Li de supetão “Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres”, de Clarice Lispector. Curioso, dois títulos, ligados por uma conjunção, parece que anunciando uma tensão entre duas possibilidades: repetir ou inventar. Se calhar, foi justamente esta tensão, sempre permanente, que me fez correr.
O romance, publicado em 1969, esmiúça as dúvidas e os anseios de Lóri, a personagem principal, que pela primeira vez experimenta o amor e o prazer, mas tem medo de perder a própria identidade.
A obra baseia-se na história de Loreley, cujo apelido é Lóri, professora primária que passa a viver no Rio de Janeiro, após sair da casa de seus pais, em Campos. De família rica, com quatro irmãos homens, tinha suas regalias por ser a única filha mulher.
Ela conhece Ulisses, professor de filosofia, numa noite em que esperava um táxi e ele lhe ofereceu uma boleia. A partir daí, após ter tido outras experiências amorosas, esta era realmente verdadeira. Ela amava pela primeira vez e tinha que passar por este processo de aprendizagem, o qual tinha de aceitar.
Mas narra, sobretudo, o processo de amadurecimento de Lóri. Nesta medida, pode ser considerado como um romance de formação feminino, em que, para aprender, a personagem precisou desaprender a vergonha que tinha sobre o próprio corpo e sobre a proibição do prazer.
A protagonista faz um esforço para conhecer o seu “eu” que estava perdido no meio de tanto preconceito no que respeita ao amor e ao prazer. Neste entretanto, Ulisses espera pacientemente que Lóri aprenda, por si, a felicidade e o amor.
Finalmente, após uma longa, dolorida, solitária e angustiante espera, a protagonista sente-se capaz de procurar Ulisses na casa dele para se entregarem mutuamente um ao outro.
É este o enredo. Simples, como convém.
A narrativa é feita na terceira pessoa, que permite ao narrador expor os pensamentos e as angústias de Lóri.
O tempo da narrativa é indeterminado, talvez, pelas subtis pistas deixadas, a possamos situar no final da década de sessenta no Brasil.
O espaço que dá vida ao romance é a cidade do Rio de Janeiro, sem dúvida.
As personagens da obra retomam a figura homérica de Ulisses, herói da Ilíada, e de Lóri (de “Loreley”), nome de uma sereia, nome que deriva de lendas germânicas sobre ninfas que viviam nas águas.
"Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres" começa com uma vírgula e acaba com dois pontos. Bem original!
Há quem considere que esta inusitada introdução é uma indicação de que o romance deve ser lido como uma continuação das obras anteriores de Clarice Lispector, em especial de "A Paixão segundo G.H." (1964), o qual por sua vez termina com reticências.
Segundo li, há fragmentos do texto já publicados, com variações, entre os anos de 1967 e 1969, sob a forma de crónicas que a romancista escrevia para o Jornal do Brasil.~
É verdade. Há um capitulo que é praticamente igual ao “Ritual-Trecho”, de 27/7/1968, que vem em “A Descoberta do Mundo”. Começa assim “Aí estava o mar, a mais ininteligível das existências não humanas. E ali estava a mulher de pé, o mais ininteligível dos seres vivos “ (pág. 62). Bonito!
É verdade. Há um capitulo que é praticamente igual ao “Ritual-Trecho”, de 27/7/1968, que vem em “A Descoberta do Mundo”. Começa assim “Aí estava o mar, a mais ininteligível das existências não humanas. E ali estava a mulher de pé, o mais ininteligível dos seres vivos “ (pág. 62). Bonito!
Para quem gosta de ler Clarice Lispector, este romance, inimista, por vezes hermético, é imperdível!
Sem comentários:
Enviar um comentário