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segunda-feira, 21 de abril de 2014

O pastor peregrino


Já falei aqui da minha ida à cidade de Leiria, na semana passada, onde tinha encontro marcado com o Eça, com o padre Amaro, com a Amélia e com os outros coniventes no crime do padre Amaro. Faltaram todos.

Quem encontrei, afinal, logo à chegada, foi o poeta Francisco Rodrigues Lobo. Está na praça principal de Leiria. Não lhe perguntei, mas se calhar ele até podia contar-me alguma coisa acerca do crime. Fica para a próxima.

Francisco Rodrigues Lobo foi um poeta lírico, bucólico, "um pastor peregrino", como ele dizia. Por isso, não se percebe bem por que razão ele está com uma cara horrorosa, de meter medo. Amigo, que te fizeram?

Bem, diga-se que o poeta está presente na cidade por todo o lado, mas, se calhar, 99% dos leirienses nunca leu uma página dos livros escritos por este poeta que tem o cognome de “cantor do Lis”.

Tirando estas presenças fortes na cidade de Leiria, o poeta Francisco Rodrigues Lobo é, hoje, a nível nacional, uma figura esquecida, injustamente esquecida.

Na sua poesia há uma evidente influência da lírica de Luís de Camões (como nasceu no ano em que Camões morreu, achou-se por isso seu herdeiro), mormente nos temas de bucolismo e desencanto. 

O caso mais flagrante é, até, um poema que muita gente conhece, mas não sabem quem é o autor.


CANTIGA

Descalça vai para a fonte,
Leanor pela verdura;
Vai fermosa, e não segura.

A talha leva pedrada,
Pucarinho de feição,
Saia de cor de limão,
Beatilha soqueixada;
Cantando de madrugada,
Pisa as flores na verdura:
Vai fermosa, e não segura.

Leva na mão a rodilha,
Feita da sua toalha;
Com üa sustenta a talha,
Ergue com outra a fraldilha;
Mostra os pés por maravilha,
Que a neve deixam escura:
Vai fermosa, e não segura.

As flores, por onde passa,
Se o pé lhe acerta de pôr,
Ficam de inveja sem cor,
E de vergonha com graça;
Qualquer pegada que faça
Faz florescer a verdura:
Vai formosa, e não segura.

Não na ver o Sol lhe val,
Por não ter novo inimigo;
Mas ela corre perigo,
Se na fonte se vê tal;
Descuidada deste mal,
Se vai ver na fonte pura:
Vai fermosa, e não segura.

Francisco Rodrigues Lobo (1580-1622)


Camões tem, com se sabe, um soneto muito parecido (Descalça vai para a fonte / Descalça vai para a fonte leonor pela verdura; / Vai formosa e não segura.), mas foi escrito cerca de 80 anos antes. Este é o drama de Francisco Rodrigues Lobo e, se calhar, dos outros poetas que vieram a seguir a Camões. 

Já estava tudo dito. Como tal, privilegiou a forma ao conteúdo. Aliás, como cristão-novo, cuidou, inteligentemente, toda a sua escrita. Morreu afogado no rio Tejo, numa viagem entre Santarém e Lisboa. 

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