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sábado, 18 de agosto de 2018

Recordando o poeta António Botto

António Botto, poeta, contista e dramaturgo português, nasceu há 121 anos, no dia 17 de Agosto de 1897, em Abrantes.. 

Poeta muito incompreendido na sua época, nomeadamente por ter origens modestas, poucos estudos formais e ser homossexual, foi amigo e protegido por Fernando Pessoa. Após a morte deste, dedicou-lhe este poema:

Poema de Cinza

À memória de Fernando Pessoa

Se eu pudesse fazer com que viesses
Todos os dias, como antigamente,
Falar-me nessa lúcida visão
- Estranha, sensualíssima, mordente;
Se eu pudesse contar-te e tu me ouvisses,
Meu pobre e grande e genial artista,
O que tem sido a vida - esta boémia
Coberta de farrapos e de estrelas
Tristíssima, pedante, e contrafeita,
Desde que estes meus olhos numa névoa
De lágrimas te viram num caixão;
Se eu pudesse, Fernando, e tu me ouvisses,
Voltávamos à mesma:
Tu, lá onde
Os astros e as divinas madrugadas
Noivam na luz eterna de um sorriso;
E eu, por aqui, vadio da descrença
Tirando o meu chapéu aos homens de juízo. . .
Isto por cá vai indo como dantes;
O mesmo arremelgado idiotismo
Nuns senhores que tu já conhecias
- Autênticos patifes bem falantes. . .
E a mesma intriga; as horas, os minutos,
As noites sempre iguais, os mesmos dias,
Tudo igual! Acordando e adormecendo
Na mesma cor, do mesmo lado, sempre
O mesmo ar e em tudo a mesma posição
De condenados, hirtos, a viver
- Sem estímulo, sem fé, sem convicção...

Poetas, escutai-me: transformemos
A nossa natural angústia de pensar
- Num cântico de sonho!, e junto dele,
Do camarada raro que lembramos,
Fiquemos uns momentos a cantar!

António Botto

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