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sábado, 5 de julho de 2014

Dúvidas de Português


Há poucos dias, numa roda de amigos, alguém suscitou uma dúvida de português. Como é sabido, muitos verbos têm duas formas de particípios, uma regular e outra irregular. A forma irregular resulta normalmente da contracção da forma regular, mantendo, no entanto, o radical. É também sabido que as formas regulares empregam-se, em regra, junto dos auxiliares ter e haver, enquanto as irregulares com os verbos ser e estar.

A questão então suscitada tem a ver com a a palavra MORTO, quando apresentada como a forma irregular do particípio passado do verbo MATAR. A argumentação é a seguinte: 

O radical de matar é "mat" que dá "matado", nunca pode dar "morto", que vem de morrer cujo radical é "mor", que dá “morto” ou “morrido”.

Fui ver e encontrei esta explicação que, em parte, me conforta.

Inicialmente, “morto” é particípio passado do verbo “morrer”. Depois, com o evolucionar da Língua e por ANALOGIA com o verbo matar, passou também a particípio passado deste verbo. Estes fenómenos acontecem muitas vezes. E dá este exemplo, do verbo ir, do latim ire. O presente do indicativo deriva doutro verbo: do verbo latino vadere, caminhar, dirigir-se. Por isso, dizemos vou, vais, vai, de vado, vadis, vadit.

Consultei, depois, uma lista de particípios duplos, com as duas formas (regular e irregular), dela retirando exemplos de casos em que a forma irregular não respeita o radical:

Afeiçoar=Afeiçoado/Afecto
Enxugar=Enxugado/Enxuto
Absorver=Absorvido/Absorto
Acender=Acendido/Aceso
Agradecer=Agradecido/Grato
Corromper=Corrompido/Corrupto
Exprimir=Exprimido/Expresso
Erigir=Ergido/Erecto

Parece, pois, que se pode concluir que a Norma já adoptou muitas palavras que se formaram fora da regra. Aliás, na evolução da Língua há uma tensão permanente entre a NORMA e o USO. A Norma diz que é assim e o Uso diz outra poisa. E acontece, muitas vezes, que, com o tempo, a Norma acaba por adoptar o Uso. Mas enquanto isso não acontece o que se diz por uso é erro.

“Rubrica” parece um bom exemplo do que digo. A palavra não leva acento gráfico, sendo que o acento tónico recai na penúltima sílaba bri. Esta é a norma, Todavia, há muita agente a escrever “rúbrica” e, ainda mais, a pronunciar assim (o uso) acentuando a antepenúltima sílaba

No caso do nosso MORTO de MATAR já deve ser norma consolidada há muito tempo. Assim como, penso eu, a regra sobre o uso da forma regular ou irregular com os verbos auxiliares ter e haver (regular) e ser e estar (irregular).

Pelo menos, foi já a regra que Camões seguiu no famoso verso “Que depois de ser morta foi rainha” ("Os Lusíadas, Canto III, 118).  Com o verbo ser usa-se a forma irregular! Lapidar!

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