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quarta-feira, 9 de março de 2022

Em tempos de guerra



O Menino da sua mãe
No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas trespassado
- Duas, de lado a lado -,
Jaz morto, e arrefece.
Raia-lhe a farda o sangue.
De braços estendidos,
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos.
Tão jovem! que jovem era!
(Agora que idade tem?)
Filho único, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
«O menino de sua mãe»
Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve.
Dera-lhe a mão. Está inteira
E boa a cigarreira.
Ele é que já não serve.
De outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço... deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.
Lá longe, em casa, há a prece:
«Que volte cedo, e bem!»
(Malhas que o Império tece!)
Jaz morto, e apodrece,
O menino da sua mãe.

Fernando Pessoa, Maio de 1926, in Poesia 1918-1930, Ed. Assírio & Alvim

Quadro " O Menino da sua mãe" │ Almada Negreiros │ Pórtico
da entrada da Faculdade de Letras de Lisboa

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