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sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Cesário Verde (1)




Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.





Assim começa O Sentimento dum Ocidental (Avé-Marias), poema de Cesário Verde, publicado no Jornal de Viagens do Porto, em 1880, nas comemorações do tricentenário da morte de Camões. Andavam, porém, todos muito distraídos, pois ninguém lhe deu o devido valor. Só anos mais tarde, muitos, Fernando Pessoa, primeira vez, através do seu heterónimo Álvaro de Campos, bradou bem forte:
- Ó Cesário Verde, ó Mestre!
E, depois, através de Alberto Caeiro:
“Leio até me arderem os olhos / O Livro de Cesário Verde”.
Faz hoje 156 que nasceu Cesário Verde, vindo a falecer, em 1886, quando contava 31 anos de idade, tuberculoso. Participou, em 1881, nas reunião do chamado Grupo do Leão (referência ao restaurante “Leão de Ouro”), com outros literatos: Abel Botelho, Fialho de Almeida, entre outros. Também participaram nessa tertúlia pintores da época, como José Malhoa, Alberto de Oliveira e os irmãos Columbano e Rafael Bordalo Pinheiro. O “Grupo do Leão” foi imortalizado em 1885 num conhecido quadro a óleo sobre tela da autoria do Columbano. Cesário Verde, tal como Fialho de Almeida, foram esquecidos pelo pintor. Esquecimento? Talvez não...
Não faz mal, porque, dessa tertúlia, será Cesário, um não pintor, que antecipará a chegada do impressionismo a Portugal. O seu poema De Tarde é como uma tela de Renoir ou, quiçá, a representação do “Almoço na Relva” de Manet:

Naquele pic-nic de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.

Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas.

Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampamos, inda o Sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão-de-ló molhado em malvasia

Mas, todo púrpuro a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto
da merenda
O ramalhete rubro das papoulas!

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