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quinta-feira, 26 de maio de 2011

O poeta do Marão


No último fim de semana fui até Amarante, para ver o Tâmega e o Marão. Ficará para sempre gravada, na minha memória, a visão do Tâmega, naqueles dias de águas barrentas, serpenteando aquelas terras de Portugal. Visitei a Igreja e o Convento de São Gonçalo de Amarante – aquele que atirou o bordão ao rio e onde ele encalhasse seria erguida a sua ermida e a sua casa.


No último dia, já no regresso, peregrinei até à Casa de Teixeira de Pascoaes, o cantor do Marão e do Tâmega. Hoje, existe ali uma unidade de alojamento em Turismo de Habitação. No entanto, foi preservado um espaço dedicado ao poeta, conservando-se ainda a sua biblioteca, assim como os seus objectos pessoais, estando o espaço organizado de modo a recriar a ambiência de trabalho do poeta.

A visita foi possível graças à simpatia da Sra. D. Maria Amélia, com quem dois dias antes, através de telefonema realizado ainda em Lisboa, havia aprazado essa visita para as 10h30m do dia 22 de Maio. Tudo aconteceu como combinado. Tive assim a oportunidade de visitar a casa, bem como parte da quinta. Os herdeiros de Teixeira de Pascoaes, sobretudo a Sra. D. Maria Amélia (foi casada com João de Vasconcelos, sobrinho do poeta) lutam por manter viva esta memória e, até à presente data, conservam na sua posse todo o espólio literário do poeta. Será a melhor solução?

Tive na mão o livro, O MUNDO FECHADO, que a Agustina Bessa-Luís escreveu e enviou ao Teixeira de Pascoaes, em 1948, com uma dedicatória. Eu já ouvira a Agustina contar esta história. O Teixeira de Pacoaes era então uma respeitável figura das letras em Portugal e Agustina achou por bem pedir a sua “benção” para o primeiro livro. De referir que a casa de Pascoaes se situa na freguesia de São João de Gatão e a Agustina nasceu na freguesia de Vila Meã, ambas pertencentes ao concelho de Amarante. Teixeira de Pascoaes não terá respondido ou a sua resposta perdeu-se, tendo este episódio deixado sequelas para sempre, como pude comprovar agora. E, pelo que me foi dito, fiquei curioso de ler o SUSTO, que a Agustina veio a escrever dez anos mais tarde.

Foi muito gratificante ver um recanto da biblioteca, com lareira, onde o poeta Pascoaes recebia os amigos que o visitavam, no íntimo desta sua casa natal e solarenga. Por lá passaram inúmeros intelectuais, nacionais e estrangeiros, como, entre outros, Eugénio de Andrade, Mário Cesariny, Raul Brandão, Leonardo Coimbra, Jaime Cortesão.

Miguel Unamuno, poeta e filosofo espanhol, foi outro grande amigo de Pascoaes e visita frequente da casa de Gatão. Segundo conta Unamuno, em escrito de Fevereiro de 1908, depois de ter ter conhecido Pascoaes em Salamanca e o ter visitado depois no Porto, «de novo, já sem nos separarmos, tornei a conviver com Teixeira de Pascoaes, naquele recanto da sua Amarante, em meio do Portugal campestre e simples, pai do Portugal navegador e heróico».

Também eu, com Pascoaes e Unamuno, assomei àquela janela do miradouro, «para beber com os olhos a água do Tãmega, que vai

(...) compondo versos de neblina
Às arvores do monte, à dura fraga...
Elegias d´orvalho à luz divina,
Endeixas de remanso e cantos de água...»

Por fim, não posso deixar de recordar outro encontro de poetas nesta casa. Aconteceu em Setembro de 1951, quando Sebastião da Gama, o poeta da Arrábida, veio até Amarante, para visitar o poeta do Marão. Sebastião da Gama dizia que conhecemos os poetas no lugar que os fez. A propósito desse lugar que definitivamente dá feição aos poetas, disse então Teixeira de Pascoaes:  «A Arrábida é o altar do Mundo; eu pu-lo no Marão, porque sou daqui».

Regressei a Lisboa com a alma cheia de poesia, depois de visitar a casa do poeta que eu sempre vislumbrei de olhos fundos, de voz cansada, nevoento e pálido.

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