A minha Lista de blogues

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Cem anos de Bernardo Santareno



Entre “A promessa” e “O punho”: Cem anos de Bernardo Santareno

Nascido a 18 de novembro de 1920, Bernardo Santareno, pseudónimo literário de António Martinho do Rosário, tornou-se figura proeminente da dramaturgia, na dupla e incindível dimensão de texto literário e de texto espetacular (palco, encenação, interpretação por atores).

Também autor dos livros de poemas “A Morte na Raiz”, 1954, “Romances do Mar”, 1955, e “Os Olhos da Víbora”, 1957 (além de “Nos Mares do Fim do Mundo”, 1959, livro de crónicas decorrente da sua experiência como médico em barcos da frota bacalhoeira), Santareno foi sobretudo dra­maturgo com mais notória reflexão sobre as condições de realização teatral da sua obra (e com insólita intromissão do caso autoral no texto e na realização cénica: “Português, Escritor, Quarenta e Cinco Anos de Idade”, 1974).

Partindo do título premonitório “A Promessa”(1957), o escritor escalabitano cumpriu com alta qualidade estético‑literária os desígnios interventivos da adoção do modelo brechtiano (induzir pelo narrado e mostrado do histórico em cena, em atitude de distanciamento desalienante contra os engodos da adesão emocional, uma consciência crítica e um empenho revolucionário no presente).

Por outro lado, preservou as suas peças dos riscos de redução a um lance datado de militância — na medida em que, por vezes convocando o capital antropológico de antigas fábulas míticas, proporciona à sua dramaturgia implicações trágicas e cruzamentos do sociológico com o me­tafísico.

A súmula interpretativa de Luiz Francisco Rebello — «religiosidade e superstição, misticismo e erotismo, são os polos entrecruzados de um excruciante jogo dialético entre o bem e o mal, que se relativiza e e torna cada vez mais concreto à medida que a obra progride e evolui no sentido de uma crescente consciencialização social» — alude aos matizes de dois ciclos na congruente desenvolução do teatro de Bernardo Santareno.

Primeiro, “Teatro (A Promessa, O Bailarino, A Excomungada)”, 1957, “O Lugre”e “O Crime da Aldeia Velha”, 1959, “António Marinheiro (o Édipo de Alfama)”, “O Duelo e O Pecado de João Agonia”, 1961; depois, “O Judeu”, 1966, “O Inferno”, 1967, “A Traição do Padre Martinho”, 1969, “Três Quadros de Revista”, 1975, a tetralogia “Os Marginais e a Revolução”, 1979, e, em defesa da reforma agrária coletivista, “O Punho”, 1980.

O epicentro deste livro está porventura em “O Judeu”:obra‑prima de atualização interventiva através da fábula histórica em torno do destino de António José da Silva, vítima da Inquisição no século XVIII, servindo‑se, nesse tempo de exílios políticos que foram os anos 60, da voz narrativa de outro perseguido, o exilado e “estrangeirado” Cavaleiro de Oliveira, e do processo de teatro dentro do teatro, mediante a inserção de trechos da obra dramática do próprio herói perseguido. 
Faleceu em Lisboa a 29 de agosto de 1980.

José Carlos Seabra Pereira
Diretor do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura

Sem comentários:

Enviar um comentário