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segunda-feira, 29 de junho de 2015

100 anos da Revista Orpheu

Itinerários de Lisboa.  “100 Anos da Revista Orpheu”. Dia 26 de Junho de 2105.


1ª Estação: Biblioteca Camões, no Largo do Calhariz, 17.


Aqui, teve início do itinerário sobre “100 Anos da Revista Orpheu", com a orientação da Dra. Susana, da Divisão Cultural da CML. Feita a apresentação, foi dada a palavra a um técnico da Biblioteca Camões para falar aos participantes sobre história deste edifício conhecido, durante muito tempo, pelo Palácio Valada-Azambuja.


O Palácio Valada-Azambuja (Conde de Azambuja) construído no século XV, no sítio da Quinta do D. Álvaro Vaz de Almada (morreu na Batalha de Alfarrobeira ao lado do Regente D. Pedro), sofreu várias modificações ao longo de três séculos.

Tendo ruído com o terramoto, foi sendo reconstruído. A sua fachada com as beneficiações no decurso do século XIX e início do século XX sofreu grandes alterações.

O Palácio foi vendido em 1867, pelos descendentes dos antigos proprietários ao Conselheiro Francisco José da Silva Torres que o deixou a uma enteada, casada com o Conde de Azambuja, de onde vem a designação porque é conhecido aquele Palácio. No ano de 1922 foi vendido ao comerciante e antiquário Manuel Henriques de Carvalho. O edifício sofreu então muitas alterações, tendo os proprietários enxameado o rés-do-chão com lojas comerciais!

Mais tarde, em data que se desconhece, o edifício passou para a posse da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Até hoje.

Uma parte está ocupada pela Biblioteca Camões (1º andar); outra, por apartamentos de habitação, nos pisos superiores. A entrada principal, pelo nº 17, está actualmente fechada, impedindo de serem desfrutados os lindos azulejos do hall de entrada!

Só mais uma curiosidade. Este palácio, que foi residência do Marquês de Pombal e do Presidente Sidónio Pais, foi tornado famoso pelo Eça em “O Mandarim”: “Comprei, habitei o palacete amarelo, ao Loreto: as magnificências da minha instalação são bem conhecidas pelas gravuras indiscretas da Ilustração Francesa”.

No largo do calhariz, podemos ainda ver dois edifícios com história na cidade de Lisboa, mesmo em frente à actual Biblioteca Camões, ponto de partida do nosso itinerário: O Palácio Sobral e o Palácio Palmela (ou Palácio Calhariz), nas suas anteriores designações.


Palácio Sobral,  Foto Armando Serôdio (1966)

O Palácio Sobral, mandado construir entre 1770 e 1780 por Joaquim Ignácio da Cruz Sobral, lº Administrador do vínculo dos Sobrais, nasceu da compra de um velho prédio, propriedade de D. Lázaro Leitão Aranha, rico e erudito principal da Sé, que nesse lugar fez reunir a famosa Arcádia (1764). Neste Palácio se deram belas festas e concertos organizadas por ele e mais tarde pelo seu pai, a que concorria toda a Corte. Entre elas ficou célebre a esplêndida festa dada por ocasião do nascimento da princesa da Beira, D. Maria Teresa, no dia 29 de Abril de 1793, onde cantaram artistas estrangeiros especialmente convidados para o evento, Todi, Violanti, Angelleli, Ferracuti entre outros. Isto no mesmo dia em que se inaugurava o Teatro de São Carlos, também ele em homenagem à primeira filha de D. João e de D. Carlota Joaquina. Foi adquirido pela Caixa Geral de Depósitos em 1888 (ano em que nasceu Pessoa), para ali instalar a sua sede.


Palácio Calhariz-Palmela, Foto Horácio Novais (1940)

O Palácio do Sousa Calhariz, que deu o nome ao largo é hoje uma construção do início do século XVIII e foi erguido pelo Morgado do Calhariz (Nome de uma casta de uvas), D. Francisco de Sousa, em terrenos que foram de uma parente sua, a condessa do Alvito. Continuando na mão do Sousa Calharizes, nele habitou o conhecido diplomata D. Pedro de Sousa Holstein, mais tarde lº Duque de Palmela. Daí, passar a chamar-se Palácio Palmela. Foi adquirido pela Caixa Geral de Depósitos em 1947, em vista à ampliação da sua sede.

Presentemente, os dois Palácios (do Calhariz e do Sobral) fazem parte do mesmo conjunto arquitectónico e neles esteve instalada, até 1993, a sede da Caixa Geral de Depósitos.

No antigo Palácio do Calhariz, esteve, durante anos, a Liga Naval de Lisboa. Ficou célebre a Exposição de Amadeo de Souza-Cardoso que ali decorreu em 1916. Não menos célebre ficou o texto escrito por Almada Negreiros sobre esta exposição: 

"Em Portugal existe uma única opinião sobre Arte e abrange uma tão colossal maioria que receio que ela impere por esmagamento. Essa opinião é a do Ex.mo Sr. Dr. José de Figueiredo (gago do governo).

Não é porque este senhor tenha opinião nem que este senhor seja da igualha do resto de Portugal mas o resto de Portugal e este senhor em matéria de opinião são da mesma igualha. Um dia um senhor grisalho disse-me em meia hora os seus conhecimentos sobre Arte. Quando acabou a meia hora descobri que os conhecimentos do senhor grisalho sobre Arte eram os mesmos que o Ex.mo Sr. Dr. José de Figueiredo usava para me pedir um tostão (1). Pensa o leitor que faço a anedota? Antes fosse: Mas a verdade é que estou muito triste com esta fúria de incompetência com que Portugal participa na Guerra Europeia. E que horror, caros compatriotas, deduzir experimentalmente que de todas as nossas Conquistas e Descobertas apenas tenha sobrevivido a Imbecilidade. E daqui a indiferença espartilhada da família portuguesa a convalescer à beira-mar.

Algumas das raras energias mal comportadas que ainda assomam à tona d'água pertencem alucinadamente a séculos que já não existem e quando Um Português, genialmente do século XX, desce da Europa, condoído da pátria entrevada, para lhe dar o Parto da sua Inteligência, a indiferença espartilhada da família portuguesa ainda não deslaça as mãos de cima da barriga. Pois, senhores, a Exposição de Amadeo de Souza-Cardoso na Liga Naval de Lisboa é o documento conciso da Raça Portuguesa no século XX.

A Raça Portuguesa não precisa de reabilitar-se, como pretendem pensar os tradicionalistas desprevenidos; precisa é de nascer prò século em que vive a Terra. A Descoberta do Caminho Marítimo prà Índia já não nos pertence porque não participamos deste feito fìsicamente e mais do que a Portugal este feito pertence ao século XV.

Nós, os futuristas, não sabemos história só conhecemos da Vida que passa por Nós. Eles têm a Cultura. Nós temos a experiência - e não trocamos!

Mais do que isto ainda Amadeo de Souza-Cardoso pertence à Guarda Avançada na maior das lutas que é o Pensamento Universal.

Amadeo de Souza-Cardoso é a primeira descoberta de Portugal na Europa no século XX. O limite da descoberta é infinito porque o sentido da Descoberta muda de substância e cresce em interesse - por isso que a Descoberta do Caminho Marítimo prà Índia é menos importante que a Exposição de Amadeo de Souza-Cardoso na Liga Naval de Lisboa.

Felizmente pra ti, leitor, que eu não sou crítico, razão porque te não chateio com elucidações da Arte de que estás tão longìnquamente desprevenido; mas amanhã quando souberes que o valor de Amadeo de Souza-Cardoso é o que eu te digo aqui, terás remorsos de o não teres sabido ontem. Portanto, começa já hoje, vai à Exposição na Liga Naval de Lisboa, tapa os ouvidos, deixa correr os olhos e diz lá que a Vida não é assim?

Não esperes, porém, que os quadros venham ter contigo, não! Eles têm um prego atrás a prendê-los. Tu é que irás ter com eles. Isto leva 30 dias, dois meses, um ano mas, se tem prazo, vale a pena seres persistente porque depois saberás também onde está a Felicidade.

Lisboa, 12 de Dezembro de 1916.»


Após esta introdução acerca do espaço onde nos encontramos, a Susana, que nos guiará neste itinerário, fez a apresentação da Revista “Orpheu”:

«É UMA REVISTA, da qual saíram já dois números; é a única revista literária a valer que tem aparecido em Portugal, desde a Revista de Portugal, que foi dirigida por Eça de Queirós. A nossa revista acolhe tudo quanto representa a arte avançada; assim é que temos publicado poemas e prosas que vão do ultras-simbolismo ao futurismo. Fa1ar do nível que ela tem mantido será ta1vez inábil, e possivelmente desgracioso. Mas o facto é que ela tem sabido irritar e enfurecer, o que, como V. Ex.a muito bem sabe, a mera banalidade nunca consegue que aconteça. Os dois números não só se têm vendido, como se esgotaram, o primeiro deles no espaço inacreditável de três semanas. Isto a1guma coisa prova - atentas as condições artisticamente negativas do nosso meio - a favor do interesse que conseguimos despertar.»

Nesta carta a Camilo Pessanha, Fernando Pessoa apresentou a Orpheu, a revista trimestral que marca a Literatura portuguesa do século XX com apenas dois números, ambos publicados nos primeiros seis meses de 1915. Por muitos considerada o capítulo inicial do modernismo em Portugal, as suas principais figuras ficariam conhecidas como «a geração d’Orpheu».

No primeiro número, com capa desenhada por José Pacheco, a direção pertenceu a Luís de Montalvor (Portugal) e Ronald de Carvalho (Brasil). Colaboraram Mário de Sá-Carneiro («Para os Indícios de Oiro», poemas), Fernando Pessoa («O Marinheiro», drama estático), José de Almada Negreiros («Frisos», prosas) ou Álvaro de Campos («Opiário» e «Ode Triunfal»).


Este número foi publicado no dia 19 de março de 1915. Distribuído pelos locais de venda da cidade de Lisboa, o primeiro exemplar só foi vendido já perto do fim da tarde. 

O segundo número, com capa desenhada por Almada negreiros,  mantinha o editor (António Ferro), o proprietário (Orpheu, Lda.), mas a direção passava a ser assumida por Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro. Colaboraram, entre outros, Santa-Rita Pintor, Ângelo de Lima («Poemas Inéditos»), Mário de Sá-Carneiro («Poemas sem Suporte»), Raul Leal («Atelier», novela vertígica), Álvaro de Campos («Ode Marítima») e Pessoa («Chuva Oblíqua», poemas interseccionistas).


Planos não faltaram para um terceiro número, anunciado assim nas páginas da Orpheu n.° 2 : «será publicado em outubro, com atraso dum mês, portanto - para que a sua ação não seja prejudicada pela época morta». No entanto, a recusa do pai de Sá-Carneiro em continuar a financiar a revista colocou um ponto final na publicação.


Até agora, o centenário tem merecido várias evocações e homenagens. Os CTT emitiram 300 exemplares de dois selos que reproduzem as duas capas da revista. A Biblioteca Nacional, em Lisboa, acolhe até 20 de junho a exposição «Os Caminhos de Orpheu», de entrada livre. 

E muitas outras iniciativas foram apresentadas que nos dispensamos aqui de destacar, todas elas pretendendo ajudar a compreender o que foi e o que é Orpheu. 

De 25 a 28 de março, Lisboa recebeu o congresso internacional «100 Orpheu» na Fundação Calouste Gulbenkian e no Centro Cultural de Belém, que teve a sua segunda parte no Brasil, mais concretamente na Universidade de São Paulo, entre 25 e 28 de maio.

Está tudo explicado em http://100orpheu.com/. Pessoa tinha razão quando escreveu: «Orpheu acabou. Orpheu continua.»

Porém, o terceiro número, com capa desenhada ainda por Almada Negreiros, não chegou a circular, como já se disse. Razões que têm a ver com a disposição do pai de Mário de Sá-Carneiro deixar de financiar a edição da revista (não gostaria do grande alarido à volta da revista e dos seus protagonistas). Por outro lado, não são de excluir razões ligadas às divergências entre os modernistas acerca da participação, ou não, de Portugal na 1ª Grande Guerra. 

Nas provas tipográficas conhecidas anos mais tarde (1984), encontra-se o longo poema «Para além doutro Oceano», atribuído a um misterioso C. Pacheco. Chegou mesmo a pensar-se que o seu autor seria Pessoa. Todavia, os pessoanos Prof.s Arnaldo Saraiva e Maria Aliete Galhoz vieram a concluir que o poema continha debilidades, retirando definitivamente a autoria do mesmo a Pessoa. Este Coelho Pacheco viveu entre 1894 e 1951, e foi um importante representante de várias marcas de automóveis e de aparelhagem eléctrica, com estabelecimento na Rua Braamcamp, 92, em Lisboa. Era poeta e colaborou em revistas e jornais, para além de ser um grande amigo de Pessoa.

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