Volto aqui à entrevista que os poetas João Luís Barreto Guimarães e Jorge Sousa Braga deram à jornalista Anabela Mota Ribeiro, do jornal “Publico” do Domingo passado. Uma entrevista longa, em que os entrevistados falaram sobretudo de poesia. Contaram as artimanhas que usaram para chegar à fala com o poeta Eugénio Andrade, o qual, como se sabe, tinha fama de ser muito pouco acessível.
O poeta João Luís, através dos gatos, conta ele: «A minha mãe era criadora de gatos persa. Eu andava a recolher poemas sobre gatos (de Baudelaire a Eliot) para a antologia Assinar a Pele (2001). É um livro que tem na capa um desenho de Vieira da Silva sobre o “gato” Mário Cesariny. A minha mãe disse ao Eugénio que tinha um filho que estava a fazer uma antologia de poemas sobre gatos. Ele com um ar distante — e isso responde a pergunta de há bocado —, respondeu: “Ele que me apareça”. Apareci. Escreveu um poema que começava assim: “Contigo chegam os gatos”. O poema, a que o poeta Eugénio de Andrade deu o título "Acerca de Gatos", diz assim:
o mais antigo, eu tinha
dez anos ou nem isso,
um pequeno tigre que nunca se habituou
às areias do caixote, mas foi quem
primeiro me tomou o coração de assalto.
Veio depois, já em Coimbra, uma gata
que não parava em casa: fornicava
e paria no pinhal, não lhe tive
afeição que durasse, nem ela a merecia,
de tão puta. Só muitos anos
depois entrou em casa, para ser
senhor dela, o pequeno persa
azul. A beleza vira-nos a alma
do avesso e vai-se embora.
Por isso, quem me lambe a ferida
aberta que me deixou a sua morte
é agora uma gatita rafeira e negra
com três ou quatro borradelas de cal
na barriga. É ao sol dos seus olhos
que talvez aqueça as mãos, e partilhe
a leitura do Público ao domingo.
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