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segunda-feira, 25 de março de 2019

Devaneios cruzadísticos │Jorge de Sena

"Sinais de Fogo" é o título de uma obra do escritor português Jorge de Sena, pedido com a resolução do passatempo referente ao mês de Março de 2019.

Publicada após a morte do autor, "Sinais de Fogo" é a obra mais conhecida de Jorge de Sena, sendo considerada, com frequência, um romance autobiográfico. Um retrato de Portugal nos anos trinta, em pleno Estado Novo, e com um país vizinho em guerra. Considerado um dos grandes romances da Língua portuguesa da primeira metade do séc. XX, vale a pena conhecer Sinais de Fogo-Grandes Livros (Série RTP)


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Recebi respostas de: Aleme; António Amaro; Antoques; Arjacasa; Bábita; Baby; Caba; Candy; Corsário; Dupla Algarvia (Anjerod e Mister Miguel); El-Danny; El-Nunes; Fernando Semana; Fumega; Gilda Marques; Homotaganus; Horácio; Jani; João Bentes; João Carlos Rodrigues; Joaquim Pombo; José Bento; José Bernardo; Mafirevi; Magno; Manuel Amaro; Manuel Carrancha; Manuel Ramos; Maria de Lurdes; My Lord; Neveiva; Olidino; O. K.; Paulo Freixinho; Ricardo Campos; Rui Gazela; Russo; Salete Saraiva; Seven; Socrispim; Somar; Virgílio Atalaya e Zabeli.

Premiada: Maria de Lourdes, Amadora.
Prémio Porto Editora

Até ao próximo!

domingo, 24 de março de 2019

A rua da Sofia em Coimbra

Tal como Sophia, Jorge de Sena faria 100 anos em 2019. Sendo total merecidas as homenagens a Sophia, que estão sucedendo no país, parece-me que Jorge de Sena está a ser esquecido. 

Mas a obra de Jorge de Sena fala por si. Compreende mais de vinte colectâneas de poesia, uma tragédia em verso, uma dezena de peças em um acto, mais de trinta contos, uma novela e um romance, e cerca de quarenta volumes dedicados à crítica e ao ensaio (com destaque para os estudos sobre Camões e Pessoa, poetas com os quais a sua poesia estabelece um importante diálogo), à história e à teoria literária e cultural, ao teatro, ao cinema e às artes plásticas.

Jorge de Sena, no final de vida, zangou-se muito com Portugal, não ficou calado e muitos, talvez, não lhe perdoam. E por vezes, foi muito ácido nas apreciações que fez sobre o país que o viu nascer. Um exemplo.

Escreveu sobre a Sofia um poema satírico inserto no livro "Dedicácias". Não a poeta Sophia, sua grande amiga, com quem ele manteve correspondência. Mas sobre a rua da Sofia em Coimbra. O poeta refere a Rua da Sofia como símbolo do provincianismo cultural português. Sem margem para dúvidas, reza assim:


Rua de Sofia em Coimbra

Sabe de Hegel, de Sartre, de fenomenologia
mas andou na Rua da Sofia.

É inteligente, arguto, viajado
mas vive sempre com a aldeia ao lado.

Que há nestes portugueses que é como um sarro azedo,
um cheiro de vinagre ou carrascão de medo,
a que se agarram quais lapas ao Penedo

da Saudade? Não há filosofia
que salve quem andou na Rua da Sofia.

Jorge de Sena, │ Dedicácias


Nos últimos 4 anos visitei a cidade por duas vezes e, com pena, tenho de concordar com o poeta. Por inércia municipal, Coimbra tem estado a andar para trás, cada vez mais provinciana. Tenho a certeza que se o poeta voltasse agora a Coimbra, não alterava uma vírgula ao que escreveu. É pena.

sábado, 23 de março de 2019

A "Ausência" de Sophia

Hoje foi dia do Centro Cultural de Belém comemorar o Dia Mundial da Poesia, com a realização de vários eventos, distribuidos pelas muitas salas do Centro. 

Como vem sendo meu háhito, estive presente. A primeira hora, a assistir ao debete "Sophia", no qual ouvi interevemvões de Guilherme Oliveira Martins, Maria Andresen (filha de Sophia) e Margarida Magalhães Ramalho. As duas horas seguintes, na Maratona de Leitura, dedicada, este ano, ao centenário de Sophia. Foi um desfiar de poemas (foram também lidos poemas de Jorge de Sena, cujo nascimento foi há 100 anos), lidos por vários convidados, sob a moderação de André Gago.

De tantos poemas que ouvi de Sophia, deixo aqui notícia deste:

Ausência

Num deserto sem água
Numa noite sem lua
Num país sem nome
Ou numa terra nua

Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda do que a tua.

quinta-feira, 21 de março de 2019

Dia da Poesia e da Primavera

Dia Mundia da Poesia. É hoje. É todos os dias. E chegou a Primavera! Chegou?


Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.

Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma

Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.

Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.

Alberto Caeiro l Poemas Inconjuntos

terça-feira, 19 de março de 2019

No dia do pai


A vida é feita de pequenos nada, como o pai que leva o filho ver, pela primeira vez, o mar. 
Praia do Ferragudo, Ovar (1950?)

[…] E, para terminar bem, regista-se um outro autor orquense, já falecido, profissionalmente ligado aos Caminhos de Ferro (CP), mas poeta popular de mérito e que também deixou obra publicada, António Gonçalves dos Santos Boavida (1923-2015). Títulos: Homenagem aos amigos do Fundão (edição de autor, o qual abre com um prefácio de seu irmão José, professor em Setúbal); Verdades que deves saber em verso (2004); Uma vida em verso (2012); e Viagens – Roteiro poético (2015). – pp 391. 

Joaquim Candeias da Silva │Orca (Fundão, Castelo Branco) – Monografia histórica de uma Freguesia com um passado multimilenar

quinta-feira, 14 de março de 2019

O horrivel colarinho de goma


Esta é uma fotografia do escritor Manuel da Fonseca, quando jovem, com os pais e o irmão.

E aquele colarinho de goma não engana...

[…] Veio pois aquela manhã, quase no fim do Verão, em que meu pai me levou a casa do Sr. Rodrigo. Até aí, eu só tirara retratos no dia do meu aniversário. Meu pai escrevia a data na parte de trás; dava um à avó, outro aos meus padrinhos, e guardava os restantes. Às vezes,  mostrava-os às visitas. Eram todos eu, desde a idade dos cueiros até ao horrível colarinho de goma (sublinhado meu), tirado no ano anterior. Em nenhum havia nada de especial: apenas a cara que eu tinha quando os tirei. 
Agora, ia para Beja, para longe da família; meu pai já me tinha dito várias vezes que a minha vida ia levar uma grande volta, que estava um homenzinho e tinha de proceder de outro modo: passar a ter juízo.
Ter juízo! Naquele mesmo instante, rua fora, me ia repetindo tais palavras. Claro que eu não caminhava com o à-vontade do costume; o fato vincado e a gola dura em volta do pescoço faziam-me caminhar contrafeito. Tinha de conservar o tronco hirto, de modo a adaptar o corpo à solenidade do vestuário.
- Pai... - murmurei eu - lá em Beja tenho de andar sempre assim?
- Pois claro que tens!
Pensei ainda repetir a pergunta de modo a saber se, além de andar daquela maneira, teria que vestir sempre aquele fato. Mas achei inútil. Pois não ia eu para o liceu, não ia eu tirar o retrato para que gente estranha visse bem se era eu ou não o tal que já era um homenzinho e estava em Beja, distante de tudo que me era querido, e cheio de juízo? […]

Manuel da Fonseca │O conto "O Retrato", de "O Fogo e as Cinzas"

quarta-feira, 13 de março de 2019

Uma pequenina luz

Uma pequenina luz bruxuleante

Uma pequenina luz bruxuleante
não na distância brilhando no extremo da estrada
aqui no meio de nós e a multidão em volta
une toute petite lumiére
just a little light
una piccola…em todas as línguas do mundo
uma pequena luz bruxuleante
brilhando incerta mas brilhando
aqui no meio de nós
entre o bafo quente da multidão
a ventania dos cerros e a brisa dos mares
e o sopro azedo dos que a não vêem
só a advinham e raivosamente assopram.
Uma pequena luz
que vacila exacta
que bruxuleia firme
que não ilumina apenas brilha.
Chamaram-lhe voz ouviram-na e é muda.
Muda como a exactidão como a firmeza
como a justiça
Brilhando indefectível.
Silenciosa não crepita
não consome não custa dinheiro.
Não aquece também os que de frio se juntam.
Não ilumina também os rostos que se curvam.
Apenas brilha bruxuleia ondeia
Indefectível próxima dourada.
Tudo é incerto ou falso ou violento: brilha.
Tudo é terror vaidade orgulho teimosia: brilha.
Tudo é pensamento realidade sensação saber: brilha.
Tudo é treva ou claridade contra a mesma treva: brilha.
Desde sempre ou desde nunca para sempre ou não:
brilha.
Uma pequenina luz bruxuleante e muda
Como a exactidão como a firmeza
como a justiça.
Apenas como elas.
Mas brilha.
Não na distância. Aqui
No meio de nós.
Brilha.

Jorge de Sena, in Fidelidade, 1958

A felicidade de Cecília Meireles

A arte de ser feliz

Houve um tempo em que a minha janela se abria para um chalé. Na ponta do chalé brilhava um grande ovo de louça azul. Nesse ovo costumava pousar um pombo branco. Ora, nos dias límpidos, quando o céu ficava da mesma cor do ovo de louça, o pombo parecia pousado no ar. Eu era criança, achava essa ilusão maravilhosa, e sentia-me completamente feliz.

Houve um tempo em que a minha janela dava para um canal. No canal oscilava um barco. Um barco carregado de flores. Para onde iam aquelas flores? Quem as comprava? Em que jarra, em que sala, diante de quem brilhariam, na sua breve existência? E que mãos as tinham criado? E que pessoas iam sorrir de alegria ao recebê-las? Eu não era mais criança, porém minha alma ficava completamente feliz.

Houve um tempo em que a minha janela se abria para um terreiro, onde uma vasta mangueira alargava sua copa redonda. À sombra da árvore, numa esteira, passava quase todo o dia sentada uma mulher, cercada de crianças. E contava história. Eu não a podia ouvir, da altura da janela; e mesmo que ouvisse, não entenderia, porque isso foi muito longe, num idioma difícil. Mas as crianças tinham tal expressão no rosto, e às vezes faziam com as mãos arabescos tão compreensíveis, que eu que não participava do auditório imaginava os assuntos e suas peripécias e me sentia completamente feliz.

Houve um tempo em que a minha janela se abria para uma cidade que parecida feita de giz. Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco. Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim parecia morto. Mas todas as manhãs vinha um pobre homem com um balde e, em silêncio ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas. Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse. E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros, e meu coração ficava completamente feliz.

Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor. Outras vezes encontro nuvens espessas. Avisto crianças que vão para a escola. Pardais que pulam pelo muro. Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais. Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar. Marimbondos: que sempre parecem personagens de Lope da Vega. Às vezes, um avião passa. Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino. E eu me sinto completamente feliz.

Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outras dizem que essas coisas só existem diante das minhas janelas, e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.


Crónica extraída do Livro “Escolha o seu sonho” de Cecília Meireles. 4ª ed., Rio de Janeiro: Global Editora, 2016.