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segunda-feira, 3 de março de 2014

Um festim de sangue...


Acabei de ler “A Noite Sangrenta”, de José Brandão. Li, de supetão, as primeiras 100 páginas. As restantes 130, mais serenamente. O livro pretende relatar os trágicos acontecimentos de 19 de Outubro de 1921. Estamos em plena 1ª República e o que aconteceu na noite daquele dia é uma página negra da nossa História. 

António Granjo, Machado dos Santos e Carlos da Maia são as principais figuras ligadas à história do regime saído da Revolução de 5 de Outubro de 1910 que foram apanhadas nas iras de uma turba alucinada.

No Arsenal da Marinha, local principal desta tragédia, passaram-se momentos de arrepiante pavor. Foi para aqui que a célebre Camioneta Fantasma trouxe as principais vítimas. O primeiro a chegar foi António Granjo, o chefe do Governo recentemente eleito. Foi cravejado de balas. “Venham ver de cor é o sangue do porco”. Gritou ululante a corja de facínoras.

Machado dos Santos, o grande símbolo do 5º de Outubro de 1910, foi arrancado, altas horas da noite, do aconchego da família e levado na Camioneta Fantasma. O destino era o Arsenal da Marinha. Todavia, uma avaria súbita no motor da camioneta, junto ao largo do Intendente, impediu a marcha até ao Arsenal. Os facínoras não perderam tempo, “ E se a gente o matasse já aqui?”. E assim fizeram. 

Como foi possível este festim de sangue?

A 19 de Outubro de 1921, quer o chefe do governo, quer o presidente da República eram adversários declarados de Afonso Costa e tinham sido eleitos à custa da derrota do Partido Democrático.

O país estava no rescaldo do Sidonismo e da Monarquia do Norte. Na chefia do Governo, estava António Granjo, do Partido Liberal. Era já o 34º Governo da I República! Na presidência da República estava António José de Almeida. Era o 6º presidente em 11 anos de República!

Por essa altura, a GNR era seguramente a força militarizada que dispunha de melhor armamento e de efectivos em número suficiente para tomar conta da cidade num abrir e fechar de olhos.

Por outro lado, os marinheiros sublevados ocuparam o Arsenal, contando com o apoio dos mais poderosos vasos de guerra concentrados no estuário do Tejo.

Na primeira parte do livro, o autor apresenta uma descrição dos factos. Decorridos dois anos, foi feito o julgamento dos crimes de homicídio praticados durante a noite sangrenta. Os autores materiais dos crimes foram julgados. Ao todo foram acusados 22. A 1 de Junho de 1923, o Tribunal Militar Extraordinário de Santa Clara proferiu a sentença condenatória, sendo 13 condenados com penas de prisão e degredo e 9 absolvidos.

Na segunda, o autor do livro faz um levantamento opinativo de muitas interpretações dos acontecimentos acerca dos trágicos acontecimentos. Para muitos, o Tribunal apenas condenou soldados e marujos (o peixe miúdo), os que não puderam lavar das mãos e das fardas o sangue derramado, deixando de fora os que prepararam o festim de terror e de sangue.

Especular com aos autores morais do crime? Não, não vou por aí. Dependendo da posição ideológica, há muitas interpretações para o sucedido naquela noite sangrenta. É um caminho que eu não quero percorrer. 

Socorro-me de Raul Brandão. Para ele, foi uma “noite infame”, para a qual só encontra as seguintes palavras: “assombro”, “horror”, “indignação”, “vergonha”, “loucura”, “crime”!

2 comentários:

  1. Desconhecia a existência deste livro sobre um assunto que sempre me interessou. Julgo que uma das vítimas, não sei se Carlos da Maia se António Granjo, morava nas Janelas Verdes, rua onde tive o meu primeiro local de trabalho. Teria sido de lá que o foram buscar. Afinal este país não é de brandos costumes como o antigo regime sempre quis fazer crer. Antes deste episódio houve o regicídio e a morte se Sidónio Pais.

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  2. Há alguma verdade no que dizes, Zé Luís. Quem morou na Rua das Janelas Verdes foi, justamente, José Carlos da Maia. Foi lá que a Camioneta Fantasma se dirigiu nessa fatídica noite para o levar. Era aí que o célebre Dente de Ouro (cabo artilheiro Abel Olímpio) espera filar o Carlos da Maia. Chegado lá, acontece que uma velha ama informou que ele já não morava ali, que se mudara para a Rua dos Açores. Depois, foram a esta morada e levaram-no para o Arsenal da Marinha. E a História tem destes contrastes. Estes desgraçados foram barbaramente assassinados no Arsenal da Marinha, cujos portões se haviam também aberto catorze anos atrás para deixar entrar o rei D. Luís morto e o príncipe agonizante. Um abraço, Zé Luís.

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