques.

ODE À ENERGIA

De olhar atento,
Observador penetrante.
Fixando o longe! Acutilante.


Rosto velhinho, sulcado de rugas
pela rudeza do tempo.
Porte esguio, decidido…
Vida de luta constante,
entre a terra e a mulher.


Persistência desgastante,
vencendo a luta com suor.
Mulher de garra impressionante!
Coração cansado, de tanto amor.


Cega na defesa dos seus.
Assumiu o leme do futuro.
Na vida, pouco sorriu.
Muito suou no barco duro,
em que na vida seguiu.


Poema gasto com trabalho.
Livro de histórias de coragem.
Prosa ao vento e à lua.
Hino de dolorosa linguagem.

Dias frios de pele nua.
Vida cheia de caminhos,
que seus passos encheram
de agonias e espinhos,
mas que nunca a derrubaram.


Era assim, a nossa velhinha,
que por nós a Deus pedia.
Era assim a nossa madrinha.

Figura de firme bonomia,
que nos olhava estarrecida
e que às vezes, por nós decidia,
o melhor pr’a nossa vida.


Partiu serena. Sem lamentos.
Só o olhar entristecido,
mostrava seus sentimentos,
por deixar seus entes queridos.


Ganhou a luta. Venceu a guerra.
Lutou sempre em desvantagem
mas ganhou a luta
do amor e da coragem.

JOÃO ALBERTO BENTES (06/10/2012)


Tenho muita pena de não ter estado mais perto desta avó. A imagem principal que me deixou foi, sem dúvida, de uma mulher lutadora, mais da terra que do lar, uma mulher que mourejou muito, de uma mulher que empurrou a vida para a frente. 

A vida é o que é. Nunca se proporcionou estar perto dela. As minhas estadas na Orca foram sempre, desde que nasci, na casa da minha outra avó, a minha avó Maria.

Mas tenho muita pena de não privado de perto com a minha avó Marques. Nunca aconteceu. Fico triste por isso…Obrigado, João, por esta linda homenagem.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Ascendência fundanense de Pessoa

"
(...) estudar a ascendência pessoana é bem mais do que satisfazer uma curiosidade mundana ou bairrista – é perseguir pistas para o entendimento de um homem e de uma obra que hoje interessa a todo o mundo culto. De resto ninguém se atreverá a negar a importância por Pessoa concedida à hereditariedade, que invocou em diversas ocasiões para melhor se auto-analisar e se auto-definir. E sabe-se como ele próprio se esmerou a pintar o seu trisavô, e como ele próprio evidenciou o conhecimento da sua “ascendência geral – misto de fidalgos e judeus”.
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Hoje parece estar já suficientemente esclarecida a genealogia pessoana pelo lado materno, açoriano, dos “Nogueira” e dos “Pinheiro” – que segundo Gaspar Simões teria dado a Pessoa “o orgulho das fontes, a quietude das origens, a vanglória do passado” e segundo António Quadros lhe teria “transmitido a herança de solitude insulana e de paixão do mar e da viagem”. Mas continua a saber-se muito pouco da ascendência paterna, mau grado as referências frequentes à avó Dionísia, que enlouqueceu, e ao trisavô José António Pereira de Araújo e Sousa, o do brasão, que foi capitão de artilharia no Algarve, e que era neto e bisneto de capitães-mores, de procuradores régios e de juízes feitores.
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Curiosamente nem a avó Dionísia nem o capitão Araújo e Sousa eram “Pessoa”. Mas era “Pessoa” o marido da avó Dionísia, Joaquim António de Araújo Pessoa, que “faleceu no posto de general”, e que, neto pelo lado materno do capitão Araújo e Sousa, pelo lado paterno descendia dos “Pessoa” do Fundão.
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João Gaspar Simões referiu-se na sua Vida e Obra de Fernando Pessoa ao “mais remoto ascendente” (sic) paterno de Pessoa, Sancho Pessoa da Gama, que deu como “tetravô” do poeta, quando na realidade este era “quinto neto” daquele (Gaspar Simões também deu o capitão Araújo e Sousa como “tetravô” de Pessoa, quando era seu trisavô). De acordo com o mesmo Gaspar Simões, Sancho nascera em Montemor-o-Velho, mas mudara--se para o Fundão, onde casou em terceiras núpcias com uma fundanense, de quem teve um filho fundanense; e “cristão-novo que era”, dele “herdara” Fernando Pessoa o “nariz judaico e aquela inquietação de modos e feitio /.../ a que se aliava, aliás, de certo modo, a volubilidade do seu espírito, ou seja, a sua inaptidão a fixar-se fosse ao que fosse”.
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Gaspar Simões não indicou os documentos que usou para estudar a ascendência paterna de Pessoa. Mas Joaquim de Montezuma de Carvalho defendeu num artigo publicado em 1975 no “Comércio do Porto” que ele se fundara inteiramente num documento “arquivado por Pessoa nos seus baús” e que se devia a Mário Saa, investigador, poeta e amigo de Pessoa. Nesse documento, datado de Setembro de 1921, que Montezuma publicou pela primeira vez naquele jornal, e que lhe fora remetido pelo investigador Hubert D. Jennings pode encontrar-se o “processo de génese de Fernando Pessoa” por linha varonil. Por ele se vê que Pessoa era sexto neto de Custódio da Cunha e de Magdalena Pessoa, pais de Sancho Pessoa da Gama, “cristão-novo dos quatro costados, que foi tomado pela Inquisição de Coimbra e condenado em Auto de Fé no ano de 1706”.
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Numa data indeterminada, Sancho Pessoa veio a fixar-se no Fundão, onde em 26 de Setembro de 1697 casou em segundas núpcias com a fundanense e filha de fundanenses Beatriz Rodrigues, e em 20 de Agosto de 1703 casou em terceiras núpcias com a também fundanense e também filha de fundanenses Branca Nunes.
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Deste casamento nasceu, no Fundão, o tetravô de Fernando, Gabriel Tavares Pessoa, que veio a casar com Leocádia Pereira da Silva, natural de Penamacor (como os seus pais, que por certo eram judeus). E dessa união nasceu, em 20 de Janeiro de 1740, também no Fundão, o trisavô do poeta, Gaspar Pessoa e Cunha. O filho deste e de Perpétua Contença, Daniel Pessoa e Cunha – bisavô de Pessoa – já veio a nascer em Serpa, assim como nasceu em Tavira em 1813 o filho deste doutor e da farense Joana Xavier Pereira, Joaquim António de Araújo Pessoa – avô de Pessoa – e assim como nasceu em Lisboa em 28 de Maio de 1850 o filho desse general e de Dionísia Seabra, Joaquim de Seabra Pessoa, o pai do poeta.
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Não foi só no documento publicado por Montezuma de Carvalho que Mário Saa se referiu aos antepassados judeus e fundanenses de Fernando Pessoa. No seu famoso livro A Invasão dos Judeus, acrescenta até outras informações a saber: que Sancho Pessoa deu origem, no Fundão, “aos Pessoa d’Amorim” e “à família do jornalista Alfredo da Cunha”, e que foi “astrólogo, ocultista e psalmista”.
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Estas informações parecem preciosas, sobretudo quando se pensa no interesse que Pessoa sempre demonstrou pelo ocultismo e pela astrologia, e quando se conhece a fortuna de teses levianamente postas a circular por Gaspar Simões: que o pai de Pessoa pertencia a uma “família de militares”, de que no seu gosto pela música e pelas letras era uma excepção – como se o gosto intelectual e artístico de Pessoa lhe viesse quase exclusivamente pelo lado de D. Maria Madalena Pinheiro Nogueira.
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Ora a verdade é que tanto física como psicologicamente é o lado Pessoa que mais se afirma na personalidade do poeta. O próprio Gaspar Simões nota que Pessoa sob quase todos os aspectos “guardava uma inolvidável lembrança física daquele que o gerara”. E Mário Saa foi mais longe ao dizer de Pessoa quando ele ainda era vivo: “nós o vemos fisionomicamente hebreu, com tendências astrológicas e ocultistas, um verdadeiro sacerdote do Talmud, prudente, cauteloso, tímido, dissimulado em intenções, não desmentindo a agitação temerosa que deveria ter presidido àqueles seus antepassados do gheto. /.../ Deste mesmo pavor se ressente todo o seu pensar e literatura. Ele é cheio de pequeninos receios, e ora, pois, de pequeninas ousadias; é tímido, e daí, os arrojos naturais dos tímidos. Lança-se e oculta-se; esconde-se, e prepara novos lances”.
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Estranha ironia – a juntar a tantas que vêm da vida e da obra de Pessoa: se no seu corpo, na sua psique ou na sua produção – como no seu nome literário – se afirmam tão profundamente, tão nitidamente, as marcas dos Pessoas, a família Pessoa foi sempre uma grande ausência na sua vida social. Com o pai mal pôde conviver: a tuberculose separou--os ainda em vida, e ele morreu quando o poeta contava cinco anos. Nesta mesma idade viu Pessoa morrer o seu irmão Jorge, que tinha menos de um ano – pelo que se pode dizer que Pessoa foi filho único não da sua mãe, como o do seu célebre poema, mas do seu pai.
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Ora o pai também já era filho único; e o avô Araújo Pessoa, que não deu tios nem primos ao poeta, talvez nem se tenha cruzado com este (Pessoa ainda conviveu, isso sim, com a mulher dele, que faleceu em 1907 e que, curiosamente, foi acompanhada na sua doença não pelos Pessoa ou pelos Seabra mas pelos parentes de D. Maria Madalena Pinheiro Nogueira, a mãe do poeta). Acresce que os parentes vivos de Pessoa pelo lado paterno não eram só parentes afastados: eram parentes que na sua quase totalidade viveriam afastados de Lisboa. E acresce que Pessoa partiu para a África do Sul logo aos oito anos. Quando em 1901/1902 veio passar férias a Portugal sabemos que visitou os parentes dos Açores, mas não parece ter visitado os parentes continentais de linha varonil. E regressado a Lisboa em 1906 nunca se decidiu a ir visitá-los ou conhecê-los em Tavira (e no Fundão), tornando inúteis os apelos que nesse sentido lhe fazia a mãe.
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Curiosamente, a “mãe” esteve sempre presente na vida e na obra de Pessoa: ela comparece até na primeira quadra que ele compôs e num dos últimos poemas que escreveu, por sinal numa língua não materna, o francês. Mas o pai, ausente da cena de Pessoa, nome que evoca ausências (máscara, “personne”), e em que ecoa o qualificativo “só”, é também uma ausência da sua obra, marcada exactamente por ela tanto no plano literal como no plano simbólico. Se o corpo e a psique de Pessoa remetiam tão directamente para os Pessoa ausentes, também a sua obra torna a cada instante essa ausência presente. E nem é necessário lembrar o que já outros disseram: que é decerto a falta do pai (ou dos Pessoa) que determina o aparecimento da família heteronímica, da companhia heteronímica.
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Um dia falaremos das minas de volfrâmio que Pessoa pensou comprar e explorar. Mas, depois de tudo o que dissemos, quem duvidará da riqueza que ele soube tirar da mina herdada, funda, do Fundão?
"
(Arnaldo Saraiva, Jornal do Fundão, 16.Dezembro.2005)

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Sopa de Letras com Literatura

Eça de Queirós (1845-1900) é um dos mais importantes escritores lusitanos. Foi autor de uma vasta obra, destacando-se, sobre todos os romances que escreveu, Os Maias. É considerado por muitos o melhor escritor realista português do Século XIX.

26 Personagens da sua obra estão neste quadro.
As 8 letras sobrantes formam o nome de um dos seus contos.
Qual é?

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sábado, 6 de outubro de 2012

Um País virado do avesso...


No dia em que parece que tudo ficou de pernas para o ar, fui às páginas do Eça para ver como ele, há muito mais de um século, olhava para o País.

(…) O País perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos e os caracteres corrompidos. A prática da vida tem por única direcção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido, nem instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não existe nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Já se não crê na honestidade dos homens públicos. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos vão abandonados a uma rotina dormente. O desprezo pelas ideias aumenta em cada dia. Vivemos todos ao acaso. Perfeita, absoluta indiferença de cima a baixo! Todo o viver espiritual, intelectual, parado. O tédio invadiu as almas. A mocidade arrasta-se, envelhecida, das mesas das secretarias para as mesas dos cafés. A ruína económica cresce, cresce, cresce... O comércio definha, A indústria enfraquece. O salário diminui. A renda diminui. O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo. (…)

Eça de Queirós, in Uma Campanha Alegre (1890-1891)

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

José Hermano Saraiva

Se fosse vivo, o Prof. José Hermano Saraiva faria hoje 93 anos. É uma figura controversa.

Foi deputado entre 1957 e 1961, procurador à Câmara Corporativa e Ministro da Educação. A sua passagem pelo Governo do Prof. Marcelo Caetano ficou muito marcada pela Crise Académica de 1969.

Em tempo de Democracia, José Hermano Saraiva tornou-se numa figura apreciada em Portugal, pelos seus inúmeros programas televisivos sobre História de Portugal. Por esse mesmo motivo, tornou-se igualmente numa figura polémica, porque a sua visão da História tem sido, por vezes, questionada pelo meio académico.

Devo confessar aqui uma coisa. Só recentemente, que disponho agora de mais tempo, tenho tido oportunidade de ver muitos dos programas do Prof. José Hermano Saraiva, que passam agora na RTP Memória. Antes, eu, como penso a generalidade das pessoas, achava tão só um dos grandes comunicadores da Televisão.

Convém lembrar que o saudoso e implacável Mário Castrim, crítico televisivo no Diário de Lisboa, fazia, amiúde, referências elogiosas que constituíam à época uma espécie de salvo conduto que quase permitia a José Hermano Saraiva apresentar-se ao público sem a “mancha” do seu passado recente.

Pessoalmente, mudei de opinião ao ver José Hermano Saraiva tomar partido pelo povo no relato, por exemplo, das crises de 1245 e de 1383. A crise de 1245 não tem nenhum cronista de renome para a contar. Ao contrário, é conhecida a extraordinária descrição da Revolução de 1383-85 que consta da Crónica de El- Rei D. João I, de Fernão Lopes. Pois, José Hermano Saraiva juntou à empolgante narrativa do cronista Fernão Lopes um grande dramatismo que não era espectável. Aliás, José Hermano Saraiva não se cansa nunca, nos seus relatos, de enfatizar a tensão permanente entre as classes dominantes e o povo, tomando partido pelo último.

José Hermano Saraiva foi um homem que merece, por isso, o nosso respeito por maior que possa ser a discordância ideológica.