De Profundis, Valsa Lenta (1997) foi um dos últimos livros escritos por José Cardoso Pires. Estamos perante um livro de difícil classificação: não é romance, não é conto, não é novela, não é ensaio, não é relato. É documento? É testemunho? É o próprio escritor que nos diz que oscila entre relato ou memória. Escrita rigorosamente objectiva. Escrita branca, substantiva, despojada. Despojada de barrocos, de advérbios. Uma memória da não memória.
JCP dá o testemunho dum facto verdadeiro em que ele foi o protagonista principal. É vítima de um AVC, em Janeiro de 1995. «Como é que tu te chamas?», pergunta ele à mulher, quando estava sentado à mesa a tomar o pequeno-almoço. «Eu, Edite, e tu?» Pausa. «E tu?» pergunta de novo a mulher. Longa pausa. «Parece que é Cardoso Pires», respondeu finalmente o escritor. Dali à urgência do Hospital de Santa Maria foi instante. Começou assim uma viagem à desmemória, a um homem sem memória. E um homem sem memória é um homem perdido, um homem sem afectos. É um homem que perde as emoções, que perde a fala, que a fala fica destroçada. Quando não se tem memória, não se têm relações. E quando se perde a leitura e a escrita fica-se impossibilitado de comunicar.
O que o escritor conta no livro foi em grande parte o que lhe contaram, não foi imaginado. Explica ele, mais tarde, numa entrevista. Lembra-se de muitas poucas coisas. A recordação que tem é de uma brancura iluminada, as pessoas eram vultos muito brancos. Olha, mas não reconhece ninguém. Não obstante, é uma vida tranquila, que sorri sempre. Foram 4 meses de trevas, mas JCP foi um homem com sorte. O seu caso não foi dos mais graves e ele recuperou. A rede dos neurónios voltaram a funcionar.
De Profundis, Valsa Lenta é uma viagem à desmemória, ao homem sem memória. Uma memória da não memória.
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