A minha Lista de blogues

quarta-feira, 9 de abril de 2014

E ela disse que não!...


O escritor Eça de Queirós teve uma infância muito atribulada. Ele não era um escritor confessional, o que faz com que não abundem elementos (cartas, cadernos, fotografias,…) sobre os primeiros anos da sua vida. Em carta datada de 10 de Novembro de 1878, dizia a Chardron, seu editor: «Dados para a minha biografia, não sei dar. Eu não tenho história, sou como a República do Vale de Andorra.”

João Gaspar Simões, biografo do escritor, argumentava em 1945 que o nascimento ilegítimo de Eça o teria marcado para vida. Para Gaspar Simões, e também para outros estudiosos queirosianos, a obra de Eça, sobretudo a da primeira fase, é uma resposta brutal à ilegitimidade.

Mas, então, o que se passou? O nascimento de Eça está ainda envolto em mistério. O pai foi o Dr. José Maria Teixeira de Queirós, delegado do procurador régio, então em Ponte de Lima. Mas esse mistério abate-se sobre a mãe. Nenhuma mãe abandona, de ânimo leve, um filho, mas a mãe de Eça tem um comportamento, desde o nascimento do filho, completamente incompreensível, o que suscita e alimenta muitas dúvidas.

A versão mais oficiosa é da que a mãe de Eça foi a Sra. Carolina Augusta. Solteira, grávida, vivia em Viana do Castelo e veio para a Póvoa de Varzim, pois convinha que o parto se realizasse fora do local da residência.

Eça nasceu no dia 25 de Novembro de 1845. A mãe cuidou da criança e levou-a para casa? Não, ela disse que não! 

No dia 1 de Dezembro, desse ano, a criança foi baptizada na igreja matriz de Vila do Conde. A mãe esteve presente? Não, ela disse que não!

Nem ela, nem o pai, nem nenhum membro da família estiveram presentes. Os padrinhos foram o Senhor dos Aflitos e a ama, Ana Joaquina Leal de Barros. O assento do baptismo regista: «José Maria, filho natural de José Maria de Almeida de Teixeira Queirós e de mãe incógnita…» Leram bem? Mãe incógnita! Facto raríssimo ainda hoje.

No dia 3 de Setembro de 1849, realizou-se o casamento entre o pai de Eça e a tal jovem Carolina Augusta. Bem, seria natural que a criança, agora, se juntasse aos pais. Ela chamou para junto de si a criança? Não, ela disse que não!

A criança, o nosso Eça, continuava a ser criado pela ama Ana Joaquina, que continuava a viver em Vila do Conde, casada com um alfaiate.

Mas, em 1850, a ama morreu. É desta que a mãe levou o menino para junto de si? Não, ela disse que não!

O menino, o nosso Eça, foi viver para Verdemilho, uma aldeia perto de Aveiro, para a casa dos avós paternos. Uma boa educação, as primeiras leituras na biblioteca do avô. Primeiro, morreu o avô e, depois, em 1855, a avó. 

Mais uma vez, o menino ficou sozinho. Bem, será que, finalmente, a mãe levou o menino, o nosso Eça, para a sua casa, para junto de si, do pai e dos outros irmãos entretanto nascidos? Não, ela disse que não!

Eça foi para o Porto e ficou a residir em casa dos tios Albuquerque, na Rua da Cedofeita. Foi inscrito, como aluno semi-interno, no Colégio da Lapa, onde viria a conhecer Ramalho Ortigão, mais velho que ele 8 anos, e que viria a ser, no futuro, um dos seus grandes amigos. 

E os fins-de-semana, com o colégio fechado, eram, ao menos, passados com a mãe? Não, ela disse que não!

Acabados os estudos liceais, Eça rumou até Coimbra para estudar Direito. No Verão de 1866, com o diploma de bacharel debaixo do braço, Eça chegou a Lisboa. Pela primeira vez, foi viver com a mãe, com o pai e com os irmãos, num prédio situado no Rossio, no 4º andar do nº 26. Hoje, uma placa na parede do prédio assinala esse facto. Eça tinha lá um quartinho, mas, quando estava na capital, era mais o tempo que passava na casa do seu grande amigo Jaime Batalha Reis ou, então, no Grémio Literário, cavaqueando com os amigos.

Durante anos, pensou-se que Eça ia ficar solteiro. Porém, a 10 de Fevereiro de 1886, na capela privada da Quinta de Sto Ovídio, Eça casou com Emília de Castro Pamplona. O povo diz que o tempo tudo resolve. Será desta que a mãe vai estar ao pé do filho num dia tão importante? Não, ela disse que não!

Que dizer? Nenhuma mãe abandona assim um filho, revelando sempre um incompreensível desinteresse. Apetece perguntar, como outros já o fizeram, se esta Carolina Augusta terá sido a verdadeira mãe do Eça?
Um mistério...

Sem comentários:

Enviar um comentário