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quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Diálogos poéticos - Fernando Pessoa & António Gedeão


Confesso que, só por mero acaso, descobri este poema do poeta António Gedeão, o qual, aliás, faz parte dos “Poemas Escolhidos”, segundo uma Antologia organizada pelo próprio poeta (Edições João Sá da Costa, Lda). 

É dedicado a D. Pedro, Regente de Portugal, durante a menoridade do seu sobrinho D. Afonso V, filho do Rei D. Duarte. Viajante pela Europa (O Infante das Sete Partidas, como ficou conhecido), erudito, ambicionou uma política de de aproximação à Europa Central. Foi considerado o Infante mais culto da Ínclita Geração. Morreu na Batalha de Alfarrobeira, no dia 29 de Maio de 1449.

Poema de Alfarrobeira

Era Maio, e havia flores vermelhas e amarelas
nos campos de Alfarrobeira.

O homem,
de burel grosso e barba de seis dias,
arrastava os tamancos e o cansaço.
Ao lado iam seguindo os bois puxando o carro,
naquele morosíssimo compasso
que engole o tempo ruminando o espaço.

Era velho nas tinha a voz sonora
e com ela incitava os bois em andamento,
voz cantada que os ecos prolongavam
indefinidamente.
Era um deus soberano e maltrapilho
a cuja imperiosa voz aquelas massas
de carne musculada,
maciça, rude, bruta, inamovível,
obedeciam mansas e seguiam
no sulco aberto
como se um pulso alado as dirigisse,
mornas e sonolentas.

A voz era a de um deus que os mundos cria,
que do nada faz tudo,
que vence a inércia e anula a gravidade,
que levita o que pesa e o trata como leve.
Potência aliciadora alonga-se e prolonga-se
nos plainos da paisagem,
enquanto os animais prosseguem no caminho
do seu quotidiano,
pensativos e absortos.

Lá em baixo, na margem do ribeiro,
estendido sobre a erva,
jaz o infante.
Do seu coração ergue-se a haste de um virote
erecta como um junco,
e já nenhuma voz o acordará.

António Gedeão, in Poemas Escolhidos, Antologia Organizada pelo autor

O poeta apenas na última estrofe mostra ao que vem Lá em baixo, na margem do ribeiro, / estendido sobre a erva, / jaz o infante. / Do seu coração ergue-se a haste de um virote / erecta como um junco, / e já nenhuma voz o acordará.”

O Infante ficou ali estendido sobre a erva, insepulto, durante 2 dias, enquanto um velho, ali por perto, em completa indiferença, lavra as suas terras.

O que terá levado o poeta António Gedeão a escrever este poema? Só encontro uma explicação: O cidadão Rómulo de Carvalho (o poeta António Gedeão), cientista, viu naquela figura história outro homem de grande cultura.

E esta explicação, uma mera hipótese, pode ser ajudada pela circunstância de outro grande poeta da Literatura portuguesa, Fernando Pessoa, ter escolhido este mesmo Infante para exaltação do passado glorioso da História de Portugal e ver nele um Homem que olhava para o futuro. É este o poema.

D. Pedro, Regente de Portugal

Claro em pensar, e claro no sentir,
E claro no querer;
Indiferente ao que há em conseguir
Que seja só obter;
Dúplice dono, sem me dividir,
De dever e de ser —

Não me podia a Sorte dar guarída
Por não ser eu dos seus.
Assim vivi, assim morri, a vida,
Calmo sob mudos céus,
Fiel à palavra dada e à ideia tida.
Tudo o mais é com Deus!

Fernando Pessoa, in “Mensagem”

Fernando pessoa retrata-o sob o signo da “claridade”: “Claro a pensar, e claro no sentir, / E claro no querer”, isto é, como homem determinado, sábio e lúcido. Pessoa invoca nestes versos a consolidação da ideia imperial de Portugal como momento sagrado de passagem para uma futura instauração do Quinto Império. 

Um homem grande da História de Portugal permaneceu, durante dois dias, insepulto, "estendido na relva” com um “haste de um virote erecta / como um junco”. Valeram-lhe homens do povo que, apiedados, o levaram numa escada de pedreiro até à Igreja de Alverca, onde lhe deram uma sepultura humilde. Só, alguns anos mais tarde, e graças à acção da sua irmã, D. Isabel de Portugal, Duquesa da Borgonha, os seus restos mortais foram levados para o Mosteiro da Batalha.

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