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terça-feira, 27 de novembro de 2012

A Correspondência de Fradique Mendes

Hoje, terça-feira, foi dia do meu Grupo de Leitura se reunir e, como havíamos oportunamente combinado, falar da Correspondência de Fradique Mendes, de Eça de Queiroz.
 
O livro compõe-se de duas partes distintas: uma narrativa e outra epistolar (cartas).

A primeira parte, com o título de “Notas e Memórias”, faz a apresentação biográfica de um suposto intelectual português Fradique Mendes. Um narrador, que se presume ser Eça de Queiroz (repeitamos aqui a grafia da palavra tal como ele gostava), conta como, quando e onde conheceu “esse homem admirável”.

A segunda parte consta do epistolário (cartas) atribuído a Fradique, o qual se correspondia com vários amigos e eminentes intelectuais da época. Entre estes, pessoas reais (como Antero de Quental, Oliveira Martins, etc.) e personagens fictícias. 

Parece evidente que as cartas de Fradique não são cartas de um sujeito de moral tradicional. Eça consegue espicaçar a moral burguesa e bem comportada, com as suas atitudes de provocação. E consegue-o, porque até aqui neste ensaio, especialmente em duas cartas, a XI e XV, na Edição «Livros do Brasil», ficamos a esgrimir argumentos contra Fradique.

A primeira, destas duas cartas,  é dirigida a MR. Bertrand B., engenheiro, que projecta a construção de uma estrada na Palestina, entre Jericó e Jerusalém. Fradique, que critica a construção dessa estrada, desenvolve uma argumentação astuciosa e inteligente, embora errada, mas que quase convence. "Nada mais necessário na vida do que um restaurante: e todavia ninguém, por mais descrente ou irreverente, desejaria que se instalasse um restaurante, com as suas mesas, o seu tinir de pratos, o seu cheiro a guisados - nas naves de Notre Dame ou na Sé Velha de Coimbra. Um caminho-de-ferro é obra louvável entre Paris e Bordéus. Entre Jericó e Jerusalém basta a égua ligeira que se aluga por dois dracmas, e a tenda de lona que se planta à tarde, entre os palmares, à beira duma água clara, e onde se dorme tão santamente sob a paz radiante das estrelas da Síria.". Como é possível?

A segunda, dirigida a A Bento de S., director de jornal. Aqui, Fradique revela o seu cepticismo extremado quanto à forma de fazer jornalismo. Mas, fazer das críticas ao mau jornalismo a condenação do jornalismo parece totalmente injustificável. Repare-se neste exagero: "Todo o jornal destila intolerância, como um alambique destila álcool, e cada manhã a multidão se envenena aos goles com esse veneno capcioso." No entanto, Eça, estranhamente, foi por este caminho.

Mas, no final, e se calhar, acabámos por cair na armadilha que o Eça nos preparou. Porque Fradique Mendes não existe, é um bluff literário. Um bluff genial!  Apetece-nos dizer que Eça, antecipando-se uns anos a Fernando Pessoa, nos presenteia com um processo de heteronomia ou quase heteronomia.

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