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sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

Inês morreu e nem se defendeu


Inês morreu e nem se defendeu
da morte com as asas das andorinha
pois diminuta era a morte que esperava
aquela que de amor morria cada dia
aquela ovelha mansa que até mesmo cansa
olhar vestir de si o dia-a-dia
aquele colo claro sob o qual se erguia
o rosto envolto em loura cabeleira
Pedro distante soube tudo num instante
que tudo terminou e mais do que a Inês
o frio ferro matou a ele.
Nunca havia chorado é a primeira vez que chora
agora quando a terra já encerra
aquele monumento de beleza
que pode Pedro achar em toda a natureza
que pode Pedro esperar senão ouvir chorar
as próprias pedras já que da beleza
se comovam talvez uma vez que os humanos
corações consentiram na morte da inocente Inês
E Pedro pouco diz só diz talvez
Satanás excedeu o seu poder em mim
deixem-me só na morte só na vida
a morte é sem nenhuma dúvida a melhor jogada
que o sangue limpe agora as minhas mãos
cheias de nada
ó vida ó madrugada coisas do princípio vida
começada logo terminada.

excerto de "A Margem da Alegria",
in "A Margem da Alegria", Editorial Presença, 1998;
in "Todos os Poemas", de Ruy Belo, Círculo de Leitores, p. 444

Imagem:
Drama de Inês de Castro (c. 1901-04), Columbano Bordalo Pinheiro.
Museu Militar de Lisboa.

(*) — Inês de Castro foi morta a 7 de Janeiro de 1355.

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