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domingo, 29 de dezembro de 2013

O Ano da Morte de Ricardo Reis (respigo)


«[…] E pronto, a não ser que queira que lhe leia as desordens e agressões, o jornal está lido, Que horas são, Quase meia-noite, ih, como o tempo passa, Vai-se embora, Vou, Quer que o acompanhe, Para si ainda é cedo, Por isso mesmo, Não me compreendeu o que eu disse é que ainda é cedo para me acompanhar lá para onde eu vou, Sou apenas um ano mais velho que você, pela ordem natural das coisas, Que é a ordem natural das coisas, Costuma-se dizer assim, pela ordem natural das coisas eu até deveria ter morrido primeiro, Como vê, as coisas não têm uma ordem natural. Fernando Pessoa levantou-se do sofá, depois abotoou o casaco, ajustou o nó da gravata, pela ordem natural teria feito ao contrário, Então cá vou, até um dia destes, e obrigado pela sua paciência, o mundo ainda está pior do que quando o deixei, e essa Espanha, de certeza, acaba em guerra civil, Acha, Se os bons profetas são os que já morreram, pelo menos essa condição está do meu lado, Evite fazer barulho quando descer a escada, por causa da vizinhança, Descerei como uma pena, E não bata com a porta, Fique descansado, não ecoará o som cavo da tampa do sepulcro, Boas noites, Fernando, Durma bem, Ricardo. […]»

José Saramago, in "O Ano da Morte de Ricardo Reis"

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