Camões teve uma vida desgraçada. É ele que o diz num soneto de fim de vida. “O dia em que eu nasci moura ou pereça/… /que este dia deitou ao mundo/a vida mais desgraçada que se viu”. Adivinhando o fim do Império, Camões, desalentado, olha para Portugal com muita apreensão (“apagada e vil tristeza”). É o que nos diz no Canto X, estrofe 145:
No mais, Musa, no mais, que a Lira tenho
Destemperada e a voz enrouquecida,
E não do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda e endurecida.
O favor com que mais se acende o engenho
Não no dá a pátria, não, que está metida
No gosto da cobiça e na rudeza
Huã austera, apagada e vil tristeza.
De certo modo, à sua maneira, também Fernando Pessoa olha para Portugal com apreensão. Pessoa já não tem Império para ter esperança. Portugal é um país fragmentado na incerteza, vivendo à sombra de um passado glorioso que morreu. Por isso, fala em “fulgor baço da terra”, no último poema da Mensagem, “NEVOEIRO”
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer —
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.
Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
o Portugal, hoje és nevoeiro...
É a Hora! Valete, Fratres.
Camões, embora o seu pessimismo, ainda assim exorta D. Sebastião para as guerras possíveis.
Pessoa, ainda que desalentado, "espera" por D. Sebastião para reinar no mundo inteiro. O nevoeiro que envolve Portugal traz em si a semente da mudança. É o tempo do Quinto Império que dará à língua e a cultura portuguesas a dimensão eterna e universal.
Curiosamente, ambos querem a mudança para melhor, acreditam num futuro melhor. Ambos querem a mudança. Camões, pela guerra; Pessoa, pela Língua e pela Cultura.
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