O romance “A Cidade e as Serras”, de Eça de Queiroz, foi publicado em 1901, um ano depois da sua morte, romance que ele desenvolveu a partir do conto “Civilização”, datado de 1892. É um romance ao longo do qual Eça de Queiroz ironiza ferrenhamente os males da civilização, fazendo o elogio dos valores da natureza.
O romance é escrito na primeira pessoa, como a maioria dos romances de Eça de Queiroz. Zé Fernandes é, neste caso, o contador da história; é um narrador participativo.
É considerada uma obra das mais significativas deste escritor. Nela, ele relata a travessia de Jacinto, um ferrenho adepto do progresso e da civilização, da cidade para as serras. Ele troca o mundo civilizado (Paris), onde impera o progresso tecnológico, pelo mundo natural (Tormes), selvagem, primitivo e pouco confortável, no sentido dos bens que caracterizam a vida urbana moderna, mas onde encontra a felicidade, mudando radicalmente de opinião.
O protagonista faz uma viagem, da cidade para as serras, o que representa, ao mesmo tempo, um percurso interior. Em Paris, no Palácio 202, rodeado de todos os luxos, mergulhado numa biblioteca em que repousavam mais de trinta mil livros, Jacinto carregava o pessimismo às costas. “Sua Excelência sofre de fartura!”, sentenciou, um dia, o criado Grilo.
Depois, em Tormes, o protagonista, Jacinto, irá buscar a síntese, ou seja, o equilíbrio, que vem da racionalização e da modernização da vida no campo. “Sua Excelência brotou!”, declarou, desta vez, o venerando preto. O criado Grilo era muito perspicaz, era um óptimo observador, e tinha estas sínteses extraordinárias.
É sabido que Eça não teve tempo de rever esta obra, como tanto ele gostava de fazer. Uma parte, foi revista pelo seu amigo Ramalho Ortigão e a parte final é apenas e tão só o manuscrito que o Eça deixou escrito. Já agora, pergunto eu, a razão pela qual Ramalho Ortigão não fez o trabalho até ao fim? A edição que possuo tem 247 páginas, sendo que o Eça fez a revisão até à página 159, ou seja, apenas 65% da obra. Eu penso que a obra se ressente com isso. O romance, a partir da última página revista pelo autor, perde força.
Se eu tivesse que escolher o capítulo da obra que me deu mais gozo ler, não hesitava um minuto. É o Cap. VIII. Nele estão escritas das páginas mais belas da literatura portuguesa. A chegada à estação de Tormes, o chefe Pimenta, condiscípulo de Zé Fernandes em Retórica, no liceu de Braga; o desaparecimento das 23 malas trazidas de Paris, onde o Jacinto pensava transportar o 202 para a serra; a subida da serra bendita, “Que beleza”, murmurava Jacinto adiante, na sua égua ruça; aquele arroz de favas ao jantar, “deste arroz com fava nem em Paris, Melchior amigo!”; e, à noite, para dormir, uma enxerga de granito e uma camisa da mulher do Melchior, áspera como uma estamenha de penitente. São páginas inolvidáveis!
Só para ler estas páginas, vale a pena revisitar o livro. É o que eu faço…e muitas vezes. E seguir o conselho de Jacinto. Um dia, estando ele na biblioteca com o seu amigo Zé Fernandes, este, perante a imensidade de livros, disse não contendo a sua admiração:
-Oh Jacinto, que depósito!
Jacinto murmurou, num sorriso descorado:
- Há que ler, há que ler….
Belo conselho, digo eu. Enquanto tenho livros para ler, nunca me sinto só.
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